quinta-feira, 3 de março de 2011

Rupert Bunny

"O que a memória ama, fica eterno.

Te amo com a memória, imperecível".


ADÉLIA PRADO

Santiago Rusiñol

Quem fará a história das lágrimas?

Em que sociedades, em que tempos se chorou?

Desde quando os homens ( e não as mulheres) não choram mais?

Por que a "sensibilidade" se transformou em dado momento em "pieguice"?

Qual é esse "eu" que tem "lágrimas" nos olhos?



Se tenho tantas maneiras de chorar, é porque, talvez, quando choro, me
dirijo sempre a alguém, e o destinatário das minhas lágrimas não é sempre
o mesmo: adapto minhas maneiras de chorar ao tipo de chantagem que
pretendo exercer ao meu redor através das lágrimas.

Me faço chorar para me provar que minha dor não é uma ilusão:
as lágrimas são signos e não expressões.
Através das minhas lágrimas, conto uma história, produzo um mito da
dor, e a partir de então me acomodo: posso viver com ela, porque,
ao chorar, me ofereço um interlocutor empático que recolhe a mais
"verdadeira" das mensagens, e do meu corpo e não a minha língua:
Que são as palavras? Um lágrima diz muito mais.


ROLAND BARTHES
O VOO DOS CORVOS


Haverá pouca coisa a esquecer:
O vôo dos corvos,
Uma rua molhada,
O modo do vento soprar,
O nascer da lua, o pôr do Sol,
Três palavras que o mundo sabe,
Pouca coisa a esquecer.

Será bem fácil de esquecer.
A chuva pinga
Na argila rasa
E lava lábios,
Olhos e cérebro.
A chuva pinga na argila rasa.

A chuva mansa lavará tudo:
O vôo dos corvos,
O modo do vento soprar,
O nascer da lua, o pôr do Sol.
Lavará tudo, até chegar
Aos duros ossos desnudados,
E os ossos, os ossos esquecem.






Archibald McLeish

(Tradução: Manuel Bandeira)

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011