segunda-feira, 30 de setembro de 2013


"Tentem reconstruir um diálogo de sua própria vida. O diálogo de uma briga ou o diálogo de um amor.
As situações mais caras, as mais importantes, ficam perdidas para sempre. 
O que sobra delas é seu sentido abstrato (defendi esse ponto de vista, ele um outro,
fui agressivo, ele defensivo), um ou dois detalhes, mas o concreto acústico-visual da
situação em toda a sua continuidade fica perdido.
E não apenas fica perdido, mas nem ao menos ficamos espantados com essa perda.
Ficamos resignados com a perda do concreto no tempo presente. Transformamos de
imediato o tempo presente em sua abstração. Basta contar um episódio que vivemos
a poucas horas: o diálogo se encolhe num breve resumo, o ambiente em alguns dados
gerais. Isto é válido até mesmo para as lembranças mais fortes que, como um
traumatismo, se impõe ao espírito: ficamos de tal modo fascinados por sua força que
não nos damos conta a que ponto seu conteúdo é esquemático e pobre.
Se estudamos, discutimos, analisamos uma realidade, a analisamos tal qual ela aparece
em  nosso espírito, em nossa memória. Só conhecemos a realidade do tempo passado.
Não a conhecemos tal qual ela é no momento presente, no momento em que acontece,
em que é. Ora, o momento presente não se parece com sua lembrança.
A lembrança não é a negação do esquecimento, A lembrança é uma forma de esquecimento.
Podemos manter assiduamente um diário e anotar todos os acontecimentos.
Um dia, relendo as notas, compreendemos que elas não são capazes de evocar uma
só imagem concreta. E, pior ainda: que a imaginação não é capaz de socorrer
nossa memória e de reconstruir o esquecido. Pois o presente, o concreto do presente,
como fenômeno a ser examinado, como estrutura, é para nós um planeta
desconhecido; não sabemos portanto nem como retê-lo em nossa memória
nem com reconstruí-lo pela imaginação. Morremos sem saber que vivemos."


MILAN KUNDERA

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