terça-feira, 29 de junho de 2010

Pierre Bonnard

Nós nunca nos realizamos.

Somos dois abismos -

um poço fitando o céu.




Fernando Pessoa

Michel Ogier

O visível à nossa volta parece repousar em si mesmo.

É como se a visão se formasse em seu âmago ou como se

houvesse entre ele e nós uma familiaridade tão

estreita como a do mar e da praia.

No entanto, não é possível que nos fundemos nele nem que

ele penetre em nós, pois então a visão sumiria no momento

de formar-se, com o desaparecimento ou do vidente ou do

visível. Não há, portanto, coisas idênticas a si mesmas, que,

em seguida, se oferecessem a quem vê, não há um vidente,

primeiramente vazio, que em seguida se abre para elas,

mas sim algo de que não poderíamos aproximar-nos mais a

não ser apalpando-o com o olhar, coisas que não poderíamos

sonhar ver "inteiramente nuas", porquanto o olhar as envolve

e as veste com sua carne.

MERLEAU-PONTY






Isaac Levitan

CANÇÃO PARA OS HOMENS DE INGLATERRA


Homens de Inglaterra, por quê lavrar
Para os senhores que vos derrubam?
Porquê tecer com esforço e cuidado
As ricas roupas que vestem os vossos tiranos?

Porquê alimentar, e vestir, e proteger,
Do berço até à sepultura,
Aqueles ingratos zângãos que
Exauririam o vosso suor como beberiam também o vosso sangue?

Porquê, Abelhas de Inglaterra, forjar
Tantas armas, grilhetas e chicotes
Se esses zângãos sem ferrão podem destruir
O produto forçado da vossa labuta?


PERCY B. SHELLEY

quarta-feira, 23 de junho de 2010

"Possua apenas o que você pode levar consigo...

Deixe que a memória seja a sua mala."


Alexander Soljenitsin

Patrick Cornèe

" Saber só tem sentido para vencer os limites do corpo, atravessar

o caos com arte, conservando os blocos de sensações das experiências

passadas em obras. O valor das obras é considerado pela virtuosidade

por elas apresentada. Trata-se do êxtase que a sua executação material

atualiza, coloca em ato. Ouvir, cheirar, tocar, olhar, sentir além dos sentidos.

Trata-se de extrair blocos de sensações da matéria.

Matéria que se pesquisa, que se estuda, que se corta para

produzir imagens. Imagens que mostram a vida que a matéria compõe.

Matéria que se expressa transformada pelo desejo de quem nela

excursiona, sem outra finalidade que não a de traçar as forças

singulares de uma vida. Saber uma matéria é diferente de dominar

uma área de conhecimento. Saber uma matéria é viver com ela,

elemento destacado estrategicamente da terra, numa relação

que entre a matéria trabalhada e aquele que a estuda

não há distinção."


GILLES DELEUZE
Quando eu morrer e no frescor da lua
Da casa nova me quedar a sós,
Deixai-me em paz na minha quieta rua...
Nada mais quero com nenhum de vós!
Quero é ficar com alguns poemas tortos
Que andei tentando endireitar em vão...
Que lindo a Eternidade, amigos mortos,
Para as torturas lentas da expressão!...
Eu levarei comigo as madrugadas,
Pôr de sóis, algum luar, asas em bando,
Mais o rir das primeiras namoradas...
E um dia a morte há de fitar com espanto
Os fios de vida que eu urdi, cantando,
Na orla negra do seu negro manto...
MÁRIO QUINTANA

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Lyonel Feininger

" Os amantes e os loucos são de cérebro tão efervescente;

neles a fantasia é tão criadora que enxergam o que o frio

entendimento jamais pode entender.

O namorado, o lunático e o poeta são compostos só de imaginação."



SHAKESPEARE

Gaston de Latouche

Escrever deve ser um ato destituido de vontade. A palavra, como a

profunda corrente oceânica, tem que flutuar da superficie de seu

próprio impulso. Uma criança não tem nenhuma necessidade de escrever,

é inocente. Um homem escreve para destilar o veneno que acumulou

devido à sua maneira falsa de vida. Está tentando recapturar sua

inocência e no entanto tudo o que consegue fazer (escrevendo) é

inocular no mundo o vírus de sua desilusão. Homem nenhum colocaria

uma palavra no papel se tivesse a coragem de viver aquilo em que

acredita. Sua inspiração é desviada na fonte. Se é um mundo de

verdade, de beleza e magia que deseja criar, por que põe milhões

de palavras entre si e a realidade daquele mundo?

Por que retarda a ação - a não ser que, como outros homens,

o que realmente deseje seja o poder, a fama, o sucesso?


HENRY MILLER

Ferdinand Hodler

Eu parto com o ar

sacudo minha neve branca ao sol que foge,

desfaço minha carne em redemoinhos de poeira,

entrego-me à terra para crescer nas ervas que amo.

Se queres ver-me novamente,

procura-me sob teus sapatos;

Dificilmente saberás quem sou, ou o que significo.

Mas, se não conseguires me encontrar, não desanimes;

O que não está numa parte está noutra.

Nalgum lugar estarei a tua espera.


WALT WHITMAN

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Peder Kroyer

Todo real navega nas ondas da contingência.

Vibramos incessantemente rumo ao possível, unidos

pelas dificuldades de nossas impossibilidades.

MICHEL SERRES

Paul Fischer

Nasci sem pele. Um dia sonhei que estava nu num jardim e que cuidadosa e completamente me tiravam a pele como a um fruto. Não ficou nem um resto de pele no meu corpo. Foi toda mas toda retirada com cuidado e só depois me disseram para andar, viver e correr. A princípio movimentei-me devagar, o jardim era tremendamente macio e eu sentia de uma precisa o jardim-doçura, não na superfície do corpo, mas atravessando-me o ar doce e os perfumes, como agulhas penetrando todos os meus poros em sangue. Todos os poros estavam abertos e respiravam calor, doçura e cheiros. O corpo totalmente invadido, penetrado, reagindo, a mais pequena célula e poros vivos respirando e tremendo com prazer. Gritei de dor. Corri. E ao correr o vento chicoteava-me e as vozes das pessoas eram chicotes dirigidos a mim. Ser tocado! Acaso sabem vocês o que é ser tocado por um ser humano?


ANAIS NIN

Mantegna

MORTE FALSA


Humilde, terno, numa tumba encantadora,
No monumento insensível,
Tanto de sombras, de abandonos, e de amores desperdiçados,
Que já se fazem em sua graça cansada,
Eu morro, eu morro em você, me caio e eu caio,
Mas dificilmente fico abatido embaixo do sepulcro,
Do qual a extensão das cinzas me convidam fundir-me,
Este óbvio morto, desses que ainda voltam a vida,
Tremores, dos olhos ativos, iluminados que mordam,
E sempre puxando-me para uma nova morte
Mais preciosa que vida.

PAUL VALÉRY

terça-feira, 1 de junho de 2010

Renoir

Só o afeto mantém o presente em estado de suspensão,

só nele a vida se liberta.

JOSÉ CASTELLO

Paul Serusier


Só o afeto mantém o presente em estado de suspensão,

só nele a vida se liberta.

JOSÉ CASTELLO

" Quando somos muito jovens pensamos que a maioria das coisas não

têm o direito de existir ( com exceção dos mais belos).

Numa idade mais madura, entra-se numa confusão inversa:

tudo tem o direito de existir - o que

torna o mundo igualmente insuportável."

Jean Baudrillard

Van Gogh

Conheço rios:
Conheço rios tão antigos quanto o mundo e mais
[ velhos que o fluxo de sangue humano
[ nas veias humanas.

Minha alma se tornou profunda como os rios.

Banhei-me no Eufrates quando eram jovens as
[ auroras.
Construí minha cabana junto ao Congo e ele
[ me cantou canções de ninar.

Olhei para o Nilo e acima dele levantei as
[ pirâmides.
Ouvi o canto do Mississippi quando Abe Lincoln
[ desceu até New Orleans e vi seu seio
[ lamacento tornar-se ouro, ao pôr-do-sol.

Conheço rios:
Antigos, cinzentos rios.

Minha alma se tornou profunda como os rios.


LANGSTON HUGHES