quarta-feira, 27 de julho de 2011
da qual a arte, em seu apogeu, não é mais do
que a expressão.
A sabedoria compreende tudo, o belo, o verdadeiro,
o bem e, por conseguinte, o entusiasmo.
Ela nos ensina a ver, fora de nós, algo mais elevado
do que o que há em nós mesmos, e ensina ainda a
assimilar esse algo, pouco a pouco,
mediante a contemplação e a admiração".
GEOREGE SAND
e temo, e espero, e ardo em fogo, e sou de gelo,
e quero subir ao céu e caio em terra,
e nada abraço e o universo ando a contê-lo.
Tal é minha prisão, que não se abre, e não se encerra:
prende-me o coração, mas sem prendê-lo,
não me dá vida ou morte, Amor, e erra
minha alma sob o enorme pesadelo.
Odeio-me a mim mesmo, alguém amando,
grito sem boca ter, sem olhos vejo,
e quero morrer, e a morte me apavora.
Nutrindo-me da dor, chorando eu rio:
igualmente não me importam a morte e vida:
eis o estado em que me encontro, Senhora, por vós.
FRANCESCO PETRARCA
domingo, 24 de julho de 2011
perceber que os belos vocábulos serviam não
para designar fatos, mas para camuflar
sua ausência, e que os indivíduos que supostamente
deveríamos admirar eram ditadores
com sangue nas mãos.
Nunca dispus de um absoluto divino
e perdi a fé no absoluto terrestre coletivo."
TZVETAN TODOROV
pelo avesso. O que não tive
pertence à dor do meu canto.
A estrela que mais amei
acende o meu desencanto.
Vinagre? Sombra de vinho?
De noite, a vida engoliu
(é doce a boca da noite)
as dores do meu caminho.
O meu voo se apazigua
quando a tormenta me abraça.
O que tenho se enriquece
de tudo que não retive.
Diamante? Flor de carvão.
Thiago de Mello
terça-feira, 19 de julho de 2011
individual e, pelo antagonismo entre ambos,
pode-se explicar o transcurso da história da humanidade.
Há algo que obriga os homens a se transformarem em massa.
Não é menos evidente que a massa se desfaz em
indivíduos, e que estes queiram voltar a ser massa.
Eu não tenho qualquer dúvida das tendências
de se tornar massa, e de voltar à individualidade."
ELIAS CANETTI
Nosso corpo é nosso jardim e nossa vontade é o jardineiro...
Se a balança da vida não tivesse o prato da razão
como contrapeso para o da sensualidade,
nosso temperamento e a baixeza de nossos
instintos nos levariam às mais desastrosas
consequências.
Mas nós temos a razão, para arrefecer nossas
paixões furiosas, nossos impulsos carnais,
nossos desejos desenfreados."
( fala do personagem Iago - em OTELO, de Shakespeare)
domingo, 17 de julho de 2011
sagrado em sua vida profana, a postular a existência de uma
entidade que os transcende.
Depois de ter por muito tempo procurado o céu, os homens
quiseram fazer com que o ideal descesse para a Terra
- se é necessário se sacrificar, que não seja mais por Deus,
mas pelos corpos coletivos, puramente humanos,
que são a pátria ou o povo, a classe ou a raça.
Grande número de pessoas encontraram esse ideal
transcendente na Revolução, crendo ser possível transformar
a ordem social para proporcionar a felicidade à humanidade.
Alguns seres de exceção, com talento e vocação com as palavras,
encontram o absoluto na criação poética.
TZVETAN TODOROV
entra na casa.
Consente na doçura, tem dó
da matéria dos sonhos e das aves.
Invoca o fogo, a claridade, a música
dos flancos.
Não digas pedra, diz janela.
Não sejas como a sombra.
Diz homem, diz criança, diz estrela,
Repete as sílabas
onde a luz é feliz e se demora.
Volta a dizer: homem, mulher, criança.
Onde a beleza é mais nova.
Eugénio de Andrade
quinta-feira, 14 de julho de 2011
Tende a decifrar a língua, seus signos, seus discursos,
e a nos tornar assim, menos surdos, menos cegos àquilo
que tentam nos dissimular.
E tende a dilatar nosso espaço.
A exercer, afinar, moldar o pensamento,
que é o único a permitir a crítica,
a lucidez, essas armas tão essenciais."
VIVIANE FORRESTER
A ILHA DE CIPANGO
(...)
Foi sobre essa ilha que extingui meu sonho!
Lembro-me bem. Nesse maldito dia
O gênio singular da Fantasia
Convidou-me a sorrir para um passeio...
Iríamos a um país de eternas pazes
Onde em cada deserto há mil oásis
E em cada rocha um cristalino veio.
Gozei numa hora séculos de afagos,
Banhei-me na água de risonhos lagos,
E finalmente me cobri de flores...
(...)AUGUSTO DOS ANJOS
terça-feira, 12 de julho de 2011
Primeiro nos submetemos às decisões dos adultos que nos
cercam, depois sofremos as pressões exercidas por nossos
amigos, em seguida nos conformamos com modelos de
comportamento fornecidos pela sociedade, nos curvamos às
exigências do mundo do trabalho. Porém, sem nem sempre
ter consciência disso, nem também formulá-lo para si com
tantas palavras, cada um de nós é animado por um projeto
de vida, possuindo em nosso interior uma configuração
ideal que nos guia a partir da qual julgamos
nossa existência em dado momento."
TZVETAN TODOROV
A CARTA
Assim não se esperam cartas.
Assim se espera - a carta.
Pedaço de papel
Com uma borda
De cola. Dentro - uma palavra
Apenas. Isto é tudo.
Assim não se espera o bem.
Assim se espera - o fim:
Salva de soldados,
No peito - três quartos
De chumbo. Céu vermelho.
E só. Isto é tudo.
Felicidade? E a idade?
A flor - floriu.
Quadrado do pátio:
Bocas de fuzil.
(Quadrado da carta:
Tinta, tanto!)
Para o sono da morte
Viver é bastante.
Quadrado da carta.
MARINA TSVETAEVA
terça-feira, 5 de julho de 2011
A Mentira é a recriação de uma Verdade. O mentiroso cria ou recria.
Ou recreia. A fronteira entre estas duas palavras é tênue e delicada.
Mas as fronteiras entre as palavras são todas tênues e delicadas.
Entre a recriação e o recreio assenta todo o jogo. O que não quer dizer
que o jogo resulta sempre. Resulte seja o que for ou do que for.
A Ambiguidade é a Arte do Suspenso. Tudo o que está suspenso suspende
ou equilibra. Ou instabiliza. Mas tudo é instável ou está suspenso.
Pelo menos ainda.
Ainda é uma questão de tempo. Tudo depende da noção de tempo ou
duração ou extensão. A aceleração do tempo pode traduzir-se pela
imobilidade pois que a imobilidade pode traduzir-se por um máximo de
aceleração ou um mínimo de extensão: aceleração tão grande que já não
se veja o movimento ou o espaço ou a duração.
Tudo está sempre a destruir tudo. Ou qualquer coisa. Ou alguém.
Mas estamos sempre a destruir tudo ou qualquer coisa. Ou alguém.
Os construtores demolem. No lugar onde estava o sopro, pomos pedras
ou palavras: sinônimo de construção. Ou destruição. Ou ação.
Ana Hatherly
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
Fernando Pessoa
domingo, 3 de julho de 2011
acabo de ser culpado de tudo
esperanças, cheguei
tarde demais como uma lágrima
de tanto fazer tudo
parecer perfeito
você pode ficar louco
ou para todos os efeitos
suspeito
de ser verbo sem sujeito
pense um pouco
beba bastante
depois me conte direito
que aconteça o contrário
custe o que custar
deseja
quem quer que seja
tem calendário de tristezas
celebrar
tanto evitar o inevitável
in vino veritas
me parece
verdade
o pau na vida
o vinagre
vinho suave
pense e te pareça
senão eu te invento por toda a eternidade
Paulo Leminski