quarta-feira, 29 de setembro de 2010
desenvolvendo seu talento, seus dons singulares,
aperfeiçoando suas discriminações do mundo, ampliando
e aprimorando seu apetite, aprendendo a suportar os
desapontamentos da vida, amadurecendo, refinando-se
até chagar a ser finalmente uma criatura única na natureza,
com dignidade e nobreza, transcendendo a condição animal:
não mais agindo por impulso, não mais só um reflexo, não
feito em qualquer outro molde. E então a verdadeira tragédia ...
são necessários sessenta anos de esforços e sofrimentos
incríveis para se fazer esse indivíduo,
e então ele só serve para morrer?"
ERNEST BECKER
A seiva em minhas veias. A alegria
Espontânea se foi. O fogo esfria
No coração. Algo mantém cerceado
Meu potro, como se o divino passo
Já não lembrasse o Olimpo, a asa, o espaço,
Sob o chicote, trêmulo, prostrado,
E carregasse pedras. Diabos levem
As peças de teatro que se escrevem
Com cinqüenta montagens e cenários,
O mundo de patifes e de otários,
E a guerra cotidiana com seu gado,
Afazer de teatro, afã de gente,
Juro que antes que a aurora se apresente
Eu descubro a cancela e abro o cadeado.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
apressar juízos.
Imita o caminhante cauteloso
que nem sim nem não
responde pressuroso.
Revela-se o mais tolo
entre os tolos aquele
que sem meditação
afirma ou nega.
A pressa é causa
de que muitas vezes
a opinião geral
conclua erradamente,
havendo a paixão
tomado o lugar
do raciocínio.
Com maior dano volta
da procura da verdade,
aquele que não se preparou
para encontrá-la.
DANTE ALIGHIERI
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Minha boca pronunciou e pronunciará, milhares de vezes e nos dois
idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte o entendo.
Hoje de manhã, dia primeiro de julho de 1969, quero tentar uma
oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma tarefa
que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em primeiro
lugar, que me está vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus
olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não
são particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do tempo é
uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê,
por ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro,
é pedir que já se tenha rompido. Ninguém merece tal milagre.
Não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é
um ato alheio e só eu posso salvar-me. O perdão purifica o ofendido,
não o ofensor, a quem quase não afeta. A liberdade de meu arbítrio é
talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar que dou. Posso dar a coragem,
que não tenho; posso dar a esperança, que não está em mim; posso
ensinar a vontade de aprender o que pouco sei ou entrevejo.
Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo; que alguém
repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que viu à
meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez
a ouviu de meus lábios. O restante não me importa; espero que o
esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo,
mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar
esses desígnios, que não nos serão revelados.
Quero morrer completamente; quero morrer com
este companheiro, meu corpo.
JORGE LUIS BORGES
Todo homem é uma ilha...
É bom ser uma ilha distante
tanto quanto é bom ser um homem.
Todo homem possui uma ponte
pois é preciso sair da ilha, seguro.
A ponte de um homem é um braço estendido.
Todo homem é um mundo.
O mundo roda no sistema egocêntrico
de suas realidades,
pequenos alumbramentos,
medos e coragens.
E quando o homem encara o mundo e se depara
- homem-mundo,
mundo-homem,
volta à ilha:
Todo homem ama sua ilha.
II
O homem faz o homem.
E porque fez o homem, sem nem o homem querer
aufere direitos do homem.
Diz a ele: Cresça!
E ele fica mais alto.
Diz ao homem: Trabalhe!
E ele usa o corpo.
Diz ao homem: Viva!
E ele respira e existe.
Diz ao homem: Ame!
E ele não sabe como.
Mas diz ao homem: Procrie!
E ele faz homens.
Um dia ele morre.
Se a vida foi longa para viver
- é curta para morrer
- porque o homem não fez,
não escolheu,
não pensou nada.
III
O que faz um homem diferente de outro homem
é o que ele pensa.
O que o transforma, também,
de um simples fazedor de homens,
num criador de homens.
Todo homem é uma vontade.
E se deixa de ser vontade
teme a perda de sua posse.
Todo homem é uma consciência.
Nela inclui o seu saber
e a parte maior do não saber,
e se aceita o fato, é com ela que ele se entende.
Todo homem é seu corpo.
E sabe dele em contraste com outro corpo,
tal é a sua medida.
Como também, a medida de um homem é a sua carência:
porque é assim que ele se assume,
porque é assim que ele se liberta.
Quanto mais ele precisa
mais ele é maior. E dá.
Pede. Reivindica. Exige, quanto pode.
Luta e sofre.
Todo homem quer deixar sua ilha.
Temeroso de ter que voltar um dia, entretanto,
não destrói as pontes.
Enquanto isso, a ilha fica ali, só ilha.
A ponte fica ali, só ponte.
E o homem fica ali, só homem.
Carlos Drummond de Andrade
domingo, 26 de setembro de 2010
de toda arte e de toda ciência verdadeira.
Quem não a experimenta está praticamente morto.
Esse sentimento está no centro da verdadeira religiosidade.
Um humano é parte do todo. Ele experimenta a si mesmo,
seus pensamentos e seus sentimentos como algo
separado do resto - uma espécie de ilusão de ótica de
sua consciência.
ALBERT EINSTEIN
E do primeiro declive da carne
Eu aprendi a língua do homem, para mudar as normas de pensamentos
Na linguagem pedregosa do célebro
Obscurecer e tricotar um remendo de palavras novamente
Deixado pela morte que em seus campos escuros,
Necessita do calor tépido de alguma palavra.
As raízes da língua concluem-se em um câncer metastático
Nada mais que nome, onde fantasias têm seu lado exclusivo.
Eu aprendi os verbos do desejo, e tinha meu segredo;
O código noturno tocou em minha língua;
O que tinha sido um, eram muitos sons benéficos.
Um útero, uma mente vomitou o corpo,
O seio sugara para terminar a febre;
Da dissolução do céu, eu aprendi a multiplicar,
As duas carcaças esféricas que giravam numa pontuação;
Milhões de mentes sugara tal alimento
Como aforquilhar meus olhos;
A juventude condensou; as lágrimas da primavera
Dissolvendo no verão e as centenas estações;
Um sol, uma maná, aquecido e alimentado.
DYLAN THOMAS
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
do mundo oriental é de natureza orgânica.
Nossa tendência em dividir o mundo percebido em objetos
individuais e em nos perceber como "egos" isolados neste mundo,
constitui uma ilusão gerada por nossa mentalidade apegada
às medidas e às categorias.
Quando penetramos no seio da matéria, a natureza não nos
fornece o espetáculo de tijolos elementares isolados,
mas se apresenta como um tecido de relações entre
as diversas partes de um todo unificado.
FRITJOF CAPRA
A pena de viver e a dor de amar
E quando nada mais interessar
(Nem o torpor do sono que se espalha)
Quando pelo desuso da navalha
A barba livremente caminhar
E até Deus em silêncio se afastar
Deixando-te sozinho na batalha
A arquitetar na sombra a despedida
Deste mundo que te foi contraditório
Lembra-te que afinal te resta a vida
Com tudo que é insolvente e provisório
E de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório.
Carlos Pena Filho
terça-feira, 21 de setembro de 2010
Poderosa, temível, pois não és assim,
Pobre morte: não poderás matar-me a mim,
E os que presumes que derrubaste, não morrem.
Se tuas imagens, sono e repouso, nos podem
Dar prazer, quem sabe mais nos darás? Enfim,
Descansar corpos, liberar almas, é ruim?
Por isso, cedo os melhores homens te escolhem.
És escrava do fado, de reis, do suicida;
Com guerras, veneno, doença hás de conviver;
Ópios e mágicas também têm teu poder
De fazer dormir. E te inflas envaidecida?
Após curto sono, acorda eterno o que jaz,
E a morte já não é; morte, tu morrerás.
JOHN DONNE
Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.
Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.
PAULO LEMINSKI
sábado, 18 de setembro de 2010
Nós vamos morrer, e isso nos torna afortunados.
A maioria das pessoas nunca vai morrer, porque nunca vai nascer.
As pessoas potenciais que poderiam estar no meu lugar, mas que jamais
verão a luz do dia, são mais numerosas que os grãos de areia da Arábia.
Certamente esses fantasmas não nascidos incluem poetas maiores
que Keats, cientistas maiores que Newton. Sabemos disso porque o
conjunto das pessoas possíveis permitidas pelo nosso DNA excede
em muito o conjunto de pessoas reais. Apesar dessas probabilidades
assombrosas, somos eu e você, com toda a nossa banalidade, que aqui estamos
Richard Dawkins- Deus, um delírio
Não indagues se nossas estradas,tempo e vento,desabam no abismo.
Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite,enche-o de estrelas.
Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre para o mais alto.
No deslumbramento da ascensão
se pressentires que amanhã estarás mudo
esgota,
como um pássaro,
as canções que tens na garganta.
Canta.
Canta para conservar a ilusão de festa e de vitória.
Talvez as canções adormeçam as feras
que esperam devorar o pássaro.
Desde que nasceste não és mais que um vôo no tempo.
Rumo ao céu?
Que importa a rota.
Voa e canta enquanto resistirem as asas.
Menotti del Picchia
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
É numa relação negativa que a mulher torna o homem produtivo na
idealidade... relações positivas com a mulher tornam o homem
finito nas mais amplas proporções. Isso significa que a mulher
é necessária na medida em que permanece uma Ideia em que o homem
projeta sua própria transcendência; mas que é nefasta enquanto
realidade objetiva, existindo por si e limitada a si."
KIERKEGAARD
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida Severina.
João Cabral de Mello Neto
terça-feira, 14 de setembro de 2010
O espírito do homem é como um rio que procura o mar.
Represem-no e aumentarão
a sua força. Não responsabilizem o homem pelas suas
explosões devastadoras!
Condenem antes a força da vida!
O espírito que nos anima pode assumir as mais
diversas formas: tornar-nos semelhantes a anjos,
a demónios ou a bestas.
A cada um a sua escolha. Nada barra o caminho
ao homem para além das
fantasmagorias dos seus medos.
O mundo é a nossa casa, mas teremos ainda
que a ocupar; a mulher que amamos está à nossa espera,
mas não sabemos onde
encontrá-la; o atalho que buscamos está sob os nossos pés,
mas não o
reconhecemos. Quer sejamos deste mundo por
muito ou pouco tempo, os poderes
por explorar são ilimitados.
HENRY MILLER
Desde que eu meu lábio levei ao copo plenamente cheio ,
Desde que eu minhas mãos coloquei em minha fronte pálida,
Desde que eu respirei às vezes o sopro suave
De tua alma , perfume de tua sombra enterrada,
Desde que me era dado ouvir um ao outro me chamar
As palavras que se derramam no coração misterioso,
Desde que eu vi chorar , desde que eu vi sorrir
Sua boca em minha boca e seus olhos em meus olhos;
Desde que eu vi brilhar em minha cabeça encantada
Um raio de tua estrela, ai! sempre escondida ,
Desde que eu vi desabar nas ondas de minha vida
Uma folha de rosa arrancou os teus dias,
Eu me coloco agora a contar os rápidos anos :
- Passam! Passam sempre! Eu não tenho mais a idade !
Vou partir para que tuas flores desbotem todas;
Eu tenho na alma uma flor que ninguém pode colher!
Suas asas batendo não farão que nada se derrame
Do vaso d’água que bebo e que eu bem enchi
Minha alma não tem mais fogo do que vós possuis em cinzas!
Meu coração não tem mais amor do que vós possuis esquecimento!
VITOR HUGO
domingo, 12 de setembro de 2010
ao que é afirmado. Ambos devem ser buscados em comum.
Ao longo de boa parte de sua história, a ciência parece ter
sido guiada pela máxima: "Deus está no pormenor", o misticismo
pela afirmação "Deus é o círculo cujo centro está em toda parte
e cuja circunferência não está em lugar algum".
Hoje, a ciência busca os limites da natureza, o misticismo, sua
infinitude; uma, a gota do oceano, o outro, a onda.
A ciência quer explicar, o mistério do ser, o misticismo quer
experimentá-lo.
KEN WILBER
Toda paisagem tem um ar de sonho.
Vejo o tempo parado, inutilmente.
Tudo é menos real do que suponho.
Interrompi teu sonho, natureza.
Diante de um ser humano, de repente
Apareces tomada de surpresa.
No espaço que me cerca estou suspenso.
Em redor um olhar pasmado e mudo
E no ar a ameaça do silêncio denso.
Em todo sonho existe um extasiado
Olhar adormecido que vê tudo
Senhor, eu sou o objeto contemplado
Dante Milano
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
cidades que parecem destruídas pelo fogo, porém
os condenados se sentem à vontade ali.
São felizes a sua maneira, ou seja, estão cheios
de ódio, e esse império não tem soberano, seus
habitantes estão continuamente conspirando uns
com os outros.
Esse é o mundo dos complôs, da política sórdida.
Isso é o inferno.
JORGE LUIS BORGES
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
A vida divide-se em três períodos: o que foi, o que é,
e o que há de ser. Destes o que vivemos é breve,
o que havemos de viver, duvidoso; o que já vivemos certo...
O tempo presente é brevíssimo, tanto que a alguns parece
não existir, pois está sempre em movimento; frui e
precipita-se; deixa de ser antes de vir a ser; é tão incapaz
de deter-se, quanto o mundo ou as estrelas, cujo
infatigável movimento não lês permite permanecer
no mesmo lugar...
Sêneca - Sobre a Brevidade da Vida
A abelha que, voando, freme sobre
A colorida flor, e pousa, quase
Sem diferença dela
À vista que não olha,
Não mudou desde Cecrops.
Só quem vive
Uma vida com ser que se conhece
Envelhece, distinto
Da espécie de que vive.
Ela é a mesma que outra que não ela.
Só nós ó tempo, ó alma, ó vida, ó morte!
Mortalmente compramos
Ter mais vida que a vida.
RICARDO REIS
sábado, 4 de setembro de 2010
A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono.
Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é
revolucionária por natureza; exercício espiritual é um método de
libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro.
Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem;
regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular.
Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio,
pela angústia e pelo desespero. Oração, litania, epifania, presença.
Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação
do inconsciente. Expressão histórica de raças, nações, classes.
Nega a história: em seu seio resolvem-se todos os conflitos e o
homem adquire, afinal, a consciência de ser algo de passagem.
Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não-dirigido.
Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar em forma superior;
linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras.
Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da odéia.
Loucura, êxtase, logos. regresso à infância, coito, nostalgia do
paraíso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho atividade ascética.
Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo.
Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo,
e métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, da
harmonia universal. Ensinamento, moral, exemplo, revelação,
dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos escolhidos,
palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular e
minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada,
escrita, ostenta todas as faces, embora exista quem afirme que
não tem nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio,
bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana!
OCTAVIO PAZ
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida.
Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
(...) Escreveu Dostoievsky: «Se Deus não existisse, tudo seria permitido.»
É esse o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido
se Deus não existe, e, por conseguinte, o homem encontra-se abandonado,
porque não encontra em si, nem fora de si, a que agarrar-se.
Ao começo não tem desculpa. Se, na verdade, a existência precede a
essência, não é possível explicação por referência a uma natureza humana
dada e hirta; dito de outro modo, não há determinismo, o homem é livre,
o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos
em face de nós valores ou ordens que legitimem a nossa conduta.
Assim, não temos nem por detrás de nós nem à nossa frente, no domínio
luminoso dos valores, justificação ou desculpas. Estamos sozinhos, sem
desculpa. É o que exprimirei dizendo que o homem está condenado a ser livre.
Se suprimi Deus Pai, cumpre que alguém invente os valores.
Temos de tomar as coisas como elas são. Aliás, dizer que inventamos os
valores não significa senão isto: a vida não tem sentido a priori. Antes de
vivermos, a vida é coisa nenhuma, mas é a nós que compete dar-lhe
um sentido, e o valor não é outra coisa senão o sentido
que tivermos escolhido.
Jean-Paul Sartre - O Existencialismo é um Humanismo
Los ojos andan de día en día
Las princesas posan de rama en rama
Como la sangre de los enanos
Que cae igual que todas sobre las hojas
Cuando llega su hora de noche en noche.
Las hojas muertas quieren hablar
Son gemelas de voz dolorida
Son la sangre de las princesas
Y los ojos de rama en rama
Que caen igual que los astros viejos
Con las alas rotas como corbatas
La sangre cae de rama en rama
De ojo en ojo y de voz en voz
La sangre cae como corbatas
No puede huir saltando como los enanos
Cuando las princesas pasan
Hacia sus astros doloridos.
Como las alas de las hojas
Como los ojos de las olas
Como las hojas de los ojos
Como las olas de las alas.
Las horas caen de minuto en minuto
Como la sangre
Que quiere hablar.
VICENTE HUIDOBRO