quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Tenho razão de sentir saudade, tenho razão de te acusar.

Houve um pacto implícito que rompeste e sem te despedires

foste embora. Detonaste o pacto. Detonaste a vida geral,

a comum aquiescência de viver e explorar os rumos de

obscuridade sem prazo sem consulta sem provocação até o

limite das folhas caídas na hora de cair. Antecipaste a hora.

Teu ponteiro enloqueceu, enloquecendo nossas horas.

Que poderias ter feito de mais grave do que o ato sem

continuação, o ato em si, o ato que não ousamos nem

sabemos ousar porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti, de nossa

convivência em falas camaradas, simples apertar de mãos,

nem isso, voz modulando sílabas conhecidas e banais que

eram sempre certeza e segurança. Sim, tenho saudades.

Sim, acuso-te porque fizeste o não previsto nas leis da

amizade e da natureza nem nos deixaste sequer o direito

de indagar porque o fizeste, porque te foste.

Carlos Drummond de Andrade

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