segunda-feira, 12 de abril de 2010

O sentimento, por definição, surge em nós sem que disso nos apercebamos
e muitas vezes contra a nossa vontade. A partir de momento em que
queremos experimentá-lo (a partir do momento em que decidimos experimentá-lo,
como Dom Quixote decidiu amar Dulcineia), o sentimento já não é sentimento,
mas imitação de sentimento, sua exibição.
É o que correntemente se chama histeria.
É por isso que o homo sentimentalis (ou por outras palavras, o homem
que erigiu o sentimento em valor) é na realidade idêntico ao homo hystericus.
O que não quer dizer que o homem que imita um sentimento o não experimente.
O ator que desempenha o papel do velho rei Lear sente no palco, frente aos
espectadores, a autêntica tristeza de um homem abandonado e traído,
mas esta tristeza evapora-se no preciso instante em que a peça termina.
É por isso que o homo sentimentalis, logo a seguir a ter-nos assombrado
com os seus grandes sentimentos, nos desconcerta
com a sua inexplicável indiferença.


MILAN KUNDERA - A IMORTALIDADE

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