quinta-feira, 29 de março de 2012

Egon Schiele

O maior desejo de cada um seria apresentar-se a si próprio
como fim último da existência e
como soberano legítimo de todos os outros.


NIETZSCHE

" O mundo profano é o círculo das atitudes utilitárias.
Num mundo utilitário não existe coisa alguma permanente.
Tudo se torna descartável. O critério da utilidade retira
das coisas e das pessoas todo valor que elas possam ter,
em si mesmas, e só leva em consideração se elas podem
ser usadas ou não. No círculo sagrado tudo se transforma...
o homem se descobre totalmente dependente de algo que
lhe é superior. Sente-se ligado às coisas sagradas por
laços de profunda reverência e respeito.
O sagrado lhe é superior, objeto de adoração.
O sagrado é o criado, a origem da vida, a fonte da força.
O homem é a criatura."


RUBEM ALVES

Santiago Rusiñol

Gosto das
mulheres que envelhecem,
com a pressa das suas rugas, os cabelos
caídos pelos ombros negros do vestido,
o olhar que se perde na tristeza
dos reposteiros. Essas mulheres sentam-se
nos cantos das salas, olham para fora,
para o átrio que não vejo, de onde estou,
embora adivinhe aí a presença de
outras mulheres, sentadas em bancos
de madeira, folheando revistas
baratas. As mulheres que envelhecem
sentem que as olho, que admiro os seus gestos
lentos, que amo o trabalho subterrâneo
do tempo nos seus seios. Por isso esperam
que o dia corra nesta sala sem luz,
evitam sair para a rua, e dizem baixo,
por vezes, essa elegia que só os seus lábios
podem cantar.




Nuno Júdice

quarta-feira, 28 de março de 2012

Picasso

" O corpo é uma grande razão, uma multiplicidade com um único sentido, uma guerra e uma paz. Instrumento de teu corpo é, também, a tua pequena razão, meu irmão, à qual chamas "espírito" - pequeno instrumento e brinquedo da tua grande razão."


NIETZSCHE
Em geral, o direito é tão estúpido quanto os imperativos que estabelece. Mas o pior é quando legaliza situações que são legais por si só:

o direito à água, direito ao ar, direito ao desejo, direito à paternidade.

O que quer dizer, aliás, do "direito à vida"? Se é que ele expressa o que quer dizer, significa que a vida perdeu realmente sua evidência.

O direito acaba agindo como invocação desesperada das qualidades perdidas. É assim que se verá, provavelmente logo, surgir face à extensão da estupidez, um " direito à inteligência".


JEAN BAUDRILLARD
Ainda serei eterno.
Não sei quando.
Sei que a sombra se alonga
e eu me alongo,
bólide na erva.

Ainda serei eterno.

Tenho ânsias cativas
no caderno. Cortejo
de símbolos, navios
e nunca mais me encerro
no meu fio.

Ainda serei eterno.

O mês finda, o ano,
o recomeço.
E o fraterno em mim
quer campo, monte, algibe.
Mas sou pequeno
para tanto aceno.

Metáforas me prendem

o eterno
que se pretende isento.

Numa dobra me escondo;

Noutra, deito.
Os nomes me percorrem no poente.
Sou sobrevivente
de alguma alta esfera
que saía de si mesma
e é primavera.

O eterno ainda será viável

como o sol, o dia,
o vento,
misturado ao que me entende
e transborda.
Misturado ao permanente
que me sobra.

Carlos Nejar

terça-feira, 27 de março de 2012

“Sabemos que a morte é uma chatice, claro,
e no caso dos escritores é uma dupla chatice.
O escritor morre e a sua obra, geralmente,
entra numa espécie de nuvem negra.
Não é que não continue a ter leitores,
mas já não é a mesma coisa.”



JOSÉ SARAMAGO

Susan Spider Boulet

Ficaríamos menos desesperados se pensássemos cada
desgraça justificada com relação a uma ordem
transcendental do Mal. Tal é a regra de um otimismo radical.
É preciso fazer do mal a regra do jogo.
É então que a exceção passa a ser a da felicidade.
É a alegria que se torna fatal.
Isto confere ao Bem e à felicidade um prestígio novo:
o de uma miraculosa exceção.



JEAN BAUDRILLARD

Mary Kay Krell

A mesa

O jornal dobrado

sobre a mesa simples;
a toalha limpa,
a louça branca

e fresca como o pão.


A laranja verde:

tua paisagem sempre,
teu ar livre, sol
de tuas praias; clara

e fresca como o pão.


A faca que aparou

teu lápis gasto;
teu primeiro livro
cuja capa é branca

e fresca como o pão.


E o verso nascido

de tua manhã viva,
de teu sonho extinto, ainda leve, quente

e fresco como o pão


João Cabral de Melo

quinta-feira, 22 de março de 2012

Felix Mas

"Cada alma é por si só uma sociedade secreta."




Marcel Jouhandeau

"... quanto a nós, de cada lado de uma linha imaginária
da vontade, cada decisão cria duas vertentes opostas
onde a vida escoará em sentido inverso
- cada fração de destino afastando-se irremediavelmente
da outra. Tais a chuva e as nuvens, cada destino
pessoal será redistribuído no ciclo impessoal.
Quanto ao tempo, cada instante é a linha divisória
onde passado e futuro se separam para nunca mais
se reencontrarem.
A existência por sinal nada mais é que a divergência
cada vez maior de passado e futuro,
até que a morte os reúna num presente absoluto."



JEAN BAUDRILLARD

Claude Verlinde

Bem, hoje que estou só e e posso ver
Com o poder de ver do coração
Quando não sou, quanto não posso ser,
Quanto, se o for, serei em vão,

Hoje, vou confessar, quero sentir-me

Definitivamente ser ninguém,
E de mim mesmo, altivo, demitir-me
Por não ter procedido bem,

Falhei a tudo, mas sem galhardias,

Nada fui, nada ousei e nada fiz,
Nem colhi as urtigas dos meus dias
A flor de parecer feliz.

Mas fica sempre, porque o pobre é rico

Em qualquer cousa, se procurar bem,
A grande indiferença com que fico,
Escrevo-o para lembrar bem.




Fernando Pessoa

terça-feira, 20 de março de 2012

Elling Reitan

É hora do descanso, mas o descanso
vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar,
pede paz - morte -
mergulho no poço
mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.


Carlos Drummond de Andrade

Da vida humana, a duração é um ponto;
a substância, fluida;
a sensação, apagada;
a composição de todo o corpo, putrescível;
a alma, inquieta;
a sorte, imprevisível;
a fama, incerta.
Em suma, tudo o que é do corpo
é um rio;
o que é da alma,
sonho e névoa.
O que pode, pois, servir-nos de guia?
Só e única, a Filosofia.
Consiste ela em guardar o interior
livre de insolências e danos,
mais forte que os prazeres e mágoas,
nada fazendo com leviandade,
engano e dissimulação.
Acatando ainda os eventos
que lhe tocam, como vindos,
da mesma origem de si mesmo.



MARCO AURÉLIO - filósofo estóico

Alexander Starodubov

Há cidades cor de pérola onde as mulheres existem velozmente.
Onde às vezes param, e são morosas por dentro.
Há cidades absolutas, trabalhadas interiormente
pelo pensamento das mulheres.
Lugares límpidos e depois nocturnos,vistos ao alto como um fogo antigo,
ou como um fogo juvenil.
Vistos fixamente abaixados nas águascelestes.
Há lugares de um esplendor virgem,
com mulheres puras cujas mãos estremecem.
Mulheres que imaginamnum supremo silêncio,
elevando-se sobre as pancadas da minha arte interior.
Há cidades esquecidas pelas semanas fora.
Emoções onde vivo sem orelhas nem dedos.
Onde consumouma amizade bárbara.
Um amor levitante. Zona que se refere aos meus dons desconhecidos.
Há fervorosas e leves cidades sob os arcos pensadores.
Para que algumas mulheres sejam cândidas.
Para que alguém bata em mim no alto da noite
e me diga o terror de semanas desaparecidas.
Eu durmo no ar dessas cidades femininas
cujos espinhos e sangues me inspiramo fundo da vida.
Nelas queimo o mês que me pertence.
o minha loucura, escada sobre escada.
MuIheres que eu amo com um des-espero fulminante,
a quem beijo os péssupostos entre pensamento e movimento.
Cujo nome belo e sufocante digo com terror, com alegria.
Em que toco levemente a boca brutal.
Há mulheres que colocam cidades doces e formidáveis no espaço,
dentrode ténues pérolas.
Que racham a luz de alto a baixoe criam uma insondável ilusão.
Dentro de minha idade, desde a treva, de crime em crime -
espero a felicidade de loucas delicadas mulheres.
Uma cidade voltada para dentrodo génio,
aberta como uma boca em cima do som.
Com estrelas secas.
Parada.
Subo as mulheres aos degraus.
Seus pedregulhos perante Deus.
É a vida futura tocando o sanguede um amargo delírio
.Olho de cima a beleza genialde sua cabeça ardente:
- E as altas cidades desenvolvem-se no meu pensamento quente.


Herberto Helder

quarta-feira, 14 de março de 2012

Jean-Claude Gaugy

"Por amor, as mulheres se transformam naquilo que são na mente dos homens por quem são amadas".


NIETZSCHE

Joanna Chrobak

" O sonhador não é superior ao homem ativo porque o sonho seja superior à realidade.

A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que

o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que

o homem de ação. Em melhores e mais diretas palavras: o sonhador é que é

o homem de ação."




FERNANDO PESSOA

Mikahil Nesterov

Caminho pelo acaso dos meus muros,
buscando a explicação de meus segredos.
E apenas vejo mãos de brando aceno,
olhos com jaspes frágeis de distância,
lábios em que a palavra se interrompe:
medusas da alta noite e espumas breves.
Uma parábola invisível sabe
o rumo sossegado e vitorioso
em que minha alma, tão desconhecida,
vai ficando sem mim, livre em delícia,
como um vento que os ares não fabricam.
Solidão, solidão e amor completo.
Êxtase longo de ilusão nenhuma.


CECÍLIA MEIRELLES

segunda-feira, 12 de março de 2012

Peter Ellenshaw

Quem desce de maneira verdadeiramente séria no abismo

de si mesmo sempre se encontrará apenas como uma metade.


GOETHE

Gustave Caillebotte

“A revolta nasce do espetáculo da desrazão diante de uma
condição injusta e incompreensível. Mas seu ímpeto cego
reivindica a ordem no meio do caos e a unidade no próprio
seio daquilo que foge e desaparece.
A revolta clama, ela exige, ela quer que o escândalo termine
e que se fixe finalmente aquilo que até então se escrevia
sem trégua sobre o mar. Sua preocupação é transformar.
(…) Que é um homem revoltado? Um homem que diz não.
Mas, se ele recusa, não renuncia: é também um homem
que diz sim, desde o seu primeiro movimento.
Um escravo, que recebeu ordens durante toda a sua vida,
julga subitamente inaceitável um novo comando.
Qual é o significado deste ‘não’?

ALBERT CAMUS

DESPEDIDAS

Começo a olhar as coisas
como quem, se despedindo, se surpreende
com a singularidade
que cada coisa tem
de ser e estar.

Um beija-flor no entardecer desta montanha
a meio metro de mim, tão íntimo,
essas flores às quatro horas da tarde, tão cúmplices,
a umidade da grama na sola dos pés, as estrelas
daqui a pouco, que intimidade tenho com as estrelas
quanto mais habito a noite!

Nada mais é gratuito, tudo é ritual
Começo a amar as coisas
com o desprendimento que só têm
os que amando tudo o que perderam
já não mentem.

Affonso Romano de Sant'Anna

sábado, 10 de março de 2012

" Tocamos piano com luvas de boxe."


MICHEL SERRES

Troy Crisswell

Toda vida eterna é provisória. A tranquilidade é cheia de alternâncias.

Serão semanas de infindável paciência, de alegria intacta, e algumas

horas de ressentimento e azar. Nada vai mudar.

Até o mar tem dias de ressaca.

Não podemos aumentar a exigência a cada questionamento, formular

paranoias e teorias de conspiração, esperar desmascarar nossa companhia.

No fundo, ninguém se ama o suficiente para ser amado.

É aceitar o desvio e retornar para perto do ponto.

Aproximar-se com a igual gana do início, esforçar-se novamente para

conquistar a empatia da solidão.

E nunca ter controle sobre o resultado.


FABRÍCIO CARPINEJAR

Nikolay Bogomolov

DAS PEDRAS



Ajuntei todas as pedras
que vieram sobre mim.
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado
e no sonho me perdi.
Uma estrada,
um leito,
uma casa,
um companheiro.
Tudo de pedra.
Entre pedras
cresceu a minha poesia.
Minha vida...
Quebrando pedras
e plantando flores.
Entre pedras que me esmagavam
Levantei a pedra rude
dos meus versos.




CORA CORALINA

quinta-feira, 8 de março de 2012

James Ensor

Os pensamentos não são grandes, nem pequenos:

apenas resistem ou não, cravam raízes ou se

lançam no ar, iguais às aves.

CARLOS NEJAR

Michel Ogier

O objeto do amor é chamado

o mais das vezes de beleza.

Amo uma paisagem, um quadro,

Uma música, e mesmo um ser,

por sua beleza.

Nunca se ama ninguém, mas

Somente qualidades.

Só amo seres reais na medida em que

me parecem encarnar um ideal.

BLAISE PASCAL

Igor Gorin

Embora os meus olhos sejam
os mais pequenos do mundo
o que importa é que eles vejam
o que os homens são no fundo

Que importa perder a vida
na luta contra a traição
se a razão mesmo vencida
não deixa de ser razão

Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo
calai-vos que pode o povo
querer um mundo novo a sério

Eu não tenho vistas largas
nem grande sabedoria
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.

ANTONIO ALEIXO

quarta-feira, 7 de março de 2012

Anne Bachelier

" A maioria não tem apreço pelo que entende, e o que não compreendem, veneram.

Para serem estimadas, as coisas têm de custar: será celebrado tudo o que não for entendido."



Baltasar Gracián

Eugene Paprocki

E para que exprimir?

O pouco que se diz melhor é o que fica não dito.

Porque tu amas o que eu digo com os ouvidos com que me ouço dizê-lo.

Eu próprio se me ouço falar alto, aos ouvidos com que me ouço falar alto

não me escutando do mesmo modo que o ouvido íntimo

com que me ouço pensar palavras.

Se eu me erro, ouvindo-me, e tenho que perguntar tantas vezes,

a mim próprio o que quis dizer,

os outros quanto não me entenderão!

De quão complexas inteligências não é feita a compreensão dos outros de nós?


Bernardo Soares/ F. Pessoa

Vincent Van Gogh

No meu sonho desfilam as visões,
Espectros dos meus próprios pensamentos,
Como um bando levado pelos ventos,
arrebatado em vastos turbillhões…

Num espiral, de estranhas contorções,
E donde saem gritos e lamentos,
Vejo-os passar, em grupos nevoentos,
Distingo-lhes, a espaços, as feições…

- Fantasmas de mim mesmo e da minha alma,
Que me fitais com formidável calma,
Levados na onda turva do escarcéu,

Quem sois vós, meus irmãos e meus algozes?
Quem sois, visões misérrimas e atrozes?
Ai de mim! ai de mim! e quem sou eu?!…


Antero de Quental

segunda-feira, 5 de março de 2012

Joel Barcelos

" O que é útil é útil para alguma coisa. Mas o que é inútil, é inútil para que?

Para nada. Mas, do nada ou do alguma coisa, qual função mais útil?



Jean Baudrillard

Marc Chagal

" Talvez espante o leitor a franqueza com que exponho e realço a minha mediocridade; advirta-se que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta da cobiça obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, à força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocrisia, que é um vício hediondo. Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lantejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos; não há platéia. O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele não se estenda para cá, e não nos examine e julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento.

Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados."

Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis

Gustave Dore

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...


MARIO QUINTANA

domingo, 4 de março de 2012

Alexander Averin Yung

Ah, que manhã é esta, que me desperta para a

estupidez da vida, e para a grande ternura dela !



FERNANDO PESSOA

A linguagem do mito e a linguagem do espetáculo dão lugar à
realidade que está sob ela: a linguagem dos fatos.
Essa linguagem, que contém a crítica de todos os modos de
expressão, traz em si a sua própria crítica.
A linguagem do homem total será a linguagem total.
Talvez o fim da velha linguagem das palavras.
Inventar esta linguagem é reconstruir o homem até
em seu inconsciente.
Na união rompida dos pensamentos, das palavras, dos gestos,
a totalidade se busca em meio à não-totalidade.
Ainda será preciso falar até o momento em que os
fatos nos permitam que nos calemos.


RAOUL VANEIGEM

ANOITECER

Homem, cantava eu como um pássaro
ao amanhecer. Em plena unanimidade
de um mundo só.
Como, porém, viver num mundo onde todas as coisas
tivessem um só nome?

Então, inventei as palavras.
E as palavras pousaram gorjeando sobre o rosto
dos objetos.

A realidade, assim, ficou com tantos rostos
quantas são as palavras.

E quando eu queria exprimir a tristeza e a alegria
as palavras pousavam em mim, obedientes
ao meu menor aceno lírico.

Agora devo ficar mudo.
Só sou sincero quando estou em silêncio.

Pois, só quando estou em silêncio
elas pousam em mim - as palavras -
como um bando de pássaros numa árvore
ao anoitecer.

CASSIANO RICARDO