"As mentiras dos romances nunca são gratuitas: preenchem as insuficiências da vida.
Por isso, quando a vida parece plena e absoluta e, graças a uma fé que tudo justifica e absorve,
os homens se conformam com seus destinos, os romances não prestam serviço algum.
As culturas religiosas produzem poesia, teatro e, raras vezes, grandes romances. A ficção é
uma arte de sociedades em que a fé experimenta alguma crise, em que faz falta crer em algo,
onde a visão unitária, confiante e absoluta foi substituída por uma visão rachada, e por uma
incerteza crescente sobre o mundo em que se vive e sobre o outro mundo. Além da amoralidade,
as entranhas dos romances aninham certo ceticismo. Quando a cultura religiosa entre em crise,
a vida parece escapulir dos esquemas, dogmas e preceitos que a sujeitam e se transforma
em caos: esse é o momento privilegiado para a ficção.
Suas ordens artificiais proporcionam refúgio,
segurança, e nelas se desdobram livremente aqueles apetites e temores que a vida real incita,
e não consegue saciar ou conjurar. A ficção é um sucedâneo transitório da vida. O regresso à
realidade é sempre um empobrecimento brutal: a comprovação de que somos menos do que
sonhamos. O que significa que, ao mesmo tempo, os livros de ficção aplacam transitoriamente
a insatisfação humana e também a atiçam, esporeando os desejos e a imaginação."
MARIO VARGAS LLOSA