quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Raoul Dufy

Lógica é um método sistemático de chegar à

conclusão errada com confiança.


ARTHUR BLOCH

William Glackens

A dialética dos sentimentos tem suas sutilezas.
Não basta ser feliz, é preciso que isso também lhe
dê prazer. Não basta ser infeliz, é preciso que isso
também faça mal. Sem a aura do prazer, a felicidade
é muito triste. Mas sem a aura do sofrimento, a
infelicidade é muito triste, ela também. Há sempre
um deslocamento do prazer e do desprazer no fato
de se ser feliz ou infeliz. Os discursos hipócritas que
opõem felicidade e infelicidade desconhecem esta
sutileza que as reúne, esta reversibilidade de uma e
outra que faz, no fundo, nossa única felicidade. Temos
ainda a liberdade de usar e abusar da felicidade de
maneira extravagante, e só o que nos tira essa
liberdade nos faz seres verdadeiramente infelizes.
JEAN BAUDRILLARD

Childe Hassan

A ventania que alçou o amargo aroma
do mar às espirais dos vales,
e te assaltou, desgrenhou teu cabelo,
novelo breve contra o pálido céu;

a rajada que colou teu vestido
e rápida te modulou à sua imagem,
como voltou, tu longe, a estas pedras
que o monte estende sobre o abismo;

e como passada a embriagada fúria
retoma agora ao jardim o hálito submisso
que te ninou, estirada na rede,
entre as árvores, nos teus vôos sem asas.

Ai de mim! O tempo nunca arranja duas vezes
de igual maneira suas contas! E é esta a
nossa sorte: de outra maneira, como na natureza,
nossa história se abrasaria num relâmpago.

Surto sem igual, - e que agora traz vida
a um povoado que exposto
ao olhar na encosta de um morro
se paramenta de galas e bandeiras.

O mundo existe... Um espanto pára
o coração que sucumbe aos espíritos errantes,
mensageiros da noite: e não pode acreditar
que homens famintos possam ter sua festa.



EUGENIO MONTALE

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Não há melhor túmulo para dor do que uma taça

cheia de vinho ou uns olhos negros cheios de lânguidez.

Álvares de Azevedo

Max Pechstein

Caminhamos ao encontro do amor e do desejo.

Não buscamos lições, nem a amarga filosofia que

se exige da grandeza. Além do sol, dos beijos e

dos perfumes selvagens, tudo o mais nos parece

fútil. Quando a mim, não procuro estar sozinho

nesse lugar. Muitas vezes estive aqui com aqueles

que amava, e discernia em seus traços o claro

sorriso que neles tomava a face do amor.

Deixo a outros a ordem e a medida.

Domina-me por completo a grande libertinagem

da natureza e do mar.


Albert Camus



Luigi Chialiva

ADOLESCÊNCIA


Na sacada,
um instante
ficamos
os dois sós.

Desde a doce manhã
daquele dia, éramos noivos.

A paisagem sonolenta
dormia seus incertos tons,
sob o céu cinza e rosa
do crepúsculo de outono.

Disse-lhe que ia beijá-la;
baixou, serena, os olhos
e me ofereceu suas bochechas,
como quem perde um tesouro.

Caíam as folhas mortas,
no jardim silencioso,
e no ar errava ainda
um perfume de heliotrópios.

Não se atrevia a olhar-me;
disse-lhe que éramos noivos,
...e as lágrimas rodaram
de seus olhos melancólicos.

Juan Ramón Jimenez - Primeras Poesías

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Leonor Fini

Filosofia trabalha com ideias, conceitos, logo,

filosofia é análise conceitual.

PETER STRAWSON

Jules Pascin

O que a experiência nos dá não são princípios

eternos, definitivos, mas uma coleção de contextos

mentais sutilmente associados. Esses conteúdos

da experiência, trabalhados pela nossa consciência,

vão se alterando à medida que nós próprios

mudamos. Nós mudamos nossas percepções e

elas nos mudam. Imaginação e memória são

responsáveis pelo desenho permanente de nossas

ideias. A verdadeira função das experiências que

se sucedem deveria portanto, nos manter em

estado de atenção, numa consciente e

interessada observação do que se vive.

Lu

Atkinson Grimshaw

Dorme, ruazinha... E tudo escuro...
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme o teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranqüilos

Dorme... Não há ladrões, eu te asseguro...
Nem guardas para acaso persegui-los...
Na noite alta, como sobre um muro,
As estrelinhas cantam como grilos...

O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão...
Dorme, ruazinha... Não há nada...

Só os meus passos... Mas tão leves são
Que até parecem, pela madrugada,
Os da minha futura assombração...



Mário Quintana

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Charles Camoin

Não há nada insignificante no mundo.

Tudo depende da maneira de olhar as coisas.



GOETHE

Bouguereau

... a vida não deixa nada em seu lugar... como viver
sem contradição? O mesmo posso pensar dos amores...
Amor, como uma biblioteca, não é posse, mas é
despertence. Quanto mais leio mais perco as certezas
do começo. Quanto mais amo mais corro ao final...
Um livro não dirá onde estamos, uma paixão não
consola; ambos apontarão para onde, podemos ir
dentro do corpo... Amor á naufrágio, nem todos
encontram madeira boiando para voltar a si...
O amor não está em uma instituição, mas na
capacidade de suplantá-la. Amor não se mede, se
confunde... Amor ama para que? Para não avaliar o
amor. Não conseguir acompanhá-lo é quando ele
vai bem... O mistério é não entendê-lo a ponto de
preveni-lo. Prevenir o amor é matar a capacidade
de aprender com as suas consequências.
FABRÍCIO CARPINEJAR

Bastien Lepage

O vento é um cavalo:
ouve como ele corre
pelo mar, pelo céu.

Quer levar-me: escuta
como percorre o mundo
para levar-me para longe.

Esconde-me em teus braços
por esta noite apenas,
enquanto a chuva abre
contra o mar e contra a terra
a sua boca inumerável.

Escuta como o vento
me chama galopando
para levar-me para longe.

Com tua fronte na minha
e na minha a tua boca,
atados os nossos corpos
ao amor que nos abrasa,
deixa que o vento passe
sem que possa levar-me.

Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e procure
galopando na sombra,
enquanto eu, submerso
sob os teus grandes olhos
por esta noite apenas
descansarei, meu amor.



PABLO NERUDA

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Henri Lebasque

Eu quase nada sei, mas desconfio de muita coisa.



GUIMARÃES ROSA

Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
o dia, porque és ele.

RICARDO REIS

Giovanni Segantini

...se não nos inteiramos de que a democracia pertence
ao desejo e não à razão, não seremos capazes de viver
em democracia,
porque
lutaremos para impor a verdade. A democracia é uma
conspiração social
para uma convivência na qual a pobreza, o abuso e a
exploração são erros
a serem corrigidos porque se tem o desejo de fazê-lo.
Além disso, o viver na democracia exige aceitar que o
projeto de uma ordem social não é pertinente, porque
ela é, de fato, uma conspiração fundada num desejo de
convivência. Ao pretender elaborar um projeto de uma
ordem social abrimos espaço para a tirania, porque nos
erigimos como sabedores do dever social e exigimos
que os outros sejam de uma certa maneira que
consideramos apropriada...a conspiração democrática
é um convite criativo, não uma restrição autoritária.



HUMBERTO MATURANA

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Burne Jones

…duas pessoas fizeram-me a mesma pergunta;
a pergunta é:
“Para que serve a poesia?”
E eu disse-lhes:
“Bom, para que serve a morte?
Para que serve o sabor do café?
Para que serve o universo?
Para que é que eu sirvo?
Para que é que servimos?”
Que coisa mais estranha perguntar-se isso, não é?



Jorge Luis Borges

Alma Tadema

Ler corretamente é correr grandes riscos.
É tornar vulnerável nossa identidade, nosso autodomínio.
Na primeira fase da epilepsia, ocorre um sonho característico
(Dostoievski nos fala sobre isso).
De algum modo a pessoa se desprende de seu próprio corpo;
ao olhar para trás, vê-se a si mesma e sente um súbito medo
alucinante; uma outra presença está entrando em seu próprio
ser, e não há caminho de volta.
Sentindo esse medo, a mente busca um abrupto despertar.
Assim deveria ser quando temos nas mãos uma importante obra
literária ou filosófica, ficcional ou doutrinária.
Pode vir a nos possuir tão completamente que, por um momento,
permanecemos com medo de nós mesmos e em estado de
imperfeito reconhecimento.
Quem leu A Metamorfose de Kafka e consegue se olhar no
espelho sem se abalar, talvez seja capaz, do ponto de vista
técnico, de ler a palavra impressa, mas é analfabeto no
único sentido que importa.








George Steiner - Linguagem e Silêncio

Alfred Sisley

Maravilha! Voará ainda?
Sobe e suas asas imóveis?!
Quem o leva e fez subir?
Quem fim, caminho ou rédea?
Como a estrela e a eternidade,
vive nas alturas, donde se afasta a vida,
Compassivo mesmo para a inveja,
Subiu muito quem o vê planar!
Albatroz! Minha ave!
Desejo eterno me impede impele às alturas.
Pensei em ti e chorei,
sim, eu te amo!
Friedrich Wilhelm Nietzsche

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Jean Leon Gerome

A beleza não é somente simetria, mas é a
própria aparência que repousa sobre ela.
Ela tem o modo do 'aparecer'.
Mas aparecer significa aparecer em algo e,
assim, alcançar o parecimento, por si mesmo,
naquilo que recebe sua aparência.
A beleza tem o modo de ser da luz.


Hans-Georg Gadamer - Verdade e Método.

Henri Matisse

O sábio, que renunciou ao sentido e ao eu, ama o real,
aceita-o e contenta-se com ele. Libertado de si, curado
do medo e da esperança, despreocupado com os signos
e o sentido, só habita o tempo na paz aqui, agora e
sempre, da presença. Não aguarda nada, mas é atento.
Não busca nada, mas é disponível. Não espera nada,
mas ama. Todos os sábios disseram, em todas as línguas:
"Infinite love, infinite patience". Sabedoria, não de
recolhimento, mas de acolhida. O sábio tem o tempo
(já que não aguarda nada) e todo o tempo
(já que não há outro). Paciência, não da espera, mas da
vida, não para o futuro, mas para o presente.
Os ocupados se precipitam para o que lhes falta, ou
aguardam (pacientemente, dizem eles!) que lhes caia
dos céus. O sábio faz, tranqüilamente, o que tem a fazer.
Não aguarda nada, e é por isso que não tem impaciência.
Nada lhe falta, e é por isso que não se precipita.
Lentidão do tempo, lentidão da presença...
Todos os dias são hoje, é "o oitavo dia da semana, que
não começa e não se esgota em nenhum tempo",
e essa presença é exatamente aquilo a que o sábio está
presente. Ele ainda vive no tempo? Claro, mas na verdade
do tempo. Presente ao presente da presença, ele é aqui
e agora, contemporâneo do eterno.


André Comté-Sponville

Georges Braque

MARINHO


Aquele pássaro que voa por primeira vez

Se afasta do ninho olhando para trás

Com o dedo nos lábios

eu os chamei

Eu inventei jogos de água

Na copa das árvores

Fiz de ti a mais bela das mulheres

Tão bela que enrubesces nas tardes

A lua se afasta de nós

E lança uma coroa sobre o pólo

Fiz correr rios

que nunca existiram

Com um grito elevei uma montanha

E arredor bailamos uma nova dança

Cortei todas as rosas

Das nuvens do leste

E ensinei um pássaro de neve a cantar

Marchemos pelos meses desatados

Sou o velho marinheiro

que costura os horizontes cortados

VICENTE HUIDOBRO - poeta chileno

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Wassily Kandinsky

A renúncia à individualidade que se amolda à regularidade rotineira

daquilo que tem sucesso, bem como o fazer o que todos fazem,

seguem-se do fato básico de que a produção padronizada dos

bens de consumo oferece praticamente os mesmos

produtos a todo cidadão.




Theodor W. ADORNO

Edmund Tarbell

O que sabemos de nós próprios, o que a nossa

memória reteve,

é menos decisivo do que se pensa para a

felicidade da nossa vida.

Chega um dia em que surge nela aquilo que,

sabem os outros (ou julgam saber),

de nós: damo-nos conta de que a sua opinião

é mais poderosa.

Arranjamo-nos melhor com a má consciência

do que com a má reputação.

FRIEDRICH NIETZSCHE

Caillebotte

Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.



Álvaro de Campos