segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Existe na natureza muita competência sem compreensão.


DANIEL DENNETT

Alexander Danillof

" Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível.

Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano.

" Quem sou eu no mundo"?

Essa indagação perplexa é o lugar-comum da cada história de gente.

Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão emaranhada

em ti mesma como os seus ossos, mais forte ficarás.

Não importa qual seja a resposta;

o importante é dar ou inventar uma resposta."



PAULO MENDES CAMPOS
Não aprendi a colher a flor
sem esfacelar as pétalas.
Falta-me o dedo menino
de quem costura desfiladeiros.

Criança, eu sabia
suspender o tempo,
soterrar abismos
e nomear as estrelas.
Cresci,
perdi pontes,
esqueci sortilégios.

Careço da habilidade da onda,
hei-de aprender a carícia da brisa.

Trémula, a haste
me pede
o adiar da noite.

Em véspera da dádiva,
a faca me recorda, no gume do beijo,
a aresta do adeus.

Não, não aprenderei
nunca a decepar flores.

Quem sabe, um dia,
eu, em mim, colha um jardim?




Mia Couto



quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Edgar Degas

Eu gosto das frases que duram

até se converterem em lugares.

ALAN PAULS - escritor argentino

Leon Comerre

Sonhei com uma concordância mais íntima, ou com uma

boa vontade mais flexível. A vida era para mim como o

cavalo a cujos movimentos só nos unimos depois de

havê-lo adestrado com perfeição.

Aprendi a transformar as coisas pelas quais tinha

aversão, em objeto de estudo, forçando-me a retirar

dali algum motivo de alegria.

Me forcei a festejar o acaso e a aproveitar o que ele

trazia de inesperado. E foi desta maneira, com uma

mistura de prudência e audácia, de submissão e revolta

cuidadosamente calculadas, que acabei finalmente por

aceitar-me a mim mesmo.

MARGUERITE YOURCENAR - Memórias de Adriano

José Canelas

Recordação de uma noite de verão

Do alto do céu um anjo enraivecido
tocou o alarme para a terra triste.
Endoidaram cem jovens pelo menos,
caíram pelo menos cem estrelas,
pelo menos cem virgens se perderam:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Nossa velha colméia pegou fogo,
nosso potro melhor quebrou a pata,
os mortos, no meu sonho, estavam vivos
e Burkus, nosso cão fiel, sumiu,
nossa criada Mári, que era muda,
esganiçou de pronto uma canção:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Os ninguéns exultavam de ousadia,
os justos encolhiam-se e o ladrão,
mesmo o mais tímido, roubou então:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Sabíamos da imperfeição dos homens,
de suas grandes dívidas de amor:
mas era singular, ainda assim,
o fim de um mundo que chegava ao fim.
Jamais tão zombeteira esteve a lua
e nunca foi menor o ser humano
do que foi nessa tal noite em questão:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Perversamente em júbilo, a agonia
sobre todas as almas se abatia,
os homens imbuíram-se do fado
recôndito de cada antepassado
e, rumo a bodas de um horror sangrento,
seguia embriagado o pensamento,
o altivo servidor do ser humano,
este, por sua vez, mero aleijão:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Pensava então, pensava eu, todavia,
que um deus negligenciado voltaria
à vida para me levar à morte,
mas eis que vivo e ainda sou o mesmo
no qual me converteu aquela noite
e, à espera desse deus, recordo agora
uma só noite mais que aterradora
que fez um mundo inteiro soçobrar:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.

ENDRE ADY - POETA HÚNGARO

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

John Robinson

"... Oh, quando há de parar o coração que estala?

Quando a carne há de calar a sua fala?"




T.S.Eliot

Alexander Maranov

Sempre me restará amar.
Escrever é alguma coisa extremamente forte
mas que pode me trair e me abandonar:
posso um dia sentir que já escrevi
o que é meu lote neste mundo e que eu
devo aprender também a parar.
Em escrever eu não tenho nenhuma garantia.
Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer.
Amar não acaba.
É como se o mundo estivesse a minha espera.
E eu vou ao encontro do que me espera.


ALICE RUIZ

A vida é pra mim, está se vendo,
Uma felicidade sem repouso;
Eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo
Só pode ser medido em se sofrendo.

Bem sei que tudo é engano, mas sabendo
Disso, persisto em me enganar… Eu ouso
Dizer que a vida foi o bem precioso
Que eu adorei. Foi meu pecado… Horrendo
Seria, agora que a velhice avança,
Que me sinto completo e além da sorte,
Me agarrar a esta vida fementida.

Vou fazer do meu fim minha esperança,
Oh sono, vem!… Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida.

Mário de Andrade


quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Temos mil vidas diante de nós, mas, ao fim delas, todas se tornam uma só.


JOHN STEINBECK

Alexander Anufriev

"Me alinhei ao lado dos humildes e descobri que não era bastante humilde
para ficar junto deles, falsa a minha curvatura, falso despojamento.
Me alinhei ao lado dos fortes e vi que não era suficientemente
forte para sustentar por mais tempo aquela arrogância, representava
planar sobre os outros porque acreditava que assim não seria
esmagada pelo rolo compressor. Teria que subir acima deste rolo,pisar nele
- Ah, meu Deus, mas era isso que eu queria?
Não também não era isso. Quis ficar só para ser verdadeira, agora queria
apenas ficar só e então sonhei que era uma rainha num coche desgovernado,
em vão chamei alguém que eu sabia por perto, onde? E o coche rodando
para trás, para os lados, sem cavalos e sem cocheiro.
Consegui descer e encontrei uma gata cor-de-mel com seu gatinho,
me aproximei enternecida, E o pai?perguntei e apareceu um leão de
juba desgrenhada e olhar de pedra.
Corri, tinha uma mulher na casa mas a mulher gesticulava e não podia
fazer nada enquanto o leão ia fechando o cerco, acordei com as pisadas
na minha retaguarda. Mas quem me detesta tanto assim para me atacar
até no sonho?
Quis saber e nesse instante vi minha imagem refletida no espelho...."


Lygia Fagundes Telles - A Disciplina do Amor

José Canelas

O voo dos corvos

Haverá pouca coisa a esquecer:
O vôo dos corvos,
Uma rua molhada,
O modo do vento soprar,
O nascer da lua, o pôr do Sol,
Três palavras que o mundo sabe,
Pouca coisa a esquecer.

Será bem fácil de esquecer.
A chuva pinga
Na argila rasa
E lava lábios,
Olhos e cérebro.
A chuva pinga na argila rasa.

A chuva mansa lavará tudo:
O vôo dos corvos,
O modo do vento soprar,
O nascer da lua, o pôr do Sol.
Lavará tudo, até chegar
Aos duros ossos desnudados,
E os ossos, os ossos esquecem.

Archibald MacLeish

(
tradução: Manoel Bandeira)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Só há uma maneira de acabar com o mal:

é responder-lhe com o bem.



Leon Tolstoi

É inútil construir tal modelo de franqueza: a vida só é tolerável

pelo grau de mistificação que se põe nela. Tal modelo seria a

ruína da sociedade, pois a “doçura” de viver em comum reside

na impossibilidade de dar livre curso ao infinito de nossos

pensamentos ocultos. É porque somos todos impostores que nos

suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a

terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao

falso. Não há herói moral que não seja ou pueril, ou ineficaz, ou

inautêntico; pois a verdadeira autenticidade é o aviltamento na

fraude, no decoro da adulação pública e da difamação secreta.

Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões

sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados

para sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de

olhar cara a cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre

nós mesmos, nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se.

A dissimulação arrasta tudo o que vive, desde o troglodita até o

cético. Como só o respeito das aparências nos separa dos cadáveres,

precisar o fundo das coisas e dos seres é perecer; conformemo-nos

a um nada mais agradável: nossa constituição só tolera uma certa

dose de verdade…

EMIL CIORAN - Breviário da Decomposição





A Morte Absoluta





Morrer.
Morrer de corpo e alma.
Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne, a exangue máscara de cera,
Cercada de flores, que apodrecerão – felizes! – num dia,
Banhada de lágrimas
Nascida menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: “Quem foi?...”
Morrer mais completamente ainda
- Sem deixar sequer esse nome.



MANUEL BANDEIRA

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Não se pode descobrir novas terras sem aceitar

perder de vista a costa por um longo tempo.


ANDRÉ GIDE

Jules Breton

Estranho balé o das pessoas que, no momento de se cruzarem

na mesma calçada, precipitam-se uma para a outra e se evitam

no último instante.

O mesmo acontece no gaguejar, quando as palavras se entrechocam

no momento de sair, talvez porque, contra a vontade daquele que fala,

elas se lancem umas contra as outras, ou porque aquele que fala

se assusta diante das palavras que saem dele como coisas.



JEAN BAUDRILLARD

Beatriz Martin Vidal

Acho tão natural que não se pense
Que me ponho a rir às vezes, sozinho,
Não sei bem de quê, mas é de qualquer coisa
Que tem que ver com haver gente que pensa ...

Que pensará o meu muro da minha sombra?
Pergunto-me às vezes isto até dar por mim
A perguntar-me coisas. . .
E então desagrado-me, e incomodo-me
Como se desse por mim com um pé dormente. . .

Que pensará isto de aquilo?
Nada pensa nada.
Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem?
Se ela a tiver, que a tenha...
Que me importa isso a mim?
Se eu pensasse nessas coisas,
Deixaria de ver as árvores e as plantas
E deixava de ver a Terra,
Para ver só os meus pensamentos ...
Entristecia e ficava às escuras.
E assim, sem pensar tenho a Terra e o Céu.

ALBERTO CAEIRO






segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Jacques Resch

Ao contrário dos intelectuais, obcecados pelo sentido,

as massas farejaram há muito tempo que o único império é o dos símbolos.


JEAN BAUDRILLARD

Beatriz Martin Vidal

“O ditado de que a verdade triunfa sempre sobre a perseguição

é uma daquelas falsidades agradáveis que as pessoas repetem entre si

até chegarem ao estatuto de lugares-comuns, mas que toda a

experiência refuta. A história está repleta de exemplos de verdades

esmagadas pela perseguição. Mesmo que não sejam suprimidas

para sempre, poderão ser relegadas para o esquecimento durante séculos.

(…) A perseguição foi sempre bem sucedida, excepto quando os heréticos

constituíam uma facção demasiado forte para ser eficazmente perseguida.

(…) É apenas vã sentimentalidade pensar que a verdade, enquanto verdade,

tem um poder inerente – que o erro não tem – de prevalecer contra

a masmorra e a fogueira. As pessoas não se dedicam mais à verdade que

– como frequentemente acontece – ao erro, e uma aplicação suficiente

de punições legais e até sociais geralmente conseguirá travar a propagação

tanto de uma como de outro. A verdadeira vantagem da verdade é a seguinte:

quando uma opinião é verdadeira, pode ser extinta uma, duas ou até mais

vezes, mas no decorrer do tempo haverá geralmente pessoas que a

redescubram, até algum dos seus ressurgimentos calhar numa altura em que,

devido a circunstâncias favoráveis, escape à perseguição até ter adquirido

ímpeto suficiente para aguentar todas as tentativas subsequentes de a suprimir.”




John Stuart Mill - Sobre a Liberdade



Que sou eu senão um grande sonho

Obscuro em face do Sonho

Senão uma grande angústia

Obscura em face da Angústia.

Quem sou eu senão a imponderável

Árvore dentro da noite imóvel,

E cujas presas remontam ao

Mais triste fundo da terra?

A quem respondo senão a ecos,

A soluços, a lamentos de vozes

Que morrem no fundo do meu

Prazer ou do meu tédio.

A quem falo senão a multidões

De símbolos errantes, cuja

Tragédia efêmera

Nenhum espírito imagina?

Vinícius de Moraes






domingo, 9 de janeiro de 2011

Norman Parker

“Temam menos a morte e mais a vida insuficiente.”


Bertolt Brecht

Max Liebermann

A minha infância ainda está a acontecer.

Para mim não é só um tempo, é a capacidade que temos

de nos espantar e de sermos encantados, e, nesse aspecto,

ainda vivo em estado de infância. Tudo me fascina. […]

Mas quero manter isso, apesar de saber que não é muito prático.

A única maneira que tenho de ser feliz é ter esta sensação

de estranhamento.

Como se estivesse a olhar pela primeira vez as coisas.

Essa é a minha receita para ser feliz.




Mia Couto







Brandas maldades que a liberdade faz,
se estou por vezes longe do teu peito,
diz com beleza e anos, e onde estás
a tentação te segue nesse efeito.

És gentil e te assalta quem puder,
e belo és e ganham-te em disputa;
se a mulher quer, que filho de mulher
cruel a deixa, sem vencer a luta?

Ah, mas bem podias respeitar-me a casa
e censurar-te a juventude errante,
tumulto que te leva onde se arrasa

dupla fidelidade num instante:
dela, porque a beleza em ti a atrai,
tua, porque a beleza em ti me trai.



WILLIAM SHAKESPEARE




quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Koppdelaney

Qualquer informação é uma especulação sobre a credibilidade e a besteira.


JEAN BAUDRILLARD

(...) Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano,
não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres
todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e
o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos.
Serão tantas que desistirás de contar.
Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano
tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam.
Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e
que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho
...


Caio Fernando Abreu
O vento sopra pelas portas do dia.
O vento sopra nos corações solitários;
Os corações solitários fenecem e morrem.
Enquanto ao longe dançam as fadas,
Dançam com seus pés da alvura do leite,
Balançando seus braços,
Aos seus ouvidos, o vento ri,
Murmura e canta sobre uma terra
Onde até os velhos são belos
E até os sábios trazem alegria nos lábios;
Mas ouvi um junco dizer:
Quando o vento ri, murmura e canta,
Os corações solitários fenecem e morrem.




WILLIAM BUTLER YEATS





quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Guy Rose

Os melhores carecem de todas as convicções,
ao passo que os piores estão repletos de
intensidade apaixonada.



WILLIAM YEATS

Edward Cucuel

Protegido de qualquer confronto sério com o Mal,

o corpo hoje se diverte ficando doente.

As novas doenças (psicossomáticas, autoimunes) são a distração

original de um corpo desanimado, que não sabe mais o que fazer

de si mesmo senão brincar com seus anticorpos.

Exatamente como as novas tecnologias, que são a distração

inédita de um cérebro desaparelhado, que não sabe mais o

que fazer de si mesmo, senão brincar com seu duplo, artificial.



JEAN BAUDRILLARD

Edvard Munch

Duvidou-se algum dia que quem

corrompe seu corpo anula seu ser?

E que aqueles que profanam os vivos

Sejam piores que os que profanam

Os mortos?

E se o corpo não faz tanto quanto a alma?

E em não sendo o corpo alma,

que será ela?




WALT WHITMAN


terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Alexander Bartashevich

A teia de nossa vida é composta de fios misturados: de bens e de males.

Nossas virtudes se tornariam orgulhosas sem os açoites de nossos

defeitos, como os nossos vícios desesperariam,

se não fossem alentados pela virtude.




SHAKESPEARE

Setowski

Aquilo que modelamos e acreditamos controlar sai pelo mundo

para tentar a sorte e passa a ter vida própria.

O culto cego a determinada produção de nossa economia mata

os nossos semelhantes em estradas.

Os gregos, por medo de ver suas estátuas se moverem,

por vezes, recobriam-nas com correntes.

Quem pode adivinhar se, e de que modo, um determinado objeto,

apesar de convencional e produzido por nossa indústria,

pode um dia converter-se em símbolo, em ícone,

ou que mais posso dizer, em divindade?



MICHEL SERRES

Praha

OS AMANTES



Quem os vê andar pela cidade
se todos estão cegos?
Eles se tomam as mãos: algo fala
entre seus dedos, línguas doces
lambem a úmida palma, correm pelas falanges,
e acima a noite está cheia de olhos.

São os amantes, sua ilha flutua à deriva
rumo a mortes na relva, rumo a portos
que se abrem nos lençóis.
Tudo se desordena por entre eles,
tudo encontra seu signo escamoteado;
porém eles nem mesmo sabem
que enquanto rodam em sua amarga arena
há uma pausa na criação do nada
o tigre é um jardim que brinca.

Amanhece nos caminhões de lixo,
começam a sair os cegos,
o ministério abre suas portas.
Os amantes cansados se fitam e se tocam
uma vez mais antes de haurir o dia.

Já estão vestidos, já se vão pela rua.
E só então,
quando estão mortos, quando estão vestidos,
é que a cidade os recupera hipócrita
e lhes impõe os seus deveres quotidianos.


JULIO CORTAZAR

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Setowski

"No mundo, a coisa é determinada,

na arte ela o deve ser mais ainda:

subtraída a todo o acidente, libertada de toda a penumbra,

arrebatada ao tempo e entregue ao espaço,

ela se torna permanência, ela atinge a eternidade. (...)"




RAINER MARIA RILKE

O sábio, que renunciou ao sentido e ao eu, ama o real,
aceita-o e contenta-se com ele. Libertado de si, curado
do medo e da esperança, despreocupado com os signos
e o sentido, só habita o tempo na paz aqui, agora e
sempre, da presença. Não aguarda nada, mas é atento.
Não busca nada, mas é disponível. Não espera nada,
mas ama. Todos os sábios disseram, em todas as línguas:
"Infinite love, infinite patience". Sabedoria, não de
recolhimento, mas de acolhida. O sábio tem o tempo
(já que não aguarda nada) e todo o tempo
(já que não há outro). Paciência, não da espera, mas da
vida, não para o futuro, mas para o presente.
Os ocupados se precipitam para o que lhes falta, ou
aguardam (pacientemente, dizem eles!) que lhes caia
dos céus. O sábio faz, tranqüilamente, o que tem a fazer.
Não aguarda nada, e é por isso que não tem impaciência.
Nada lhe falta, e é por isso que não se precipita.
Lentidão do tempo, lentidão da presença...
Todos os dias são hoje, é "o oitavo dia da semana, que
não começa e não se esgota em nenhum tempo",
e essa presença é exatamente aquilo a que o sábio está
presente. Ele ainda vive no tempo? Claro, mas na verdade
do tempo. Presente ao presente da presença, ele é aqui
e agora, contemporâneo do eterno.


André Comté-Sponville

Claude Verlinde

Não chamo um o maior e outro o menor,
Quem quer que preencha o seu período de tempo
e lugar é igual a qualquer outro.

Meus signos são uma capa à prova de chuva, bons
calçados e um bordão colhido nos bosques.
Nenhum dos meus amigos busca descanso em
minha cadeira.
Não possuo cadeira, nem igreja, nem filosofia,
Não conduzo homem algum à mesa do jantar,
biblioteca ou casa de câmbio,
Mas conduzo cada um de vós, homem ou mulher,
para o alto de um outeiro
Minha mão esquerda prende-vos pela cintura,
Minha mão direita aponta em direção de
continentes e estrada aberta.

WALT WHITMAN