quarta-feira, 26 de setembro de 2012


"Nada se edifica sobre a pedra, tudo sobre a areia,
mas nosso dever é edificar como se fosse pedra a areia..."



Jorge Luís Borges

Não andem ansiosos pela vida, pelo que irão comer ou beber.
Nem pelo corpo, quanto que haverão de vestir.
A vida é mais que a comida.
O corpo é mais que as roupas.

Olhem as aves dos céus: não semeiam, não colhem,
não ajuntam em celeiros.
Contudo, a vida cuida delas.
E vocês valem muito mais que as aves...

E qual dentre vocês, por ansioso que esteja,
pode com a sua ansiedade acrescentar um único dia à sua vida?

RUBEM ALVES

TAMARA LEMPICKA
O amor é o amor

O amor é o amor - e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?..

O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois? -
espírito e calor!
O amor é o amor - e depois?!



Alexandre O´Neill

domingo, 23 de setembro de 2012


«Olha Ulisses: está com vontade de ver os rochedos da sua querida Ítaca,
como Agamémnon, as muralhas da nobre Micenas:
- não amamos a pátria porque ela é grande, mas porque nascemos nela».
 


SénecaCartas a Lucílio


"Quando lemos romances, não somos o que somos habitualmente, mas também os seres
criados para os quais o romancista nos transporta. Esse traslado é uma metamorfose:
o reduto asfixiante que é nossa vida real abre-se e saímos para ser outros, para viver
vicariamente experiências que a ficção transforma como nossas. Sonho lúcido e fantasia
encarnada, a ficção nos completa – a nós, seres mutilados, a quem foi imposta a atroz
dicotomia de ter uma única vida, e os apetites e as fantasias de desejar outras mil.
Esse espaço entre a vida real e os desejos e as fantasias, que exigem que seja mais
rica e mais diversa, é preenchido pelos livros de ficção."
 
 
Mario Vargas Llosa

Quando a luz estender a roupa nos telhados
E for todo o horizonte um frêmito de palmas
E junto ao leito fundo nossas duas almas
Chamarem nossos corpos nus, entrelaçados,

Seremos, na manhã, duas máscaras calmas
E felizes, de grandes olhos claros e rasgados...
Depois, volvendo ao sol as nossas quatro palmas,
Encheremos o céu de vôo encantados!...

E as rosas da Cidade inda serão mais rosas,
Serão todos felizes, sem saber por quê...
Até os cegos, os entrevadinhos... E

Vestidos, contra o azul, de tons vibrantes e violentos,
Nós improvisaremos danças espantosas
Sobre os telhados altos, entre o fumo e os cata-ventos!

Mario Quintana

terça-feira, 18 de setembro de 2012


Não há que pôr em verso ideias que a prosa suporte.


Paul Valéry
Henry Jules Geoffroy
“A infância é certamente maior que a realidade. Para experimentar, através de nossa vida, o apego
que sentimos pela casa natal, o sonho é mais poderoso que os pensamentos. São os poderes
do inconsciente que fixam as mais distantes lembranças. Se não tivesse existido um centro compacto
de devaneios de repouso na casa natal, as circunstâncias tão diferentes que envolvem a vida
verdadeira teriam confundido as lembranças. Afora umas poucas medalhas coma efígie dos nossos
ancestrais, nossa memória de criança contém apenas moedas sem valor. É no plano do devaneio,
e não no plano dos fatos, que a infância permanece em nós viva e poeticamente útil.
Por essa infância permanente, preservamos a poesia do passado. Habitar oniricamente a
casa natal é mais que habitá-la pela lembrança. É viver na casa desaparecida tal
como ali sonhamos um dia.
Que privilégio de profundidade há nos devaneios de criança! Feliz a criança que possuiu, que
realmente possuiu as suas solidões! É bom, é saudável que uma criança tenha suas horas
de tédio, que conheça a dialética do brinquedo exagerado e dos tédios sem causa, do tédio puro.
Em suas Memórias, Alexandre Dumas diz que era um menino entediado, entediado até às
lágrimas. Quando sua mãe o encontrava assim chorando de tédio, perguntava-lhe:
- e por que é que Dumas está chorando?
- Dumas está chorando porque Dumas tem lágrimas – respondia o menino de seis anos.
Esta é sem dúvida uma anedota como tantas outras contadas nas Memórias.
Mas como ela marca bem o ‘tédio’ absoluto, o tédio que não é o correlativo de uma falta de
amigos para brincar! Não existem crianças que deixam o brinquedo para ir se aborrecer
num canto do sótão? Sótão dos meus tédios, quantas vezes senti tua falta quando
a vida múltipla me fazia perder o germe de toda liberdade!”

Gaston Bachelard -  A poética do Espaço

O QUE É O ESPAÇO?




O que é o espaço

senão o intervalo
por onde
o pensamento desliza
imaginando imagens?


O biombo ritual da invenção

oculta o espaço intermédio
o interstício
onde a percepção se refracta


Pelas imagens

entramos em diálogo
com o indizível



ANA HATHERLY

sábado, 15 de setembro de 2012


“ Pois as coisas perfeitas na poesia não parecem estranhas;
parecem inevitáveis”.





JORGE LUIS BORGES

" A grande maioria dos homens é obrigada a uma duplicidade constante,
uma duplicidade erigida em sistema.
Não é fácil, sem se dar cabo da saúde, aparentarmos, dia após dia,
o contrário daquilo que sentimos realmente, deixarmo-nos crucificar
por aquilo que não amamos, regozijarmo-nos com aquilo que nos entristece.
O nosso sistema nervoso não é uma expressão vã ou uma invenção.
É um corpo físico composto de nervos.
A nossa alma situa-se no espaço e implanta-se em nós como os dentes
nos maxilares. Não podemos violentá-la impunemente."

Boris Pasternak -
O Doutor Jivago

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água, pedra, sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos,
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios
.
.Manoel de Barros

quarta-feira, 12 de setembro de 2012


“Talvez o homem seja uma doença localizada no cosmos –
uma espécie de eczema ou uretrite pestífera.
Existem, é claro, diferentes graus de eczemas, assim como
há diferentes graus de homens. Sem dúvida, um cosmos afligido
por uma infecção de Beethovens jamais precisaria de um médico.
Mas um cosmos infestado por socialistas, escoceses ou corretores
da Bolsa deve sofrer como o diabo”.


 

H.L. MENCKEN


" Cada um esforça-se tanto quanto estiver em seu poder para que os outros
amem o que ele ama e odeiem o que ele odeia (...). Esse esforço para fazer
com que cada um aprove o que amamos ou odiamos é simplesmente ambição;
vemos assim que cada um por natureza, deseja que os outros vivam
segundo suas ideias e, como todos têm o mesmo desejo, acontece que
incomodam uns aos outros; e porque todos querem ser os primeiros,
louvados e amados por todos, daí resulta ódio mútuo."
 
 
Espinosa

Jardim da pensãozinha burguesa.
Gatos espapaçados ao sol.
A tiririca sitia os canteiros chatos.
O sol acaba de crestar as boninas que murcharam.
Os girassóis
amarelo!
resistem.
E as dálias, rechonchudas, plebéias, dominicais.

Um gatinho faz pipi.

Com gestos de garçom de restaurant-Palace
Encobre cuidadosamente a mijadinha.
sai vibrando com elegância a patinha direita.
É a única criatura fina na pensãozinha burguesa.



Manuel Bandeira

segunda-feira, 10 de setembro de 2012


Para os antigos não existiam minutos ou segundos.
Nem o carteiro nem o telefone apoquentavam Platão.
Virgílio nunca precisou correr para pegar um trem.
Hoje, porém, nossos movimentos são regidos por
frações exatas de tempo.


Paul Valéry
Pavel Ryzhenko
A um soldado de sua guarda, exausto e alquebrado, que veio pela rua pedir-lhe permissão
para se matar, César respondeu gracejando ao notar sua aparência decrépita:
"Pensas então que estás vivo?". Se caíssemos de repente nesse estado, não creio que
seríamos capazes de suportar tal mudança. Mas conduzidos pela mão da natureza,
por uma suave ladeira e como que insensível, pouco a pouco, de degrau em degrau nos
envolvemos nesse estado miserável a que nos acostumamos, assim como não sentimos
nenhum abalo quando a juventude morre dentro de nós, o que, no fundo e na verdade,
é a morte mais dura que a morte completa de uma vida languescente e que a morte
da velhice. Tanto mais que o salto do mal existir para o não existir não é tão árduo
como aquele de uma existência suave e florescente para uma existência penosa e dolorosa.
O corpo encurvado e dobrado tem menos força para suportar um fardo, nossa alma também.
É preciso treiná-la e educá-la contra o esforço desse adversário.
Pois, como é impossível que encontre o descanso enquanto o temer, caso se fortaleça
pode se vangloriar (o que é coisa que ultrapassa a condição humana) de ser impossível
que nela se alojem a inquietação, o tormento e o medo, e até a mínima insatisfação.


MONTAIGNE
Nicolai Zaitzev
Tu és o futuro, aurora imensa
sobre as planícies da eternidade.
Tu és o cantar do galo depois da noite da temporalidade,
o orvalho, a missa de alva e a mocidade,
o desconhecido, a mãe e a morte tensa.

Tu és a figura a se transformar,
do destino sempre solitária a se erguer,
que permanece por exaltar e por lamentar
e como floresta selvagem por descrever.

Tu és das coisas o cúmulo mais profundo,
que cala a última palavra do seu ser
e que aos outros sempre diferente se vai mostrando:
ao navio costa e à terra navio a aparecer.


Rainer Maria Rilke - O Livro de Horas


quinta-feira, 6 de setembro de 2012


"Todos os dias estarás refazendo o teu desenho.
Não te fatigues logo.
Tens trabalho para toda a vida.
E nem para o teu sepulcro terás a medida certa.
Somos sempre menos do que pensávamos
Raramente um pouco mais."

Cecília Meirelles

"Roland Barthes diz que o horror não está na fotografia, mas no fato da
gente observá-la. Barthes dizia que existe uma facilidade
muito grande numa imagem choque se tornar clichê e, portanto, ineficiente.
As imagens choque ou sensacionalista são recebidas ou percebidas de uma forma discutível, ou seja,
como se ao falarmos de guerras, conflitos e dores, estaríamos entendendo
que estas imagens são registros puros sem a menor estética ou olhar de um fotógrafo.
E aí que a imagem se transforma em clichê, ou como dizia Barthes, uma mensagem sem código.
Não existe estética sem conteúdo e nem o contrário.
Um fotógrafo que se preocupa só com um lado estético acreditando
que isso é possível, acaba por gerar uma mancha sem significado.
A fotografia, antes de mais nada é um signo e, portanto, geradora de significados.
 
“Frente às imagens choque acabamos nos sentindo privados da nossa capacidade de julgar,
visto que o horror está à nossa frente.
Nas imagens-choque tudo já foi feito: alguém já se emocionou por nós,
refletiu por nós, sofreu por nós e julgou por nós.
Não nos resta nada a não ser um débil direito de concordar”.
(Barthes)
 
 Nestas imagens não podemos interpretar nada, o fotógrafo já fez tudo isso por nós."
Michael Gorban
"Há um tal prazer nos bosques inexplorados;
Há uma tal beleza na solitária praia;
Há uma sociedade que ninguém invade,
perto do mar profundo
e da música do seu bramir:
Não que ame menos o homem,
mas amo mais a Natureza".
 
 
Lord Byron

segunda-feira, 3 de setembro de 2012


(...) “Há o hipotrélico. O termo é novo, de impesquisada origem e ainda sem definição
que lhe apanhe em todas as pétalas o significado. Sabe-se, só, que vem do bom
português. Para a prática, tome-se hipotrélico querendo dizer: antipodático,
sengraçante imprizido; ou, talvez, vice-dito: indivíduo pedante, importuno agudo,
falto de respeito para com a opinião alheia. Sob mais que, tratando-se de palavra
inventada, e, como adiante se verá, embirrando o hipotrélico em não tolerar
neologismos, começa ele por se negar nominalmente a própria existência.”



Guimarães Rosa

“Fico pensando se a amizade existe realmente. Não me refiro ao prazer ocasional
de duas pessoas que se alegram por ter se encontrado num dado momento de
suas vidas em que pensam da mesma maneira sobre determinados assuntos,
descobrem os mesmos gostos e preferem as mesmas lutas. Nada disso tem a ver
com amizade. Às vezes acho que ela representa a relação mais íntima que existe
na vida… Talvez por isso seja tão rara. E então, em que se funda? Na simpatia?
É um termo impróprio, brando demais: não se pode dizer que a simpatia seja
suficiente para levar duas pessoas a se responsabilizarem uma pela outra nas
situações mais críticas de suas vidas. Então, em que mais? Não haverá talvez
uma pitada de Eros no fundo de todas as relações humanas?”


SÁNDOR MÁRAI - AS BRASAS


possa meu peito sempre abrir-se aos pássaros
pequenos segredos da vida a cada passo
cantem lá o que for é melhor que saber
e quem não os ouve já se pôs a envelhecer
possa minha mente vagar com fome
e sem medo e sedenta e conforme
e mesmo domigo que eu possa esmorecer
pois quem tudo acerta jovem já deixou de ser
e possa eu mesmo fazer nada utilmente
e amar-te a ti tão mais veramente
pois tal tolo nunca houve que incapaz disto:
pôr todo o céu nas costas com um só riso.


e.e.cummings