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Somos todos imortais. Teoricamente imortais, claro. Hipocritamente imortais. Porque nunca consideramos a morte como uma possibilidade cotidiana, feito perder a hora no trabalho ou cortar-se fazendo a barba, por exemplo. Na nossa cabeça, a morte não acontece como pode acontecer de eu discar um número telefônico e, ao invés de alguém atender, dar sinal de ocupado. A morte, fantasticamente, deveria ser precedida de certo ‘clima’, certa ‘preparação’. Certa ‘grandeza’. Deve ser por isso que fico (ficamos todos, acho) tão abalado quando, sem nenhuma preparação, ela acontece de repente. E então o espanto e o desamparo, a incompreensão também, invadem a suposta ordem inabalável do arrumado (e por isso mesmo ‘eterno’) cotidiano. A morte de alguém conhecido e/ou amado estupra essa precária arrumação, essa falsa eternidade. A morte e o amor. Porque o amor, como a morte, também existe – e da mesma forma, dissimulada. Por trás, inaparente. Mas tão poderoso que, da mesma forma que a morte – pois o amor também é uma espécie de morte (a morte da solidão, a morte do ego trancado, indivisível, furiosa e egoisticamente incomunicável) – nos desarma. O acontecer do amor e da morte desmascaram nossa patética fragilidade.Caio Fernando Abreu
O mundo não está interessado nas tempestades que você encontrou. Querem saber se você trouxe o navio.
William McFee
Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu
lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu
estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem,
mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação
inventado por mim para ocultar a desordem da minha
natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude,
e sim como reação contra a minha negligência; que pareço
generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço
passar por prudente quando na verdade sou desconfiado
e sempre penso o pior, que sou conciliador para não
sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual
para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo
alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da
alma e sim um signo do zodíaco.
(Gabriel Garcia Márquez)
O par que me parecePesa dentro de mim o idioma que não fiz,aquela língua sem fim feita de aís e de aquis.Era uma língua bonita, música mais que palavra,alguma coisa de hitita, praia de mar de Java.Um idioma perfeito, quase não tinha objeto.Pronomes do caso reto, nunca acabavam sujeitos.Tudo era seu múltiplo, verbo, triplo, prolixo.Gritos eram os únicos.O resto, ia pro lixo.Dois leos em cada pardo, dois saltos em cada pulo,eu que só via a metade,silêncio, está tudo duplo. Paulo Leminski