terça-feira, 3 de novembro de 2009

Saudades! Sim... talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como pão!

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!



Florbela Espanca

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Edward Hopper


Quando abro a cada manhã a janela do meu quarto

É como se abrisse o mesmo livro

Numa página nova...


Mário Quintana

Loretta Lux


O "eu" manifesta-se pouco fora das circunstâncias.

Eu sou, eu existo nesta contingência misturada que

muda, muda pela tempestade do outro, por sua

possibilidade de existir. Nós nos colocamods um e

outro, em afastamento do estável, no arriscado.

No auge saturado da mistura, o êxtase da existência

é uma soma tornada possível pela contingência do

outro. Minha contingência torna possível a mesma

descoberta para ele. Essa experiência de corpos

misturados, dessas multiplicidades atenuadas

compõem a vida.


MICHEL SERRES

Jacek Yerka


Construção da noite


No casulo há um homem
mas o fundo é o outro lado.
No casulo de seu tempo há um homem,
mas o fundo é o outro lado.
É o casulo onde o homem foi achado,
mas o fundo é o outro lado.
É o terreno onde o homem foi lavrado,
mas o fundo é o outro lado.
É a treva onde o homem foi fechado,
mas o fundo é o outro lado.
É o silêncio de um homem soterrado,
mas o fundo é o outro lado.
Mas o fundo é o outro lado.
É a infância que nasce sobre o morto,
é a infância que cresce sobre o morto,
é o sol que madruga no seu rosto,
é um homem que salta do sol posto
e convoca outros homens para o sonho
e mistura-se à terra e mistura-se ao sonho.
E o canto recomeça além do sonho,
além da escuridão, além do lago.
Mas o fundo é o outro lado,
mas o fundo principia sem passado,
sem os montes, sem os barcos, sem o lago.
Tua vida verdadeira é o outro lado.
Tua terra verdadeira é o outro lado.
Tua herança verdadeira é o outro lado.
Tudo cessa.
Tudo cessa,tudo cessa.
Mas o mundoé o outro lado
que começa.


Carlos Nejar