quinta-feira, 29 de abril de 2010

Jean Helion

Abolimos o mundo verdadeiro: que nos restou?
O aparente, talvez?... Não!
Com o mundo verdadeiro abolimos também
o mundo aparente.


Nietzsche - Crepúsculo dos Deuses

Augustus Dunbier

Corda bamba

o poeta é mercador
traficante de caminhos
que vende raios,
sinfonias
e horizontes. frugal mercador de eternidades
– porta a porto –
aos quatro cantos do luar
ao mar
ao ar
sob o tempo
e o temporal.

o poeta corre o risco
entre o amor livre
e a palavra.
está sempre atrás do pano
em plena corda bamba
do mistério.
e atravessa submerso as metrópoles
dos olhares
feito um louco solitário
que come fogo.



SALGADO MARANHÃO

Jacek Yerka

Conta-se que havia uma ilha, que ficava em Algum Lugar, em que os habitantes desejavam intensamente ir para outra parte e fundar um mundo mais sadio e digno. O problema é que a arte e a ciência de nadar e navegar ainda não tinham sido desenvolvidas - ou talvez tivessem há muito esquecidas. Por isso, havia habitantes que simplesmente se nagavam a pensar nas alternativas à vida na ilha, enquanto outros tentavam encontrar soluções para os seus problemas, sem preocupar-se em recuperar o conhecimento de como cruzar as águas. De vez em quando, alguns ilhéus reinventavam a arte de nadar e navegar. Também de vez em quando chegava a eles algum estudante, e então acontecia um diálogo assim:

- Quero aprender a nadar.

- O que quer fazer para conseguir isto?

- Nada. Só quero levar comigo uma tonelada de repolho.

- Que repolho?

- A comida que vou precisar no outro lado, ou seja lá onde for.

- Mas há outras coisas pra comer no outro lado.

- Não sei o que quer dizer. Não tenho certeza. Tenho que levar meu repolho.

- Mas assim não vai poder nadar. Uma tonelada de repolho é uma carga muito pesada.

- Então não posso aprender. Para vc, meu repolho é uma carga. Para mim, é um alimento essencial.

- Suponhamos que - como numa alegoria - os repolhos representem ideias adquiridas, pressupostos ou certezas.

- Hum... Vou levar meus repolhos para onde haja alguém que entenda as minhas necessidades.


( A Árvore do Conhecimento - Humberto Maturana)

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Frederick Leighton

" Poesia e erotismo nascem dos sentidos,
mas não terminam neles.
Ao se soltarem, inventam
configurações imaginárias
- poemas e cerimônias."



Octavio Paz

Felicien Rops

O que há de interessante? O que se encontra fora da prisão,

fora da regra e da uniformidade: a saída.


O que há de interessante? O acontecimento. O nascimento.

O quente raro, não o frio regular.

O despertar; nem o sono, nem o sonho.


A invenção da sobrevivência.

A saída da caverna e do túmulo.

Pensem sempre em sair.

Em nascer para vencer a morte.

O que existe de interessante? O desvio, o surgimento.


A saída da agonia: vida, pensamento criativo,

amor, coragem.



O nascimento, a vitória da vida contingente sobre a morte necessária.


MICHEL SERRES





Eliseé Maclet

No entardecer dos dias de Verão, às vezes,
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece
Que passa, um momento, uma leve brisa...
Mas as árvores permanecem imóveis
Em todas as folhas das suas folhas
E os nossos sentidos tiveram uma ilusão,
Tiveram a ilusão do que lhes agradaria...

Ah, os sentidos, os doentes que vêem e ouvem!
Fôssemos nós como devíamos ser
E não haveria em nós necessidade de ilusão ...
Bastar-nos-ia sentir com clareza e vida
E nem repararmos para que há sentidos ...

Mas graças a Deus que há imperfeição no Mundo
Porque a imperfeição é uma cousa,
E haver gente que erra é original
E haver gente doente torna o Mundo engraçado.
Se não houvesse imperfeição, havia uma cousa a menos
E deve haver muita cousa
Para termos muito que ver e ouvir. . .

ALBERTO CAEIRO

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Joaquín Sorolla

... pois que é o belo senão o grau do terrível que só a custo suportamos
E admiramos apenas porque ele tranqüilamente desdenha destruir-nos?


Rainer Maria Rilke

Nem sempre os sulcos da generosa terra

pagam com juro o que o homem lhes confia.

Nem sempre o vento favorece a nave

no seu rumo inconstante.

Menos prazeres, somados a mais penas

eis a sorte infalível dos amantes.

Que o espírito preparem

para o jugo suportar das muitas

provações a que o amor obriga.

São as lebres do Atos e as bagas sustentadas

pela árvore de Palas de folhagem sombria,

são as conchas da praia e as ovelhas

que pastam no monte Hibla

tão numerosas quantas são as penas

com que o amor castiga.

Os dados que recebem os amantes

estão de fel embebidos.




Ovídio – Arte de Amar

Henri Gervex

A minha vida fechou-se duas vezes antes de se fechar –
Mas fica por saber
Se a imortalidade me revela
Um evento maior

Tão largo, tão incrível de pensar
Como estes que sobre ela duas vezes tombaram.
Partir é tudo o que sabemos do céu,
Tudo o que do inferno se pode precisar.

EMILY DICKINSON

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Andrew Wyeth

Aquele que se afasta a si mesmo -
terá ele verdadeiramente
atingido o afastamento?
O verdadeiro solitário é aquele
Que nada afasta de si.


SAGYÕ HÕSHI




Stephane Bulan

Os episódios são como minas. A maior parte deles nunca explodem, mas chega um dia em que o mais modesto nos será fatal. Na rua, uma rapariga avançará de frente para nós, lançando-nos de longe um olhar que nos parecerá um tanto alucinado. Afrouxará progressivamente o passo, depois deter-se-á: "É mesmo você? Ando há anos à sua procura!" e saltar-nos-á ao pescoço. É a rapariga que nos caiu desmaiada nos braços no dia em que íamos ter com a mulher da nossa vida, a qual se tornou entretanto nossa mulher e mãe do nosso filho. Mas a rapariga encontrada por acaso na rua decidiu, há muito tempo, apaixonar-se pelo seu salvador, e o facto fortuito de nos ter encontrado vai parecer-lhe um sinal do destino. Telefonar-nos-á cinco vezes por dia, escrever-nos-á cartas, irá ter com a nossa mulher para lhe explicar que nos ama e que tem direitos sobre nós, até ao momento em que a mulher da nossa vida perder a paciência, fizer amor por raiva com o homem do lixo e nos deixar levando-nos o filho. Para escaparmos à rapariga apaixonada, que entretanto despejou no nosso apartamento todo o recheio dos seus armários, iremos refugiar-nos do outro lado do oceano, e por lá morreremos no desespero e na miséria. Se as nossas vidas fossem eternas como as dos deuses antigos, a noção de episódio perderia o seu sentido, porque no infinito todo o acontecimento, até o mais negligenciável, se tornaria um dia causa de um efeito, desenvolvendo-se em história.


Milan Kundera - A Imortalidade

Aivazovsky

Chegaram à baía os galeões
Com as sete Princesas que morreram.
Regatas de luar não se correram...
As bandeiras velaram-se, orações...
Detive-me na ponte, debruçado,
Mas a ponte era falsa - e derradeira.
Segui no cais. O cais era abaulado,
Cais fingido sem mar à sua beira...
Por sobre o que Eu não sou há grandes pontes
Que um Outro, só metade, quer passar
Em miragens de falsos horizontes
-Um outro que eu não posso acorrentar...

MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Dusanka

O homem vive de razão e sobrevive de sonhos.



MIGUEL DE UNAMUNO

Boyd Webb

"Não se conhecem as nascentes do Nilo ... não foi dado aos

olhos do homem ver o rei dos rios em estado de simples córrego;

assim também nenhum ser humano verá Julien fraco, e antes

de tudo porque ele não o é. Mas eu tenho um coração fácil

de comover; a mais simples palavra, se for dita com um acento

verdadeira, pode enternecer minha voz e mesmo fazer correrem

minhas lágrimas. Quantas vezes os corações áridos não me

desprezaram por causa desse defeito! Acreditavam que eu

pedia misericórdia: eis o que não se deve suportar."


Julien Sorel, personagem de O Vermelho e o Negro - STENDHAL

Alessandro Allori

Mulher nua

Procuro um adjectivo para cobrir
o teu corpo, belo como o lençol da madrugada,
e lento como o teu abrir de pálpebras
no instante de acordar. Vou buscá-lo
a um armário de sinónimos, por entre
as palavras redondas do amor. Toco
os teus lábios com as suas sílabas,
sentindo a branca humidade da noite
no leve murmúrio em que pousam
os meus olhos. E vou descobrindo a luz
das palavras que tiro de cima de ti, para
que apenas te cubra o adjectivo
que te veste, nua, nos braços
que te procuram.



Nuno Júdice

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Jean Delville

Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que
instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas,
tímbales e tambores, dentro de mim.
Só me conheço como sinfonia.


FERNANDO PESSOA

Carl Larsson

Em todo homem dorme um profeta, e quando ele acorda,

há um pouco mais de mal no mundo.

A loucura de pregar está tão enraizada em nós que emerge

de profundidades desconhecidas ao instinto de preservação.

Cada um espera seu momento para propor algo:

não importa o quê. Tem uma voz: isto basta.

Pagamos caros por não ser surdos nem mudos.



EMIL CIORAN

Camile Corot

Passado, Presente, Futuro


Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.

Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.


José Saramago

terça-feira, 13 de abril de 2010

Victor Brauner

Nunca serei político, porque todo verdadeiro

poeta é revolucionário.

F. GARCIA LORCA

Pauline Palmer

As escolhas que fazemos dos conceitos dos outros ( textos,

livros, etc), para que passem para nós, é necessário que os

definamos como escritos por nós. E que, ao mesmo tempo,

os tornemos outros, deformando-os por amor, desde que

por eles fomos seduzidos.

O que buscamos, nos conceitos que desejamos, é que

alguma coisa ocorra: uma nova aventura, uma nova

conjunção amorosa; e, por isso, determinados conceitos

do autor amado é a de que eles fiquem lá, como signos

de nós mesmos, inspirando-nos a passar do prazer de

ler ao desejo de escrever.

ROLAND BARTHES

Kees von Dongen


"Parece-me igual aos deuses
ser aquele homem que, à sua frente sentado,
de perto, doces palavras, inclinando o rosto,
escuta,
e quando te ris, provocando o desejo; isso, eu juro,
me faz com pavor bater o coração no peito;
eu te vejo um instante apenas e as palavras
todas me abandonam;
a língua se parte; debaixo da minha pele,
no mesmo instante, corre um fogo sutil;
meus olhos me vêem; zumbem
meus ouvidos
um frio suor me recobre, um frêmito me apodera
do corpo todo, mais verde que
as ervas
eu fico
e que já estou morta
parece (...)
Mas (...)".


SAFO - fragmentos de um poema


(Tradução de Joaquim Fontes)

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Régis Rigaux

Tão pouco do que pode acontecer, acontece...



SALVADOR DALÍ

Paul Delvaux

O sentimento, por definição, surge em nós sem que disso nos apercebamos
e muitas vezes contra a nossa vontade. A partir de momento em que
queremos experimentá-lo (a partir do momento em que decidimos experimentá-lo,
como Dom Quixote decidiu amar Dulcineia), o sentimento já não é sentimento,
mas imitação de sentimento, sua exibição.
É o que correntemente se chama histeria.
É por isso que o homo sentimentalis (ou por outras palavras, o homem
que erigiu o sentimento em valor) é na realidade idêntico ao homo hystericus.
O que não quer dizer que o homem que imita um sentimento o não experimente.
O ator que desempenha o papel do velho rei Lear sente no palco, frente aos
espectadores, a autêntica tristeza de um homem abandonado e traído,
mas esta tristeza evapora-se no preciso instante em que a peça termina.
É por isso que o homo sentimentalis, logo a seguir a ter-nos assombrado
com os seus grandes sentimentos, nos desconcerta
com a sua inexplicável indiferença.


MILAN KUNDERA - A IMORTALIDADE

Paul Cornoyer

ELEGIA




Abandonai-me aqui, meus fiéis companheiros!
Deixai-me ao pé do precipício, entre o pântano e o musgo;
Segui o vosso caminho! Olhai o mundo aberto.
A imensa terra, o céu sublime e grande;
Observai, procurai, coleccionai os factos,
Balbuciai o mistério da Natureza.

Para mim perdeu-se o Todo, eu mesmo me perdi,
Eu, que há bem pouco fui o preferido dos deuses;
À prova me puseram, deram-me Pandora,
De bens tão rica, mais rica ainda de perigos;
Impeliram-me para a boca dadivosa,
Separaram-me dela, e assim me aniquilam.


GOETHE

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Francisco de Goya

Não invejo a fé dos crentes. Encontro consolo em

acreditar que tudo não passa de um sinistro conto

de fadas; a vida seria terrível se o que os homens

de fé afirmam fosse realmente verdade.

CHRISTOPHER HITCHENS

Gaston Latouche

Na pior das hipóteses, a vida humana não é trágica,

mas desprovida de sentido.

A alma é quebrada, mas a vida persiste.

Ao falhar a vontade, a máscara da tragédia cai no chão.

O que permanece é apenas sofrimento.

O último sofrimento não pode ser contado.

Se os mortos pudessem falar, não os entenderíamos.

Somos sábios por nos apegarmos a um arremedo de

tragédia: a verdade desvelada apenas nos cegaria.

Como Czeslaw Milosz escreveu:

" Nem -um

Impunemente dá a si mesmo

os olhos de um deus."

JOHN GRAY - do livro Cachorros de Palha

Frans Lanting

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...



Mário Quintana

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Amedeo Modigliani

Uma descoberta objetiva é imediatamente uma retificação

subjetiva. Se o objeto me instruir, também me modifica.

BACHELARD

Henry Tuke

... Talvez a velhice seja outro começo, talvez seja

possível voltar ao tempo mágico da infância,

àquele tempo anterior ao pensamento linear

e aos preconceitos, quando eu percebia

o universo por meio dos sentidos exaltados

de um demente e estava livre para crer no

inacreditável e explorar mundos que depois,

na idade da razão, desapareceram.

Já não tenho muita coisa a perder,

Nada para defender:

Será isso a liberdade?

ISABEL ALLENDE

Vincent van Gogh

Lição de Pintura




Quadro nenhum está acabado,
disse certo pintor;
se pode sem fim continuá-lo,
primeiro, ao além de outro quadro

que, feito a partir de tal forma,
tem na tela, oculta, uma porta
que dá a um corredor
que leva a outra e a muitas outras.


JOÃO CABRAL DE MELO NETO

terça-feira, 6 de abril de 2010

José Canelas

Com os anos foram me deixando as outras belas cores

E agora só me restam a vaga luz,

A inextricável sombra

E o ouro do princípio.


JORGE LUIS BORGES

Jules Pascin

A dialética dos sentimentos tem suas sutilezas.
Não basta ser feliz, é preciso que isso também lhe
dê prazer. Não basta ser infeliz, é preciso que isso
também faça mal. Sem a aura do prazer, a felicidade
é muito triste. Mas sem a aura do sofrimento, a
infelicidade é muito triste, ela também. Há sempre
um deslocamento do prazer e do desprazer no fato
de se ser feliz ou infeliz. Os discursos hipócritas que
opõem felicidade e infelicidade desconhecem esta
sutileza que as reúne, esta reversibilidade de uma e
outra que faz, no fundo, nossa única felicidade. Temos
ainda a liberdade de usar e abusar da felicidade de
maneira extravagante, e só o que nos tira essa
liberdade nos faz seres verdadeiramente infelizes.
JEAN BAUDRILLARD

John Alexander

Por mais que os escritores escrevam,

Os músicos componham e cantem,

Os pintores e escultores joguem com

Formas, cores e luzes, - por mais

Que a arte expresse o profundo

Sentimento humano, embora dance

À nossa frente e nos convoque

Até o último fio de lucidez,

O essencial não tem nome nem

Forma: é descoberta e assombro,

Glória ou danação de cada um.


LYA LUFT

domingo, 4 de abril de 2010

Gregory Colbert

O trabalho de um educador é irrigar o deserto,

não derrubar a árvore.


EMERSON

George Hitchcock

Amemos o irregular, o inesperado, o inseguro,
o ondulante, o flexível, o
pretensamente frívolo.
Permaneçamos curiosos, e até vivamos por curiosidade
Avancemos algumas vezes a ignorância e desconfiemos
dos pregadores da verdade.
A Verdade maiúscula é o paradigma das nossas ilusões.
Só podemos pretender
algumas pequenas verdades de passagem,
rapidamente declaradas, sempre discutidas,
frequentemente esquecidas.
Devemos preservar nossa fragilidade como devemos
salvar o inútil.
A fragilidade nos
aproxima uns dos outros e o inútil nos permite
a evasão, é a nossa saída de emergância.


Jean Claude Carrière

Frederick Frieseke

AMOR DE TARDE




É uma pena você não estar comigo
quando olho o relógio e já são quatro
e termino a planilha e penso dez minutos
e estico as pernas como todas as tardes
e faço assim com os ombros para relaxar as costas
e estalo os dedos e arranco mentiras.

É uma pena você não estar comigo
quando olho o relógio e já são cinco
e eu sou uma manivela que calcula juros
ou duas mãos que pulam sobre quarenta teclas
ou um ouvido que escuta como ladra o telefone
ou um tipo que faz números e lhes arranca verdades.

É uma pena você não estar comigo
quando olho o relógio e já são seis.
Você podia chegar de repente
e dizer "e aí?" e ficaríamos
eu com a mancha vermelha dos seus lábios
você com o risco azul do meu carbono.


MARIO BENEDETTI