sexta-feira, 30 de setembro de 2011

" O Universo é uma Biblioteca e o homem, o bibliotecário imperfeito, pode ser a

obra do acaso ou de demiurgos malévolos (...) Não me parece inverossímil que em alguma

prateleira de Universo haja o livro total; rogo aos deuses ignorados que um homem - um

só -, ainda que seja há 1000 anos! - o tenha examinado e lido. Se a honra, a sabedoria e

a felicidade não são para mim, que sejam para os outros. Que o céu exista, embora o meu

lugar seja o inferno. Que eu seja ultrajado e aniquilado, mas que num instante, num ser,

Tua enorme Biblioteca se justifique. (...) Ninguém pode articular uma sílaba que não

esteja cheia de ternuras e temores; que não seja em alguma dessas linguagens o nome

poderoso de um deus. Falar é incorrer em tautologias. A certeza de que tudo está

escrito nos anula ou faz de nós fantasmas.

Talvez a velhice e o medo me enganem, mas suspeito que a espécie humana - a única -

está em vias de extinção e que a Biblioteca perdurará, perfeitamente imóvel, armada

de volumes preciosos, inúteis, incorruptíveis, secreta.

Acabo de escrever "infinita". Não introduzi esse adjetivo por um hábito retórico; digo

que não é ilógico pensar que o mundo é infinito. Os que o julgam limitado postulam

que em lugares remotos " a configuração do Universo" pode cessar - o que é absurdo.

Os que o imaginam sem limites esquecem que não é ilimitado o número possível de

livros. Eu me atrevo a insinuar esta solução do antigo problema: " A Biblioteca é

ilimitada e periódica". Se um viajante eterno a atravesasse em qualquer direção,

comprovaria ao cabo do séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma

desordem ( que, repetida, seria uma ordem : a Ordem).

Minha solidão se alegra com essa elegante esperança."



FICÇÕES - JORGE LUIS BORGES




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