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Uma das hipóteses mais defendidas pela cultura moderna é que, quando
uma tecnologia nova surge, automaticamente, torna obsoletas as antigas
que faziam basicamente a mesma coisa. Um caso clássico é a charrete.
Quando se trocou carruagens por automóveis, no começo do século XX,
praticamente deixou de haver necessidade de charretes, e elas
desapareceream. Contudo, nem sempre é assim. Tecnologias mais antigas
costumam sobreviver à introdução das mais novas, quando ainda são
capazes de ter função de um modo que os novos aparelhos não podem fazer.
O melhor exemplo disso é a porta com dobradiças. Veja um filme de
ficção científica e preste atenção. Vai perceber que casas, escritórios e
naves espaciais do "futuro" quase sempre têm portas de correr. Os
cineastas sempre acreditaram que no futuro não haverá mais portas com
dobradiças; porque dobradiças são algo careta e desconfortável, cheia de
rangidos, enquanto portas de correr economizam espaço, são mais
elegantes e mais futuristas. Dessa forma, no pensamento popular as
dobradiças estão sempre à beira da extinção.
Mas por que então as portas de
dobradiças continuam conosco? Porque, embora as portas de correr sejam
esteticamente atraentes, na verdade elas apenas deslizam para lá e para
cá, enquanto que as portas com dobradiças são mais interessantes
exatamente por causa da forma como ocupam espaço, e se movimentam nele. É
possível sair detrás de uma porta dessas e surpreender alguém. É
possível bater muito alto uma porta com dobradiças para extravasar a
raiva ou fechá-la com muito cuidado para não acordar alguém. Uma porta
com dobradiças é uma ferramente expressiva. Ela responde ao nosso corpo
de uma forma que as portas de correr não respondem."
WILLIAM POWERS - O BLACK BERRY DE HAMLET
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