segunda-feira, 30 de maio de 2011
mundo excogitaram, sempre admirei o dos elefantes,
que têm uma estranha forma de morrer...
Quando um elefante sente que chegou a sua hora afasta-se
da manada, mas não sozinho, escolhe um companheiro
que vá com ele, e partem. Avançam pela savana e seguem
até o moribundo decidir que é ali que ele quer morrer;
então dá algumas voltas, traça um círculo imaginário como
que para geografizar a morte, por assim dizer... e só ele
pode entrar naquele círculo, porque a morte é um assunto
privado... neste instante, o companheiro
o deixa e regressa à manada."
ANTONIO TABUCCHI
Meus sinais são uma capa de chuva e sapatos
[ confortáveis e um cajado arrancado
[ do mato ;
Nenhum amigo fica confortável em minha
[ cadeira,
Não tenho cátedra, igreja, nem filosofia;
Não conduzo ninguém à mesa de jantar ou à
[ biblioteca ou à bolsa de valores,
Mas conduzo a uma colina cada homem e mulher
[ entre vocês,
Minha mão esquerda enlaça sua cintura,
Minha mão direita aponta paisagens de
[ continentes, e a estrada pública.
Nem eu nem ninguém vai percorrer essa estrada
[ pra você,
Você tem que percorrê-la sozinho.
Não é tão longe assim .... está ao seu alcance,
Talvez você tenha andado nela a vida toda e não
[ sabia,
Talvez a estrada esteja em toda parte sobre a
[ água e sobre a terra.
Pegue sua bagagem, eu pego a minha, vamos em
[ frente;
Toparemos com cidades maravilhosas e nações
[ livres no caminho.
Se você se cansar, entrega os fardos, descansa a
[ mão macia em meu quadril,
E quando for a hora você fará o mesmo por mim;
Pois depois de partir não vamos mais parar.
WALT WHITMAN
domingo, 29 de maio de 2011
Com receio de sofrer, mulheres fazem ligadura no coração.
Ambos tornam-se indiferentes e descrentes.
Ambos sacrificam a fertilidade, o inesperado, o porvir.
São enterrados de pé. Viver não é racionar o que se conhece.
O que se conhece é insuficiente.
Os riscos fazem parte da euforia.
Como a dor, a alegria também pode ser insuportável.
Por receio da alegria, sofremos."
FABRÍCIO CARPINEJAR
que o homem é triste, tosse e, sem embargo,
se alegra em seu peito colorido;
que a única coisa que faz é compor-se
de dias;
que é lôbrego mamífero e se penteia...
Considerando
que o homem procede suavemente do trabalho
e ressoa chefe e soa subordinado;
que o diagrama do tempo
é constante diorama em suas medalhas
e, semi-abertos, seus olhos estudaram,
desde distantes tempos,
sua fórmula famélica de massa...
Compreendo sem esforço
que o homem fica, às vezes, pensando,
como querendo chorar,
e, sujeito a estender-se como objeto,
se torna bom carpinteiro, sua, mata
e depois canta, almoça, se abotoa...
Examinando, enfim,
suas contraditórias peças, sua latrina,
seu desespero, ao terminar o dia atroz, apagando-o...
Considerando também
que o homem é na verdade um animal
e, não obstante, ao voltear, me dá com sua tristeza na cabeça...
Compreendendo
que ele sabe que o quero,
que o odeio com afeto e me é, em suma, indiferente...
Considerando seus documentos gerais
e examinando com lentes aquele certificado
que prova que nasceu muito pequenino...
faço-lhe um sinal,
vem,
e lhe dou um abraço, emocionado.
Tanto faz! Emocionado... Emocionado...
César Vallejo
quinta-feira, 26 de maio de 2011
O que há de mais belo no jardim é a cooperação entre
natureza e cultura. O jardim se situa onde as duas
cooperam em vez dde se entredestruírem.
É na escala da biosfera que as forças conscientes humanas
e as forças inconscientes da natureza deveriam cooperar.
Civilizar a Terra, fazer dela um jardim é uma tarefa gigantesca.
Não nos encontramos senão nas preliminares.
Ainda não temos sequer a consciência dessa pátria terrestre.
Tentemos cultivar nosso jardim."
EDGAR MORIN
Em nome do teu nome,
Que é viril,
E leal,
E limpo, na concisa brevidade
Homem, lembra-te bem!
Sê viril,
E leal,
E limpo, na concisa condição.
Traz à compreensão
Todos os sentimentos recalcados
De que te sentes dono envergonhado;
Leva, dourado,
O sol da consciência
As íntimas funduras do teu ser,
Onde moram
Esses monstros que temes enfrentar.
Os leões da caverna só devoram
Quem os ouve rugir e se recusa a entrar,
MIGUEL TORGA
segunda-feira, 23 de maio de 2011
mas o que é perigosíssimo é parecer não ter
falhas ou fraquezas.
A inveja cria inimigos silenciosos.
É sinal de astúcia exibir ocasionalmente alguns
defeitos, para desviar a inveja e parecer mais
humano e acessível.
Só os deuses e os mortos podem parecer
perfeitos impunemente."
Baltasar Gracián
Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer,
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar
Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.
E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito
E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...
Vinicius de Moraes
sábado, 21 de maio de 2011
conhecimento sem perder alguma ilusão prazerosa,
e nosso conhecimento se dá quase sempre à custa de
nossos prazeres. Mas se tal esclarecimento reduz
nossos prazeres, ele deleita nossa vaidade e nos
leva a encarar nossa sofisticação como
se fosse uma virtude."
D'Alembert
agitação do cérebro a que chamamos pensamento,
para que precisemos fazer dela o
modelo para todo o universo?
Nossa parcialidade em prol de nós mesmos se faz
presente em todas as ocasiões.
Só nos é conhecida - e muito imperfeitamente - uma
parte ínfima do universo, e por um intervalo muito
curto de tempo.
Como então fazer uma declaração conclusiva
acerca da origem de sua totalidade?"
David Hume
as impressões que nos ameaçam, e revelar o vazio
que se descobre na ausência um do outro: nada,
porém, é tão inquietante como a dúvida,
o não saber de ti, ouvir o desânimo na tua voz,
agora que a tarde começa a descer e, com ela,
todas as sombras da alma. É verdade que o amor não é
apenas um registo de memórias. É no presente
que temos de o encontrar: aí, onde a tua imagem
se tornou mais real do que tu própria,
mesmo que nada te substitua. Então, é
porque as palavras são supérfluas; mas como viver
sem elas? Como encontrar outra forma de te dizer
que o amor é esta coisa tão estranha, dar o que nunca
se poderá ter, e ter o que está condenado
a perder-se? A não ser que guardemos dentro de nós,
num canto de um e outro a que só nós chegamos,
sabendo que esse pouco que nos pertence é
tudo o que cabe neste sentimento.
Nuno Júdice
segunda-feira, 16 de maio de 2011
Bernard Williams
Lygia Fagundes Telles.
Nele mora o Tempo. O Tempo não pode viver sem
nós, para não parar.
E todas as manhãs nos chama freneticamente como
um velho paralítico a tocar a campanhinha atroz.
Nós
é que vamos empurrando, dia a dia, sua cadeira de
rodas.
Nós, os seus escravos.
Só os poetas
os amantes
os bêbados
podem fugir
por instantes
ao Velho...Mas que raiva dá no Velho quando
encontra crianças a brincar de roda
e não há outro jeito senão desviar delas a sua
cadeira de rodas!
Porque elas, simplesmente, o ignoram...
Mario Quintana
quarta-feira, 11 de maio de 2011
dedicado à eterna e incessante "construção" de uma estrada -
não importa para onde ela vá.
Mas como explicar que ele seja tão apaixonadamente
propenso à destruição e ao caos?
Não será pelo seu medo instintivo de alcançar o objetivo e
completar a obra em construção?
Talvez esteja mais interessado em perseguir um objetivo do
que no objetivo em si. Talvez seu único propósito neste
mundo consista no processo contínuo de perseguir um
objetivo ou, em outras palavras, de viver, e não
propriamente no objetivo, que, é claro, tem de ser algo como
duas vezes dois são quatro, ou seja, uma fórmula,
algo que afinal, não é a vida, mas o princípio da morte."
Dostoiévski - Notas do Subterrâneo
ouve como ele corre
pelo mar, pelo céu.
Quer levar-me: escuta
como percorre o mundo
para levar-me para longe.
Esconde-me em teus braços
por esta noite apenas,
enquanto a chuva abre
contra o mar e contra a terra
a sua boca inumerável.
Escuta como o vento
me chama galopando
para levar-me para longe.
Com tua fronte na minha
e na minha a tua boca,
atados os nossos corpos
ao amor que nos abrasa,
deixa que o vento passe
sem que possa levar-me.
Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e procure
galopando na sombra,
enquanto eu, submerso
sob os teus grandes olhos
por esta noite apenas
descansarei, meu amor.
PABLO NERUDA
terça-feira, 10 de maio de 2011
não porque tem prazer, mas porque obedece ao instinto
de reprodução. Existe um meio de escapar a esse triste destino.
É a filosofia. Se a maioria dos filósofos era solteira, foi para
testemunhar que o fim último da humanidade não é reproduzir-se.
Nós não somos cães, não somos coelhos.
A filosofia é a afirmação de que existe uma maneira não sexual
de se perpetuar.
As heranças filosóficas dispensam os genes."
Jean-Baptiste Botul / Frédéric Pagès
DRUMMOND
segunda-feira, 9 de maio de 2011
invenções mais importantes de toda a história.
A possibilidade de lutar com as palavras, em vez de
lutar com armas, constitui o fundamento de nossa
civilização.
Basta lembrar que as guerras religiosas foram guerras de
ideias, assim como todas as revoluções.
Embora essas ideias tenham sido mais frequentemente
falsas e perniciosas do que verdadeiras e benéficas,
há sempre uma certa tendência para que algumas das
melhores sobrevivam, desde que encontre
apoio suficientemente poderoso e inteligente."
KARL POPPER
Uma tristeza cheia de pavor esfria-me.
Pressinto um acontecimento do lado de lá das frontarias e dos movimentos.
Não, não, isso não!
Tudo menos saber o que é o Mistério!
Superfície do Universo, ó Pálpebras Descidas,
Não vos ergais nunca!
O olhar da Verdade Final não deve poder suportar-se!
Deixai-me viver sem saber nada, e morrer sem ir saber nada!
A razão de haver ser, a razão de haver seres, de haver tudo,
Deve trazer uma loucura maior que os espaços
Entre as almas e entre as estrelas.
Não, não, a verdade não! Deixai-me estas casas e esta gente;
Assim mesmo, sem mais nada, estas casas e esta gente...
Que bafo horrível e frio me toca em olhos fechados?
Não os quero abrir de viver! ó Verdade, esquece-te de mim!
Álvaro de Campos
quinta-feira, 5 de maio de 2011
me senti estranhamente apaixonado pelo meu corpo, pela
minha vida. Apesar das cicatrizes que marcavam meu corpo
e minha existência, ambos eram propriedades minhas.
Eu podia me levantar agora e sorrir com escárnio para
meu reflexo no espelho da cômoda: se você tem que ir,
que leve ao menos uns oito junto, uns dez, uns vinte...
Era uma noite de dezembro, um sábado. Estava no meu
quarto e tinha bebido muito mais que o de costume,
acendendo um cigarro no outro, pensando nas garotas e
na cidade e nos empregos e nos anos que ainda viriam.
Olhando para o devir, eu gostava muito pouco do que via.
Eu não era um misantropo ou um misógino, mas gostava
de estar sozinho. Era bom estar solitário num lugarzinho,
sentado, fumando e bebendo. Sempre tinha sido uma
boa companhia para mim mesmo."
Oh, a loucura da cidade grande, quando ao entardecer
Árvores atrofiadas fitam inertes ao longo do muro negro
Que o espírito do mal observa com máscara prateada;
A luz, com açoite magnético, expulsa a noite pétrea.
Oh, o repicar perdido dos sinos da tarde.
A puta, em gélidos calafrios, pare uma criança morta.
A cólera de Deus chicoteia enfurecida a fronte do possesso,
Epidemia purpúrea, fome que despedaça olhos verdes.
Oh, o terrífico riso do ouro.
Mas quieta em caverna escura sangra muda a humanidade,
Constrói de duros metais a cabeça redentora.
GEORG TRAKL
quarta-feira, 4 de maio de 2011
algo que chamo de "mim mesmo", sempre tropeço em uma
ou outra percepção particular, de calor ou frio, de luz ou sombra,
amor ou ódio, dor ou prazer.
Nunca me encontro sem uma determinada percepção, e
nunca consigo observar outra coisa, além da percepção (...).
A mente é uma espécie de teatro, onde percepções diferentes
aparecem sucessivamente, passam, repassam, deslizam e se
misturam numa infinidade de posturas e situações.
A comparação do teatro não nos deve enganar.
São as percepções sucessivas apenas que constituem a mente."
David Hume