quarta-feira, 3 de abril de 2013

"No ensaio "Um Enforcamento", George Orwell observa o condenado que se dirige ao cadafalso
desviar-se de uma poça d'água. Para Orwell, isso representa exatamente o que ele
chama de "mistério" da vida que está para ser eliminada: mesmo sem nenhuma
boa razão para isso, o condenado ainda se preocupa em não sujar os sapatos.
É um gesto "irrelevante".

Mas o ensaio de Orwell, supondo que registre um fato verídico, mostra que esses efeitos
literários não são apenas convencionalmente irrelevantes ou formalmente arbitrários,
mas têm algo a nos dizer sobre a irrelevância da própria realidade.
Em outras palavras, a categoria do irrelevante ou inexplicável existe na vida.
Não havia razão lógica para o condenado evitar a poça d'água.
Era um simples hábito.
A vida, então, sempre encerra um excedente inevitável, uma margem de gratuidade,
um campo em que sempre há mais do que precisamos:
mais coisas, mais impressões, mais lembranças, mais hábitos,
mais palavras, mais felicidade, mais infelicidade."


Daniel Piza

Nenhum comentário:

Postar um comentário