" O Universo é uma Biblioteca e o homem, o bibliotecário imperfeito, pode ser a
obra do acaso ou de demiurgos malévolos (...) Não me parece inverossímil que em alguma
prateleira de Universo haja o livro total; rogo aos deuses ignorados que um homem - um
só -, ainda que seja há 1000 anos! - o tenha examinado e lido. Se a honra, a sabedoria e
a felicidade não são para mim, que sejam para os outros. Que o céu exista, embora o meu
lugar seja o inferno. Que eu seja ultrajado e aniquilado, mas que num instante, num ser,
Tua enorme Biblioteca se justifique. (...) Ninguém pode articular uma sílaba que não
esteja cheia de ternuras e temores; que não seja em alguma dessas linguagens o nome
poderoso de um deus. Falar é incorrer em tautologias. A certeza de que tudo está
escrito nos anula ou faz de nós fantasmas.
Talvez a velhice e o medo me enganem, mas suspeito que a espécie humana - a única -
está em vias de extinção e que a Biblioteca perdurará, perfeitamente imóvel, armada
de volumes preciosos, inúteis, incorruptíveis, secreta.
Acabo de escrever "infinita". Não introduzi esse adjetivo por um hábito retórico; digo
que não é ilógico pensar que o mundo é infinito. Os que o julgam limitado postulam
que em lugares remotos " a configuração do Universo" pode cessar - o que é absurdo.
Os que o imaginam sem limites esquecem que não é ilimitado o número possível de
livros. Eu me atrevo a insinuar esta solução do antigo problema: " A Biblioteca é
ilimitada e periódica". Se um viajante eterno a atravesasse em qualquer direção,
comprovaria ao cabo do séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma
desordem ( que, repetida, seria uma ordem : a Ordem).
Minha solidão se alegra com essa elegante esperança."
FICÇÕES - JORGE LUIS BORGES
Enquanto o caos segue em frente
Há 8 anos
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