A vida que se vive é um desentendimento fluido, uma média alegre
entre a grandeza que não há e a felicidade que não pode haver.
No baile de máscaras, basta-nos o agrado do traje, que no baile é tudo.
Assim, vestidos de corpo e alma, com os nossos múltiplos trajes tão
pegados a nós como as penas de aves, vivemos felizes ou infelizes,
ou nem até sabendo o que somos, o breve espaço que nos dão os
deuses para os divertirmos, como crianças que brincam com jogos
sérios.
Um ou outro de nós, liberto ou maldito, vê de repente, que tudo quanto
somos é o que não somos, que nos enganamos no que está certo
ou não temos razão no que concluímos justo.
E sempre, desconhecendo-nos a nós mesmos e aos outros, e por isso
entendendo-nos alegremente, passamos nas volutas da dança ou nas
conversas do descanso, humanos, fúteis, a sério, ao som da grande
orquestra dos astros, sob os olhares desdenhosos e alheios dos
organizadores do espetáculo.
Só eles sabem que nós somos presas da ilusão que nos criaram....
FERNANDO PESSOA
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