segunda-feira, 11 de abril de 2011

(...) É uma coisa bastante notável que não haja homens tão embrutecidos e tão
estúpidos, sem excluir mesmo os insanos, que não sejam capazes de arranjar
conjuntamente diversas palavras, e de compô-las num discurso pelo qual façam
entender seus pensamentos; e que, ao contrário, não exista outro animal,
por mais perfeito e bem concebido que possa ser, que faça o mesmo.
E isso não se dá porque lhes faltem, órgãos, pois os papagaios podem proferir
palavras assim como nós, e, todavia, não podem falar como nós, isto é,
testemunhando que pensam o que dizem. Por outro lado, os homens que, tendo
nascido surdos e mudos, são desprovidos de órgãos que servem aos demais
para falar, tanto ou mais que os animais, costumam inventar eles próprios alguns
símbolos pelos quais se fazem entender a sua língua. E isso não demonstra
apenas que os animais possuem menos razão do que os homens, mas que não a
possuem absolutamente. Vemos que é preciso muito pouco para saber falar;
e já que se nota a desiguladade entre os animais de uma mesma espécie,
assim como entre os homens, e que uns são mais fáceis de serem adestrados
do que outros, não é crível que um macaco ou um papagaio, por mais perfeitos
que fossem, em sua espécie, não igualassem uma criança das mais estúpidas
ou pelo menos que tivesse cérebro perturbado, se a sua alma não fosse
de uma natureza inteiramente diferente da nossa."


Discurso do Método - Descartes

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