segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
a comparação levar-me-ia a tirar-te
de dentro da sua água, e a inventar-te
uma casa. Poria uma escada encostada
à parede, e sentar-te-ias num dos seus
degraus, lendo o livro da vida. Dir-te-ia:
«Não te apresses: também a água deste
rio é vagarosa, como o tempo que os
teus dedos suspendem, antes de virar
cada página.» Passam as nuvens no céu;
nascem e morrem as flores do campo;
partem e regressam as aves; e tu lês
o livro, como se o tempo tivesse parado,
e o rio não corresse pelos teus olhos.
NUNO JÚDICE
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Tenta uma experiência e constrói um palácio. Equipa-o com mármore, quadros,
ouro, pássaros do paraíso, jardins suspensos, todo o tipo de coisas…
E entra lá para dentro. Bem, pode ser que nunca mais desejasses sair de lá.
Talvez, de fato, nunca mais saísses de lá. Tudo está lá!
"Estou muito bem aqui sozinho!".
Mas, de repente — uma ninharia! O teu castelo é rodeado por muros,
e é-te dito: “Tudo isto é teu! Desfruta-o! Apenas não podes sair daqui!".
Então, creia-me, nesse mesmo instante quererás deixar esse teu
paraíso e pular por cima do muro. Ainda mais!
Todo esse luxo, toda essa plenitude, aumentará o teu sofrimento.
Sentir-te-ás insultado como resultado de todo esse luxo…
Sim, apenas uma coisa te falta: um pouco de liberdade!
Um pouco de liberdade e um pouco de liberdade.
DOSTOIÉVSKI
mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a Verdade
porque a meia pessoa que entrava,
só trazia o perfil da meia verdade
e sua segunda metade voltava igualmente
com meio perfil e os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta.
Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso onde a Verdade
esplendia seus fogos.
Era dividida em metades diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela
Nenhuma das duas era totalmente bela
E carecia optar.
cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão,
sua miopia.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE