domingo, 13 de maio de 2012

(Adrian Borda)



"E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes,
 maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista,
nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma.
Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência
 da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna;
um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e
nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos
faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus
 dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra
coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse,
 da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes,
repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que
 ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas,
 o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação
 de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava
 ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância
– irmãos siameses que não estão pegados."



Fernando Pessoa

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