quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
“O mais pesado dos fardos nos esmaga, verga-nos, comprime-nos contra o chão. Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o fardo do corpo masculino. O mais pesado dos fardos é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da realização vital mais intensa. Quanto mais pesado é o fardo mais próxima da terra está nossa vida, e mais real e verdadeira ela é. Em compensação, a ausência total de fardo leva o ser humano a se tornar mais leve do que o ar, leva-o a voar, a se distanciar da terra, do ser terrestre, a se tornar semi-real, e leva seus movimentos a ser tão livres como insignificantes.
O que escolher então? O peso ou a leveza?
MILAN KUNDERA
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
domingo, 18 de dezembro de 2011
Herbert Read - As Origens da Forma na Arte
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
que aceitam os desafios mais extremos e não se
fixam no que é modestamente proporcional:
ela é a régua graduada de nossos empreendimentos
e não deve ser referida aos nossos sentimentos,
nem usada como prova contra nossa realização,
que afinal se compõe incessantemente
de mil recomeços.»
RAINER MARIA RILKE
A minha idéia do Universo é que é uma idéia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha idéia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.
Albeto Caeiro
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
vida agitada e tumultuosa me condena.
Com tal quantidade de objetos desfilando
diante de meus olhos, eu vou ficando aturdido.
De todas as coisas que me atraem,
nenhuma toca o meu coração,
embora todas juntas perturbem
os meus sentimentos, de modo a fazer que eu
esqueça o que sou e qual é o meu lugar."
(Jean-Jacques Rousseau - "A Nova Heloísa, cartas)
a manhã, a névoa que impregna o ar
desfaz-se quando os dedos de fogo do sol
a limpam, restituindo ao dia
a sua transparência. Mas a mulher que
ocupa o centro da paisagem não
se apercebe da mudança. O seu corpo
pertence à terra, e entrega-se
ao ritmo subterrâneo das raízes, ouvindo
o canto que regula a passagem
das estações. Um desejo de sombra apodera-se
da sua alma; e conta o tempo que falta
para a noite, para se entregar ao silêncio
do mundo, no lento eclipse
dos sentimentos.
NUNO JÚDICE
domingo, 11 de dezembro de 2011
é conhecimento supremo e amor, afirmação da realidade,
atenção desperta junto à borda dos grandes fundos e de todos os abismos;
é uma virtude dos santos e dos cavaleiros,
é indestrutível e cresce com a idade e a aproximação da morte.
É o segredo da beleza e a verdadeira substância de toda a arte.
O poeta que celebra, na dança dos seus versos, as magnificências
e os terrores da vida, o músico que lhes dá os tons de duma pura
presença, trazem-nos a luz; aumentam a alegria e a clareza sobre a Terra,
mesmo se primeiro nos fazem passar por lágrimas e emoções dolorosas.
Talvez o poeta cujos versos nos encantam tenha sido um triste solitário,
e o músico um sonhador melancólico: isso não impede que as suas
obras participem da serenidade dos deuses e das estrelas.
O que eles nos dão, não são mais as suas trevas, a sua dor ou o seu medo,
é uma gota de luz pura, de eterna serenidade.
Mesmo quando povos inteiros, línguas inteiras, procuram explorar as profundezas
cósmicas em mitos, cosmogonias, religiões,
o último e supremo termo que poderão atingir é essa serenidade."
Hermann Hesse - O Jogo das Contas de Vidro
No meio do mundo faz frio,
faz frio no meio do mundo,
muito frio.
Mandei armar o meu navio.
Volveremos ao mar profundo,
meu navio!
No meio das águas faz frio.
Faz frio no meio das águas,
muito frio.
Marinheiro serei sombrio,
por minha provisão de mágoas.
Tão sombrio!
No meio da vida faz frio,
faz frio no meio da vida.
Muito frio.
O universo ficou vazio,
porque a mão do amor foi partida
no vazio.
Cecília Meireles
sábado, 10 de dezembro de 2011
Isto é tão evidente que receio ofender-vos.
Porque puxar uma carroça é ser puxado por ela pela razão de haver ordens para puxar,
ou haver carroça para ser puxada.
Ou ser mesmo um passatempo passar o tempo puxando.
Mas ser livre é inventar a razão de tudo sem haver absolutamente
razão nenhuma para nada.
É ser senhor total de si quando se é senhoreado.
É darmo-nos inteiramente sem nos darmos absolutamente nada.
É ser-se o mesmo, sendo-se outro.
É ser-se sem se ser.
Assim, pois, tudo é complicado outra vez.
É mesmo possível que sofra aqui e ali de
um pouco de engasgamento.
Mas só a estupidez se não engasga,
ó meritíssimos, na sua forma de ser quadrúpede,
como vós o deveis saber."
Vergílio Ferreira - 'Nítido Nulo'
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem
x
Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca
Mário Cesariny
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
"Politicamente falando, não há mais do que um princípio - a soberania do homem sobre si mesmo.
Essa soberania de mim e sobre mim chama-se Liberdade.
Onde duas ou mais destas soberanias se associam principia o Estado.
Nesta asssociação, porém, não se dá abdicação de qualidade nenhuma.
Cada soberania concede certa quantidade de si mesma para formar
o direito comum, quantidade que não é maior para uns do que para os outros.
Esta identidade de concessão que cada um faz a todos chama-se Igualdade.
O direito comum não é mais do que a proteção de todos dividida pelo direito de cada um.
Esta proteção de todos sobre cada um chama-se Fraternidade.
O ponto de intersecção de todas estas soberanias que se agregam chama-se Sociedade.
Ora, sendo essa intersecção uma junção, por consequência esse ponto é um nó.
Daqui vem o que nós chamamos laço social.
Dizem alguns «contrato social», o que vem a ser o mesmo, visto que a palavra contrato
é etimologicamanete formada com a ideia de laço.
Vejamos agora o que é a igualdade, pois se a liberdade é o cume, a igualdade é a base.
A igualdade, cidadãos, não é o nivelamento de toda a vegetação;
uma sociedade de grandes cânulas de erva e pequenos carvalhos;
um tecido de invejas; é, civilmente, a admissão de todas as aptidões;
politicamente, o mesmo peso para todos os votos."
Victor Hugo - 'Os Miseráveis'
terça-feira, 6 de dezembro de 2011
"Suficientemente feliz é quem ainda tem algo a desejar,
pelo qual se empenha, pois assim o jogo da passagem contínua
entre o desejo e a satisfação e entre esta e um novo desejo
— cujo transcurso, quando é rápido, se chama felicidade,
e quando é lento se chama sofrimento —
é mantido, evitando-se aquela lassidão que se mostra
como tédio terrível, paralisante, apatia cinza
sem objeto definido, langor mortífero."
Arthur Schopenhauer
Não se consegue lembrar
De quando começou - ou se houve
Um tempo em que não existiu -
Não tem futuro - para lá de si própria -
O seu infinito contém
O seu passado - iluminado para aperceber
Novas épocas de dor."
Emily Dickinson
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
Não haverá lealdade, a não ser lealdade ao partido. Não haverá amor, a não ser amor ao Grande Irmão. Não haverá riso. Não haverá arte, literatura ou ciência.
Quando formos onipotentes, já não haverá mais necessidade de ciência. Não haverá distinção entre a beleza e a falta dela. Não haverá mais curiosidade nem alegria no processo da vida.
Todos os prazeres competitivos serão destruídos...
Mas sempre, sempre haverá a intoxicação do poder, sempre aumentando e sempre crescendo sutilmente. Se você quer uma imagem do futuro, imagine uma bota pisando num rosto humano - para sempre."
( 1984 - George Orwell - livro escrito em 1949)
a comparação levar-me-ia a tirar-te
de dentro da sua água, e a inventar-te
uma casa. Poria uma escada encostada
à parede, e sentar-te-ias num dos seus
degraus, lendo o livro da vida. Dir-te-ia:
«Não te apresses: também a água deste
rio é vagarosa, como o tempo que os
teus dedos suspendem, antes de virar
cada página.» Passam as nuvens no céu;
nascem e morrem as flores do campo;
partem e regressam as aves; e tu lês
o livro, como se o tempo tivesse parado,
e o rio não corresse pelos teus olhos.
NUNO JÚDICE
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Tenta uma experiência e constrói um palácio. Equipa-o com mármore, quadros,
ouro, pássaros do paraíso, jardins suspensos, todo o tipo de coisas…
E entra lá para dentro. Bem, pode ser que nunca mais desejasses sair de lá.
Talvez, de fato, nunca mais saísses de lá. Tudo está lá!
"Estou muito bem aqui sozinho!".
Mas, de repente — uma ninharia! O teu castelo é rodeado por muros,
e é-te dito: “Tudo isto é teu! Desfruta-o! Apenas não podes sair daqui!".
Então, creia-me, nesse mesmo instante quererás deixar esse teu
paraíso e pular por cima do muro. Ainda mais!
Todo esse luxo, toda essa plenitude, aumentará o teu sofrimento.
Sentir-te-ás insultado como resultado de todo esse luxo…
Sim, apenas uma coisa te falta: um pouco de liberdade!
Um pouco de liberdade e um pouco de liberdade.
DOSTOIÉVSKI
mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a Verdade
porque a meia pessoa que entrava,
só trazia o perfil da meia verdade
e sua segunda metade voltava igualmente
com meio perfil e os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta.
Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso onde a Verdade
esplendia seus fogos.
Era dividida em metades diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela
Nenhuma das duas era totalmente bela
E carecia optar.
cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão,
sua miopia.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira
lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho,
torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer.
Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes.
Depois enxaguam, dão mais uma molhada, agora jogando a
água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa,
e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar
do pano uma só gota.
Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram
a roupa lavada na corda ou no varal para secar.
Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa.
A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso;
a palavra foi feita para dizer.
Graciliano Ramos
mas não me importei com isso.
Eu não sou negro.
Em seguida, levaram alguns operários,
mas não me importei com isso.
Eu também não sou operário.
Depois prenderam os miseráveis,
mas não me importei com isso,
porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados,
mas como tenho meu emprego,
também não me importei.
Agora estão me levando,
mas já é tarde.
Como não me importei com ninguém,
ninguém se importa comigo.
Bertold Brecht
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Se o livro que estamos lendo não nos acorda com uma pancada na
cabeça, por que o estamos lendo?
Porque nos faz felizes, como você escreve?
Bom Deus, seríamos felizes precisamente se não tivéssemos livros
e a espécie de livros que nos torna felizes é a espécie de livros
que escreveríamos se a isso fôssemos obrigados.
Mas nós precisamos de livros que nos afetam como um desastre,
que nos magoam profundamente, como a morte de alguém a
quem amávamos mais do que a nós mesmos, como ser banido
para uma floresta longe de todos.
Um livro tem que ser como um machado para quebrar
o mar de gelo que há dentro de nós.
É nisso que eu creio."
Franz Kafka
Entrar dentro de uma pedra
Seria esse o meu caminho.
Deixar outrem tornar-se pombo
Ou rilhar com dentes de tigre.
Sou feliz por ser uma pedra.
Por fora, a pedra é um enigma:
Ninguém sabe como o desvendar.
Dentro, porém, deve ser fresca e silenciosa
Mesmo que uma vaca a calque com todo o seu volume,
Mesmo que uma criança a atire para um rio;
A pedra afunda-se, lenta, imperturbavelmente
Até ao fundo do leito
Onde os peixes vêm bater na pedra
E escutar.
Eu vi as faíscas voando
Quando duas pedras são friccionadas,
Talvez então não seja escuro, apesar de tudo, lá dentro;
Talvez exista uma lua brilhando
Desde algures, como se por trás de uma colina –
Apenas a luz suficiente para distinguir
Os estranhos escritos, as cartas astrais
Nas paredes de dentro.
CHARLES SIMIC
domingo, 27 de novembro de 2011
Os instantes que não vivi junto ao mar."
Sophia de Mello Breyner Andresen
Enquanto sentimos os males e as injúrias de Hamlet,
príncipe da Dinamarca, não sentimos os nossos
― vis porque são nossos e vis porque são vis.
O amor, o sono, as drogas e intoxicantes, são formas
elementares da arte, ou, antes, de produzir o mesmo efeito
que ela. Mas amor, sono, e drogas tem cada um a sua desilusão.
O amor farta ou desilude. Do sono desperta-se, e, quando se
dormiu, não se viveu. As drogas pagam-se com a ruína de
aquele mesmo físico que serviram de estimular.
Mas na arte não há desilusão porque a ilusão foi admitida
desde o princípio. Da arte não há despertar, porque nela não
dormimos, embora sonhássemos.
Na arte não há tributo ou multa que paguemos
por ter gozado dela.
O prazer que ela nos oferece, como em certo modo não
é nosso, não temos nós que pagá-lo ou
que arrepender-nos dele.
Por arte entende-se tudo que nos delicia sem que seja
nosso ― o rasto da passagem, o sorriso dado a outrem,
o poente, o poema, o universo objetivo.
FERNANDO PESSOA - O LIVRO DO DESASSOSSEGO
"E a morte perderá o seu domínio.
Nus, os homens mortos irão confundir-se
com o homem no vento e na lua do poente;
quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos
hão-de nos seus braços e pés brilhar as estrelas.
Mesmo que se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;
mesmo que sejam submersos pelo mar, eles hão-de ressurgir;
mesmo que os amantes se percam, continuará o amor;
e a morte perderá o seu domínio.
E a morte perderá o seu domínio.
Aqueles que há muito repousam sobre as ondas do mar
não morrerão com a chegada do vento;
ainda que, na roda da tortura, comecem
os tendões a ceder, jamais se partirão;
entre as suas mãos será destruída a fé
e, como unicórnios, virá atravessá-los o sofrimento;
embora sejam divididos eles manterão a sua unidade;
e a morte perderá o seu domínio.
E a morte perderá o seu domínio.
Não hão-de gritar mais as gaivotas aos seus ouvidos
nem as vagas romper tumultuosamente nas praias;
onde se abriu uma flor não poderá nenhuma flor
erguer a sua corola em direcção à força das chuvas;
ainda que estejam mortas e loucas, hão-de descer
como pregos as suas cabeças pelas margaridas;
é no sol que irrompem até que o sol se extinga,
e a morte perderá o seu domínio."
Dylan Thomas
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
de conhecimento, e uma paixão incansável de progredir nele, bem como
uma satisfação em cada passo à frente. Houve época em que pensei
que isso, apenas, podia construir a honra da humanidade, e desprezei
o homem comum que nada sabe. Rousseau me corrigiu. Esse conceito
cego desapareceu: aprendi a respeitar a natureza humana, e me
consideraria muito menos útil do que o trabalhador comum, se não
acreditasse que essa opinião dá a todos os demais o valor necessário
para estabelecer os direitos do homem."
ENMMANUEL KANT
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky para cima dele
e inalo fumo de cigarros
e as putas e os empregados de bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder-me o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?
Charles Bukowski
terça-feira, 22 de novembro de 2011
tanto o isolamento como o convívio.
Excessiva comunicação, debates exagerados de assuntos
que requerem meditação e peso moral, avesso muitas vezes à
cordialidade natural das afinidades eletivas,
não enriquecem o património de uma sociedade.
Antes embotam e alteram o terreno imparcial da sabedoria.
A solidão favorece a intensidade do pensamento; por outro lado,
torna de certo modo celerado o homem que lida com a força material,
com a técnica, com os outros homens.
O impulso é a força que atualiza estas duas atitudes.
Os ricos de impulso que se prontificam a uma reação agressiva
ou escandalosa, esses são associais especialmente difíceis.
Todo o revolucionário é associal, se o impulso for nele um desvio
da vida instintiva, e não uma atitude de homem capaz de
obedecer e mandar a si próprio.
«A felicidade máxima do filho da terra há-de ser a personalidade»
- disse Goethe. Personalidade criadora, obtida à custa do
ajustamento das nossas próprias leis interiores, que não serão
mais, no futuro, forças repelidas ou encobertas,
mas sim valiosas contribuições para o tempo do homem.
Quando tudo for analisado e conhecido, só o justo há-de prevalecer.
Agustina Bessa-Luís
Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.
Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.
O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.
Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.
CECÍLIA MEIRELES