segunda-feira, 22 de julho de 2013

É mineral o papel
onde escrever
o verso; o verso
que é possível não fazer.

São minerais
as flores e as plantas,
as frutas, os bichos
quando em estado de palavra.

É mineral
a linha do horizonte,
nossos nomes, essas coisas
feitas de palavras.

É mineral, por fim,
qualquer livro:
que é mineral a palavra
escrita, a fria natureza
 
JOÃO CABRAL DE MELO NETO

quarta-feira, 17 de julho de 2013


"O tema da inveja é muito espanhol. Os espanhóis sempre estão pensando na
inveja. Para dizer que algo é bom dizem: 'É invejável'."

 
 Jorge Luis Borges 

"O amor cortês caracteriza-se pela sublimação do impulso sexual, pelo culto "desinteressado"
do amor, acompanhado da superestima e da celebração lírica da mulher amada;
submissão e obediência do amante à amada.
 
Desde o fundo das eras, os guerreiros ganharam o amor das mulheres realizando
proezas e façanhas  em sua honra; o amor é merecido pelas virtudes viris, a temeridade
e o devotamento heroico. Essa concepção cavalheiresca do amor prossegiu durante séculos,
mas a partir de 1100 não cessou de sofrer a influência civilizadora do amor cortês.
 
Foi assim que a um heroísmo guerreiro sucedeu um heroísmo lírico e sentimental;
no novo código amoroso, o senhor, por "jogo" vive ajoelhado  diante  da mulher amada e
cerca-a de atenções, mostra-se submisso a seus caprichos, é obrigado a celebrar
a sua beleza e sua virtude em poemas lisonjeiros.
 
Começa a fase da "poetização do cortejar", excluindo a linguagem vulgar, libertinagens
e obscenidades em favor da discrição, da humildade respeitosa do amante,
do enobrecimento da linguagem e da exaltação galante. Daí pra frente, a sedução
requer atenção e delicadeza em relação à mulher,
a poética do verbo e do comportamento."
 
 
Gilles Lipovetsky - O Império do Efêmero

Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatroz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os caminhos caminha.

Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.

Que sem graça é o viajor alado sem seu ninho!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico em cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!

O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flexa no ar,
Exilado no chão, em meio à corja impura,
A asa de gigante impedem-no de andar.
 
BAUDELAIRE