segunda-feira, 30 de maio de 2011

Luis Beltran

"Tu és metade vítima, metade cúmplice, como todos os outros."


Jean-Paul Sartre

Gregory Colbert

" De todos os rituais fúnebres que as criaturas deste

mundo excogitaram, sempre admirei o dos elefantes,

que têm uma estranha forma de morrer...

Quando um elefante sente que chegou a sua hora afasta-se

da manada, mas não sozinho, escolhe um companheiro

que vá com ele, e partem. Avançam pela savana e seguem

até o moribundo decidir que é ali que ele quer morrer;

então dá algumas voltas, traça um círculo imaginário como

que para geografizar a morte, por assim dizer... e só ele

pode entrar naquele círculo, porque a morte é um assunto

privado... neste instante, o companheiro

o deixa e regressa à manada."



ANTONIO TABUCCHI

Gustave Cailebotte

Vadio uma jornada perpétua,
Meus sinais são uma capa de chuva e sapatos
[ confortáveis e um cajado arrancado
[ do mato ;
Nenhum amigo fica confortável em minha
[ cadeira,
Não tenho cátedra, igreja, nem filosofia;
Não conduzo ninguém à mesa de jantar ou à
[ biblioteca ou à bolsa de valores,
Mas conduzo a uma colina cada homem e mulher
[ entre vocês,
Minha mão esquerda enlaça sua cintura,
Minha mão direita aponta paisagens de
[ continentes, e a estrada pública.

Nem eu nem ninguém vai percorrer essa estrada
[ pra você,
Você tem que percorrê-la sozinho.

Não é tão longe assim .... está ao seu alcance,
Talvez você tenha andado nela a vida toda e não
[ sabia,
Talvez a estrada esteja em toda parte sobre a
[ água e sobre a terra.

Pegue sua bagagem, eu pego a minha, vamos em
[ frente;
Toparemos com cidades maravilhosas e nações
[ livres no caminho.

Se você se cansar, entrega os fardos, descansa a
[ mão macia em meu quadril,
E quando for a hora você fará o mesmo por mim;
Pois depois de partir não vamos mais parar.





WALT WHITMAN

domingo, 29 de maio de 2011

Bastien Lepage

" Tudo compreender, e, portanto, tudo perdoar é uma lei moral impraticável.
Pode-se compreender tudo, só não se pode compreender que seja assim."


Jean Baudrillard

Ari Scheffer

"Com receio de sofrer, homens realizam vasectomia no coração.
Com receio de sofrer, mulheres fazem ligadura no coração.
Ambos tornam-se indiferentes e descrentes.
Ambos sacrificam a fertilidade, o inesperado, o porvir.
São enterrados de pé. Viver não é racionar o que se conhece.
O que se conhece é insuficiente.
Os riscos fazem parte da euforia.
Como a dor, a alegria também pode ser insuportável.
Por receio da alegria, sofremos."


FABRÍCIO CARPINEJAR

Pablo Picasso

Considerando a frio, imparcialmente,

que o homem é triste, tosse e, sem embargo,

se alegra em seu peito colorido;

que a única coisa que faz é compor-se

de dias;

que é lôbrego mamífero e se penteia...

Considerando

que o homem procede suavemente do trabalho

e ressoa chefe e soa subordinado;

que o diagrama do tempo

é constante diorama em suas medalhas

e, semi-abertos, seus olhos estudaram,

desde distantes tempos,

sua fórmula famélica de massa...

Compreendo sem esforço

que o homem fica, às vezes, pensando,

como querendo chorar,

e, sujeito a estender-se como objeto,

se torna bom carpinteiro, sua, mata

e depois canta, almoça, se abotoa...

Examinando, enfim,

suas contraditórias peças, sua latrina,

seu desespero, ao terminar o dia atroz, apagando-o...

Considerando também

que o homem é na verdade um animal

e, não obstante, ao voltear, me dá com sua tristeza na cabeça...

Compreendendo

que ele sabe que o quero,

que o odeio com afeto e me é, em suma, indiferente...

Considerando seus documentos gerais

e examinando com lentes aquele certificado

que prova que nasceu muito pequenino...

faço-lhe um sinal,

vem,

e lhe dou um abraço, emocionado.

Tanto faz! Emocionado... Emocionado...



César Vallejo



quinta-feira, 26 de maio de 2011

"Meu inconsciente conhece melhor a consciência do psicólogo do que a sua consciência conhece o meu inconsciente."


KARL KRAUS
" A Terra deveria ser o jardim comum da humanidade.

O que há de mais belo no jardim é a cooperação entre

natureza e cultura. O jardim se situa onde as duas

cooperam em vez dde se entredestruírem.

É na escala da biosfera que as forças conscientes humanas

e as forças inconscientes da natureza deveriam cooperar.

Civilizar a Terra, fazer dela um jardim é uma tarefa gigantesca.

Não nos encontramos senão nas preliminares.

Ainda não temos sequer a consciência dessa pátria terrestre.

Tentemos cultivar nosso jardim."


EDGAR MORIN
EXORTAÇÃO



Em nome do teu nome,

Que é viril,

E leal,

E limpo, na concisa brevidade

— Homem, lembra-te bem!

Sê viril,

E leal,

E limpo, na concisa condição.

Traz à compreensão

Todos os sentimentos recalcados

De que te sentes dono envergonhado;

Leva, dourado,

O sol da consciência

As íntimas funduras do teu ser,

Onde moram

Esses monstros que temes enfrentar.

Os leões da caverna só devoram

Quem os ouve rugir e se recusa a entrar,


MIGUEL TORGA

segunda-feira, 23 de maio de 2011

" O ódio constitui de longe o prazer mais insistente:

os homens amam às pressas, mas detestam longamente."


HOMERO

Riviere Breton

" Parecer melhor do que os outros é sempre perigoso,

mas o que é perigosíssimo é parecer não ter

falhas ou fraquezas.

A inveja cria inimigos silenciosos.

É sinal de astúcia exibir ocasionalmente alguns

defeitos, para desviar a inveja e parecer mais

humano e acessível.

Só os deuses e os mortos podem parecer

perfeitos impunemente."


Baltasar Gracián

Guy Rose

O verbo no infinito




Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer,
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar

Para poder nutrir-se; e despertar

Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.

E crescer, e saber, e ser, e haver

E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito

E esquecer tudo ao vir um novo amor

E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...


Vinicius de Moraes

sábado, 21 de maio de 2011

Michel Ogier

" Os homens dificilmente adquirem algum novo
conhecimento sem perder alguma ilusão prazerosa,
e nosso conhecimento se dá quase sempre à custa de
nossos prazeres. Mas se tal esclarecimento reduz
nossos prazeres, ele deleita nossa vaidade e nos
leva a encarar nossa sofisticação como
se fosse uma virtude."


D'Alembert

" Que peculiar privilégio possui esta pequena

agitação do cérebro a que chamamos pensamento,

para que precisemos fazer dela o

modelo para todo o universo?

Nossa parcialidade em prol de nós mesmos se faz

presente em todas as ocasiões.

Só nos é conhecida - e muito imperfeitamente - uma

parte ínfima do universo, e por um intervalo muito

curto de tempo.

Como então fazer uma declaração conclusiva

acerca da origem de sua totalidade?"



David Hume

Guy Rose

Podemos falar dos sentimentos, descrever
as impressões que nos ameaçam, e revelar o vazio
que se descobre na ausência um do outro: nada,
porém, é tão inquietante como a dúvida,
o não saber de ti, ouvir o desânimo na tua voz,
agora que a tarde começa a descer e, com ela,
todas as sombras da alma. É verdade que o amor não é
apenas um registo de memórias. É no presente
que temos de o encontrar: aí, onde a tua imagem
se tornou mais real do que tu própria,
mesmo que nada te substitua. Então, é
porque as palavras são supérfluas; mas como viver
sem elas? Como encontrar outra forma de te dizer
que o amor é esta coisa tão estranha, dar o que nunca
se poderá ter, e ter o que está condenado
a perder-se? A não ser que guardemos dentro de nós,
num canto de um e outro a que só nós chegamos,
sabendo que esse pouco que nos pertence é
tudo o que cabe neste sentimento.




Nuno Júdice




segunda-feira, 16 de maio de 2011

Howard Pyle

" Noventa por cento da Filosofia de qualquer época não é boa. Se a Filosofia não é boa, realmente não acrescenta muita coisa. Mas há duas formas de não ser muito bom: uma é sendo estéril, chato e escolástico, e a outra é sendo falso. A Filosofia se especializou mais em ser estéril e chata que falsa."


Bernard Williams
É preciso amar o inútil. Criar pombos sem pensar em comê-los,
plantar roseiras sem pensar em colher rosas, escrever sem pensar
em publicar, fazer coisas assim, sem esperar nada em troca.
A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta,
mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas
da vida. A música. Este céu que nem promete chuva. Aquela
estrelinha nascendo ali... está vendo aquela estrelinha? Há milênios
não tem feito nada, não guiou os reis magos, nem os pastores, nem
os marinheiros perdidos... apenas brilha. Ninguém repara nela porque
é uma estrela inútil. Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está
a beleza. No inútil também está Deus.



Lygia Fagundes Telles.
O despertador é um objeto abjeto.
Nele mora o Tempo. O Tempo não pode viver sem
nós, para não parar.
E todas as manhãs nos chama freneticamente como
um velho paralítico a tocar a campanhinha atroz.
Nós
é que vamos empurrando, dia a dia, sua cadeira de
rodas.
Nós, os seus escravos.
Só os poetas
os amantes
os bêbados
podem fugir
por instantes
ao Velho...Mas que raiva dá no Velho quando
encontra crianças a brincar de roda
e não há outro jeito senão desviar delas a sua
cadeira de rodas!
Porque elas, simplesmente, o ignoram...

Mario Quintana

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Rembrandt

" É sob a luz crepuscular que a vida aparece com sua maior clareza.

Os homens só se tornam sábios depois de passado o momento de viver."


RUBEM ALVES

Gustave Doré

" O homem é um animal predominantemente construtivo,
dedicado à eterna e incessante "construção" de uma estrada -
não importa para onde ela vá.
Mas como explicar que ele seja tão apaixonadamente
propenso à destruição e ao caos?
Não será pelo seu medo instintivo de alcançar o objetivo e
completar a obra em construção?
Talvez esteja mais interessado em perseguir um objetivo do
que no objetivo em si. Talvez seu único propósito neste
mundo consista no processo contínuo de perseguir um
objetivo ou, em outras palavras, de viver, e não
propriamente no objetivo, que, é claro, tem de ser algo como
duas vezes dois são quatro, ou seja, uma fórmula,
algo que afinal, não é a vida, mas o princípio da morte."


Dostoiévski - Notas do Subterrâneo

O vento é um cavalo:
ouve como ele corre
pelo mar, pelo céu.

Quer levar-me: escuta
como percorre o mundo
para levar-me para longe.

Esconde-me em teus braços
por esta noite apenas,
enquanto a chuva abre
contra o mar e contra a terra
a sua boca inumerável.

Escuta como o vento
me chama galopando
para levar-me para longe.

Com tua fronte na minha
e na minha a tua boca,
atados os nossos corpos
ao amor que nos abrasa,
deixa que o vento passe
sem que possa levar-me.

Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e procure
galopando na sombra,
enquanto eu, submerso
sob os teus grandes olhos
por esta noite apenas
descansarei, meu amor.


PABLO NERUDA




terça-feira, 10 de maio de 2011

Edmund Tarbell

" A solidão humana aumentará em proporção

direta ao avanço nas formas de comunicação."


Werner Herzog

Caravaggio

" No coito, o homem se rebaixa ao nível do animal,

não porque tem prazer, mas porque obedece ao instinto

de reprodução. Existe um meio de escapar a esse triste destino.

É a filosofia. Se a maioria dos filósofos era solteira, foi para

testemunhar que o fim último da humanidade não é reproduzir-se.

Nós não somos cães, não somos coelhos.

A filosofia é a afirmação de que existe uma maneira não sexual

de se perpetuar.

As heranças filosóficas dispensam os genes."



Jean-Baptiste Botul / Frédéric Pagès

Atkinson Grimshaw

Eis-me prostado a vossos peses que sendo tantos todo plural é pouco. Deglutindo gratamente vossas fezes vai se tornando são quem era louco. Nem precisa cabeça pois a boca nasce diretamente do pescoço e em vosso esplendor de auriquilate faz sol o que era osso. Genuncircunflexado vos adouro Vos amouro, a vós sonouro Deus da buzina & da morfina que me esvazias enchendo-me de flato e flauta e fanoipéia e fone e feno. Vossa pá lavra o chão de minha carne E planta beterrabos balouçantes de intenso carneiral belibalentes em que disperso espremo e desexprimo o que em mim aspirava a ser eumano Salva, deus compacto cinturão da Terra calça circular unissex, rex do lugarfalar comum. Salve,meio-fim De finrinfinfim Plurimelodia Distriburrida no planeta. Nossa goela sempre sempre sempre escãocarada engole elefantes engole catástrofes tão naturalmente como se. E PEDE MAIS. A carne pisoteada de cavalos reclama pisaduras mais. A vontade sem vontade encrespa-se exige contravontades mais. E se consome no consumo. Senhor dos lares e lupanares Senhor dos projetos e do pré-alfabeto Senhor do ópio E do cor-no-copo Senhor! Senhor! De nosso poema fazei uma dor que nos irmane, Manaus e Birmânia pavão e Pavone pavio e povo pangaré e Pan e Ré Dó Mi Fá Sol- apante salmoura n'alma, cação podrido. Tão naturalmente como se Como ni ou niente. Se estou doente, devo estar doentes. Se estou sozinho devo estar desertos. Se estou alegre deve estar ruidosos. Se estou morrendo, devo estar morrendos? Cumpro. Sou geral. É pouco? Multi versal. É nada? Sou al. Dorme na tumba a cultura oral. Era uma vez a cultura visual. Quando que vem a cultural anal na recompensa aldeia tribal? O meio é a mensagem O meio é a massagem O meio é a mixagem O meio é a micagem A mensagem é o meio de chegar ao Meio. O Meio é o ser Em lugar dos seres, isento de lugar, Dispensando meios de fluorescer. Salve, Meio. Salve, Melo. A massa vos saúda em forma de passa. Não quero calar junto do amigo. Não quero dormir abraçado ao velho amor. Não quero ler a seu lado. Não quero falar a minha palavra a nossa palavra. Não quero assoviar a canção parceria de passarinho/aragem. Quero komunikar em código descodificar recodificar eletronicamente. Se komuniko que amorico me centimultiplico scotch no bico paparico rio rico salpico de prazer meu penico em vosso honor, ó Deus komunikão. Farto de komunikar Na pequenina taba subo ao céu em foguete até a prima solidão levando o som a cor, o pavilhão da komunikânsia interplanetária interpatetal. Convoco os astros para o coquetel os mundos esparsos para a convenção a inocência das galáxias para a notícia a nivola o show de bala o sexpudim o blabladum. E quando não restar O mínimo ponto a ser detectado a ser invadido a ser consumido e todos os seres se atomizarem na supermensagem do supervácuo e todas as coisas se apagarem no circuito global e o Meio deixar de ser Fim e chegar ao fim, Senhor! Senhor! Quem vos salvará de vossa própria, de vossa terríbil estremendona inkomunikhassão?



DRUMMOND

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Jacob Lawrence

A arte de viver não tem história: ela não evolui:
o prazer que cai, cai para sempre, insubstituível.
Outros prazeres vêm, que não substituem nada.
Não há progresso nos prazeres, apenas mutações.



Roland Barthes
" A guerra das ideias é uma invenção grega - uma das
invenções mais importantes de toda a história.
A possibilidade de lutar com as palavras, em vez de
lutar com armas, constitui o fundamento de nossa
civilização.
Basta lembrar que as guerras religiosas foram guerras de
ideias, assim como todas as revoluções.
Embora essas ideias tenham sido mais frequentemente
falsas e perniciosas do que verdadeiras e benéficas,
há sempre uma certa tendência para que algumas das
melhores sobrevivam, desde que encontre
apoio suficientemente poderoso e inteligente."



KARL POPPER

Albert Lebourg

Na rua cheia de sol vago há casas paradas e gente que anda.
Uma tristeza cheia de pavor esfria-me.
Pressinto um acontecimento do lado de lá das frontarias e dos movimentos.

Não, não, isso não!
Tudo menos saber o que é o Mistério!
Superfície do Universo, ó Pálpebras Descidas,
Não vos ergais nunca!
O olhar da Verdade Final não deve poder suportar-se!

Deixai-me viver sem saber nada, e morrer sem ir saber nada!
A razão de haver ser, a razão de haver seres, de haver tudo,
Deve trazer uma loucura maior que os espaços
Entre as almas e entre as estrelas.

Não, não, a verdade não! Deixai-me estas casas e esta gente;
Assim mesmo, sem mais nada, estas casas e esta gente...
Que bafo horrível e frio me toca em olhos fechados?
Não os quero abrir de viver! ó Verdade, esquece-te de mim!

Álvaro de Campos

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Eduardo Schneider

" Vivendo, se aprende; mas o que se aprende,

mais, é só fazer maiores perguntas."



Guimarães Rosa

"Sentado ali, bebendo, considerei a opção do suicídio, mas
me senti estranhamente apaixonado pelo meu corpo, pela
minha vida. Apesar das cicatrizes que marcavam meu corpo
e minha existência, ambos eram propriedades minhas.
Eu podia me levantar agora e sorrir com escárnio para
meu reflexo no espelho da cômoda: se você tem que ir,
que leve ao menos uns oito junto, uns dez, uns vinte...
Era uma noite de dezembro, um sábado. Estava no meu
quarto e tinha bebido muito mais que o de costume,
acendendo um cigarro no outro, pensando nas garotas e
na cidade e nos empregos e nos anos que ainda viriam.
Olhando para o devir, eu gostava muito pouco do que via.
Eu não era um misantropo ou um misógino, mas gostava
de estar sozinho. Era bom estar solitário num lugarzinho,
sentado, fumando e bebendo. Sempre tinha sido uma
boa companhia para mim mesmo."

Alfred Sisley

AOS EMUDECIDOS

Oh, a loucura da cidade grande, quando ao entardecer
Árvores atrofiadas fitam inertes ao longo do muro negro
Que o espírito do mal observa com máscara prateada;
A luz, com açoite magnético, expulsa a noite pétrea.
Oh, o repicar perdido dos sinos da tarde.
A puta, em gélidos calafrios, pare uma criança morta.
A cólera de Deus chicoteia enfurecida a fronte do possesso,
Epidemia purpúrea, fome que despedaça olhos verdes.
Oh, o terrífico riso do ouro.
Mas quieta em caverna escura sangra muda a humanidade,
Constrói de duros metais a cabeça redentora.


GEORG TRAKL

quarta-feira, 4 de maio de 2011

" Flutuamos ao mínimo sopro.

De circunstâncias duvidosas,

fazemos certezas que nos aterrorizam."



SÊNECA

Marina Grigoryan

" Da minha parte, quando me volto mais intimamente para
algo que chamo de "mim mesmo", sempre tropeço em uma
ou outra percepção particular, de calor ou frio, de luz ou sombra,
amor ou ódio, dor ou prazer.
Nunca me encontro sem uma determinada percepção, e
nunca consigo observar outra coisa, além da percepção (...).
A mente é uma espécie de teatro, onde percepções diferentes
aparecem sucessivamente, passam, repassam, deslizam e se
misturam numa infinidade de posturas e situações.
A comparação do teatro não nos deve enganar.
São as percepções sucessivas apenas que constituem a mente."



David Hume

BARULHO




Todo poema é feito de ar
apenas:
a mão do poeta
não rasga a madeira
não fere
o metal
a pedra
não tinge de azul
os dedos
quando escreve manhã
ou brisa
ou blusa
de mulher.
O poema
é sem matéria palpável
tudo
o que há nele
é barulho
quando rumoreja
ao sopro da leitura.

Ferreira Gullar