terça-feira, 1 de setembro de 2009

Somos todos imortais. Teoricamente imortais, claro. Hipocritamente imortais. Porque nunca consideramos a morte como uma possibilidade cotidiana, feito perder a hora no trabalho ou cortar-se fazendo a barba, por exemplo. Na nossa cabeça, a morte não acontece como pode acontecer de eu discar um número telefônico e, ao invés de alguém atender, dar sinal de ocupado. A morte, fantasticamente, deveria ser precedida de certo ‘clima’, certa ‘preparação’. Certa ‘grandeza’. Deve ser por isso que fico (ficamos todos, acho) tão abalado quando, sem nenhuma preparação, ela acontece de repente. E então o espanto e o desamparo, a incompreensão também, invadem a suposta ordem inabalável do arrumado (e por isso mesmo ‘eterno’) cotidiano. A morte de alguém conhecido e/ou amado estupra essa precária arrumação, essa falsa eternidade. A morte e o amor. Porque o amor, como a morte, também existe – e da mesma forma, dissimulada. Por trás, inaparente. Mas tão poderoso que, da mesma forma que a morte – pois o amor também é uma espécie de morte (a morte da solidão, a morte do ego trancado, indivisível, furiosa e egoisticamente incomunicável) – nos desarma. O acontecer do amor e da morte desmascaram nossa patética fragilidade.


Caio Fernando Abreu

Paul Sawyier


O mundo não está interessado nas tempestades que você

encontrou. Querem saber se você trouxe o navio.


William McFee


Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu

lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu

estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem,

mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação

inventado por mim para ocultar a desordem da minha

natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude,

e sim como reação contra a minha negligência; que pareço

generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço

passar por prudente quando na verdade sou desconfiado

e sempre penso o pior, que sou conciliador para não

sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual

para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo

alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da

alma e sim um signo do zodíaco.


(Gabriel Garcia Márquez)

Odilon Redon


O par que me parece
Pesa dentro de mim o idioma que não fiz,
aquela língua sem fim feita de aís e de aquis.
Era uma língua bonita, música mais que palavra,
alguma coisa de hitita, praia de mar de Java.
Um idioma perfeito, quase não tinha objeto.
Pronomes do caso reto, nunca acabavam sujeitos.
Tudo era seu múltiplo, verbo, triplo, prolixo.
Gritos eram os únicos.
O resto, ia pro lixo.
Dois leos em cada pardo,
dois saltos em cada pulo,
eu que só via a metade,
silêncio, está tudo duplo.



Paulo Leminski