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O sentido do mundo emerge fora do mundo.
No mundo, tudo é como é e acontece como acontece.
Wittgenstein
Somos morte. Estamos dormindo, e esta vida é umsonho, não num sentido metafórico ou poético, mas numsentido verdadeiro. Que é o ideal senão a confissão de quea vida não serve?O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.Povoamos sonhos, somos sombras errando através de florestas impossíveis, em que as árvores são casas, costumes, ideias, ideais e filosofias. GOETHE
Não haverá uma só coisa que não sejauma nuvem. São nuvens as catedraisde vasta pedra e bíblicos cristaisque o tempo aplanará. São nuvens a Odisséiaque muda como o mar. Algo há distintocada vez que a abrimos. O reflexode tua cara já é outro no espelhoe o dia é um duvidoso labirinto.Somos os que se vão. A numerosanuvem que se desfaz no poenteé nossa imagem. Incessantementea rosa se converte noutra rosa.És nuvem, és mar, és olvido.És também aquilo que perdeste. Jorge Luis Borges
Somos feitos assim de espaçadas costelas, entremeadas de vãos e entrânciaspara que o coração seja exposto e ferível. MIA COUTO - escritor moçambicano
Qual é o valor, para sobrevivência, da contração involuntária e simultânea de quinze músculos faciais associados a certos ruídos frequentemente irreprimíveis?
O riso é um reflexo, porém único porque não serve a nenhum propósito biológico manifesto; poderíamos chamá-lo um reflexo de luxo. Sua únca função utilitária, pelo que se pode perceber, é proporcionar alívio temporário para as pressões utilitaristas. Na esfera evolucionista onde o riso emerge, um quê de frivolidade parece invadir sorrateiramente um universo sem humor governado pelas leis da termodinâmica ou pela sobrevivência dos mais aptos. Arthur Koestler - O Ato de Criação
Levarás contigo meu último soprode poesia; depois uma nuvem carregadade presságios funestos escureceráa luz que nos foi concedida.Não foste um simples fulgor,chegaste inesperada, voz de salvação.Um som límpido os cristaisemitem quando o ventoos afloram, claridadefá-los esplender como incandescentesarco-íris, que iluminam em derredor.Ao redor o mundo descolora.*** Vale a pena ler o original :Porterai com te l'ultima ventatadi poesia; poi una nube gonfiadi presagi funesti oscureràla luce che ci fu concessa.Non fosti un semplice bagliore,giungesti inaspettata, voce di salvazione.Un suono limpido emettonoi cristalli quando il ventoli sfiora, il chiarore li fa splenderecome incandescenti arcobaleniche illuminano d'attorno.Intorno il mondo scolora. *** Eugenio Montale, poema nº 65Trad. de Ivo Barroso(1896-1981) Prémio Nobel de Literatura de 1975
Se o amor é apenas razoável, não é mais amor. EDGAR MORIN
Não posso estar em erro acerca de 12x12 ser 144. E não se pode opor a certeza matemática à relativa incerteza das proposições empíricas. Porque a proposição matemática foi obtida por uma série de ações que não são de modo algum diferentes das ações da restante vida e são no mesmo grau afetadas por esquecimentos, lapsos e confusões.“(...) Se a proposição 12x12=144 está fora de dúvida, então também as proposições não–matemáticas têm de estar” . WITTGENSTEIN
SONETO DE AGOSTO
Tu me levaste, eu fui... Na treva, ousados
Amamos, vagamente surpeendidos
Pelo ardor com que estávamos unidos
Nós que andávamos sempre separados.
Espantei-me, confesso-te, dos brados
Com que enchi teus patéticos ouvidos
E achei rude o calor dos teus gemidos
Eu que sempre os julgara desolados.
Só assim arrancara a linha inútil
Da tua eterna túnica insonsútil...
E para glória do teu ser mais fraco
Quisera que te vissem, como eu via
Depois, à luz da lâmpada macia
O púbis negro sobre o corpo branco.
VINÍCIUS DE MORAES
O mais sábio dos homens seria o mais rico em contradições(e teria) de vez em quando momentos de grandiosa harmonia. NIETZSCHE
A crise contemporânea é filosófica. A filosofia do individualismoliberal, bem como a redução coletivista das filosofias totalitárias,têm-se demonstrado incapazes de construir estruturas de vida que sejam realmente humanas. O fato fundamental da existência humana não é nem o indivíduo enquanto tal nem a coletividade enquanto tal. Ambas, consideradas em si mesmas, não passam de grandes abstrações. O indivíduo é um fato da existência na medida em que entra em relações vivas com outros indivíduos; a coletividade é um fato da existência na medida em que se edifica com unidades vivas de relação. O fato fundamental da existência humana é O HOMEM COM O HOMEM. E eis que a morte de uma filosofia individualista, bem como de uma filosofia coletivista, podem promover o nascimento de um futuro solidário, em que o homem viva COM o homem. MARTIN BUBER
Uma após uma as ondas apressadas Enrolam o seu verde movimento E chiam a alva espuma No moreno das praias. Uma após uma as nuvens vagarosas Rasgam o seu redondo movimento E o sol aquece o espaço Do ar entre as nuvens escassas. Indiferente a mim e eu a ela, A natureza deste dia calmo Furta pouco ao meu senso De se esvair o tempo. Só uma vaga pena inconsequente Pára um momento à porta da minha alma E após fitar-me um pouco Passa, a sorrir de nada.
RICARDO REIS
Procura a simplicidade e, depois, desconfia dela. ALBERT WHITEHEAD
É inútil construir tal modelo de franqueza: a vida só é tolerável pelo grau de mistificação que se põe nela. Tal modelo seria a ruína da sociedade, pois a “doçura” de viver em comum reside na impossibilidade de dar livre curso ao infinito de nossos pensamentos ocultos. É porque somos todos impostores que nos suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao falso. Não há herói moral que não seja ou pueril, ou ineficaz, ou inautêntico; pois a verdadeira autenticidade é o aviltamento na fraude, no decoro da adulação pública e da difamação secreta. Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados para sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de olhar cara a cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre nós mesmos, nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se. A dissimulação arrasta tudo o que vive, desde o troglodita até o cético. Como só o respeito das aparências nos separa dos cadáveres, precisar o fundo das coisas e dos seres é perecer; conformemo-nos a um nada mais agradável: nossa constituição só tolera uma certa dose de verdade… Emil Cioran - Breviário da Decomposição
O que nós vemos das cousas são as cousas. Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra? Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos Se ver e ouvir são ver e ouvir?
O essencial é saber ver, Saber ver sem estar a pensar, Saber ver quando se vê, E nem pensar quando se vê Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender E uma seqüestração na liberdade daquele convento De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas E as flores as penitentes convictas de um só dia, Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas Nem as flores senão flores. Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.
ALBERTO CAEIRO
Creio não ter um único inimigo ou, se os tive, nunca fui informado disso. A verdade é que ninguém pode ferir-nos, salvo aqueles que amamos. Jorge Luis Borges - Elogio da Sombra
Dizer o que pensamos é uma forma de liberdade; mas
para exercer essa liberdade certas regras se impõem.
Apesar de Camus ter afirmado que " liberdade é o
direito de não mentir", não somos livres a ponto de
sairmos por aí declarando "nossas verdades"
destemida e impunemente. Temos que levar em
consideração certas noções de hora e lugar, de
finalidade, além da vulnerabilidade dos ouvidos que
irão receber nossas "livres palavras". Gosto de uma
afirmação sobre a liberdade de expressão que diz:
" os que defendem a liberdade de expressão são
geralmente aqueles que querem abusar dele." E
"despejar" verdades ostensivamente é um grande
abuso.
(LU)
Se o poeta falar num gato, numa flor, Num vento que anda por descampados e desvios E nunca chegou à cidade... Se falar Numa esquina mal e mal iluminada... Numa antiga sacada... num jogo de dominó... Se falar naqueles obedientes soldadinhos De chumbo que morriam de verdade... Se falar na mão decepada no meio De uma escada de caracol... Se não falar em nada E disser simplesmente tralalá... Que importa? Todos os poemas são de amor! MARIO QUINTANA
É preciso ter uma mente muito fora do comum, para analisar o óbvio. Albert Whitehead
Para Bergson há o tempo real: a duração; tempo que é mudança essencial e contínua; tempo que passa incessantemente modificando tudo e que constitui a própria essência da realidade psíquica. Porém, não é assim que percebemos a realidade; presos aos hábitos da inteligência e visando a nossa ação no mundo, percebemos a realidade como estática e passível de ser fragmentadas em partes que facilitam nosso agir no mundo. Temos, assim, uma concepção espacial da realidade, que olha o mundo do ponto de vista da extensão. A esta visão espacial da realidade, escapa o tempo real, que flui incessantemente em seu contínuo movimento, porque pensa o tempo nos moldes do espaço e, assim, concebe um tempo ilusório: o tempo "espacializado", originado da confusão que inadvertidamente se faz entre tempo e espaço. E a consciência, imbuída de representações espaciais, olha para si mesma e não se reconhece como duração pura, enxerga estados que se sucedem sem se penetrarem, não vê o eu no seu conjunto inter-relacionado, esquece o passado num lugar escondido sem relação com o presente, torna as sensações e os sentimentos unidades estanques sem movimento, concebe a imobilidade como substrato da realidade.(Lu)
Passado, Presente, FuturoEu fui. Mas o que fui já me não lembra:Mil camadas de pó disfarçam, véus,Estes quarenta rostos desiguais.Tão marcados de tempo e macaréus.Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:Rã fugida do charco, que saltou,E no salto que deu, quanto podia,O ar dum outro mundo a rebentou.Falta ver, se é que falta, o que serei:Um rosto recomposto antes do fim,Um canto de batráquio, mesmo rouco,Uma vida que corra assim-assim. José Saramago - Os Poemas Possíveis
Sentado à janela, contemplo com os sentidosesta coisa nenhuma da vida universal que está lá fora. Fernando Pessoa
No mito, a história dirige-se para o seu ponto de partida, para o passado. Nós, modernos, educados na ideia do progresso, só admitimos o movimento em direção a um ponto ideal situado no futuro, enquanto que para o mito o devir não é significativo. O mito é uma forma de história para aqueles que sentem o passado como atual, de algum modo paralelo ao momento em que vivem. EMIL CIORAN
Ou os homens estão sós, diante da natureza, sem grupo ou sociedade, ou eles passam a viver na política e, então, não há mais mundo. Michel Serres - filósofo francês
Pensou: 'Muito barulho à toa, por nada. Por nada'. Essa vida era–lhe dada à toa, ele não era nada e, no entanto, não mudaria mais. Estava formado. Tirou os sapatos e ficou imóvel, sentado no braço da poltrona, um sapato na mão. Sentia ainda no fundo da garganta o calor adocicado do rum. Bocejou. O dia estava acabado e acabava sua mocidade. Morais comprovadas já lhe ofereciam seus serviços. O epicurismo desabusado, a indulgência sorridente, a resignação, a seriedade de espírito, o estoicismo, tudo isso que permite apreciar, minuto por minuto, como bom conhecedor, uma vida malograda. Tirou o paletó, pôs–se a desfazer o nó da gravata. Repetia bocejando: – Não tem dúvida, não tem dúvida, estou na idade da razão. JEAN PAUL SARTRE - Filósofo existencialista
Como se uma estrela hidráulica arrebatada das poças,Tu sim deslumbras, Por coroação: por regiões ativas de levantamento: por azougue da cabeça,Brilhas pela testa acima,Ceptro: potência – ah sempre que o chão crepitados charcos de ouro,E no corpo trancado a veias e nervos: o sangue que se afunda e faz tremer tudo, Tocascom um arrepio de unha a unhao mundo, Pontada que te abre e aumentaou- onde se um troço dessa massa intestina: e como respirada: às queimaduras primitivas – Boca: sexo: vivezadas tripas: uma glândula que te move ao centro, Amadureces como um ovo,Na traça carnal: todo com um golpe com muita força para dentro Herberto Helder - Portugal
A ciência é um enigma que renasce, uma solução que cria um problema. GASTON BACHELARD
Não se pode dizer que já não há piedade, não, deuses do céu, nós não cessámos de falar nela. Simplesmente, já não se absolve ninguém. Sobre a inocência morta pululam os juízes, os juízes de todas as raças, os de Cristo e os do Anticristo, que são, aliás, os mesmos, reconciliados no "desconforto". Aquele que adere a uma lei não teme o julgamento que o reinstala numa ordem em que crê. Mas o maior dos tormentos humanos é ser julgado sem lei. Nós vivemos, porém, neste tormento. Uma pessoa das minhas relações dividia os seres em três categorias: os que preferem não ter nada que esconder a serem obrigados a mentir, os que preferem mentir a não ter nada que esconder e, finalmente, os que amam ao mesmo tempo a mentira e o segredo. Deixo à sua escolha o compartimento que me convém. Que importa, no fim de contas? As mentiras não conduzem finalmente à via da verdade? E as minhas histórias, verdadeiras ou falsas, não tenderão todas para o mesmo fim, não terão o mesmo sentido? Que importa, então, que sejam verdadeiras ou falsas se, nos dois casos, são significativas do que fui e do que sou? Albert Camus
O que de nós mais dura: só esqueleto que nos fez ósseos mais do que moluscos.O resto acaba tudo: quanto foi sentidos,vontade, amor, inteligência, carne,e sobretudo sexo, o sexo acabae se desfaz na mesma pasta informee fim de tudo que não é só ossos,apenas os detritos da armação mecânicade que se pendurou por algum tempo,em sangue e carne, o porque somos vida.E aquilo com que a vida se gozouou por acaso vidas foram feitas,acaba como o mais – e os ossos ficam,dos deuses esburgados. Porque os deuses tememque sobreviva o sexo em de que morremna liberdade de existir-se nele. Jorge de Sena - Portugal
Somos filhos e órfãos do cosmos, pois dele nosdistanciamos pela cultura e pela consciência. EDGAR MORIN
A beleza de um corpo nu só a sentem as raças vestidas.O pudor vale sobretudo para a sensualidade como obstáculopara a energia. A artificialidade é a maneira de gozar a naturalidade. O que gozei destes campos vastos, gozei-o porque aqui não vivo. Não sente a liberdade quem nuncaviveu constrangido. A civilização é uma educação de natureza.O artificial é o caminho para uma apreciação do natural.O que é preciso, porém, é que nunca tomemos o artificialpor natural. É na harmonia entre o natural e o artificial queconsiste a naturalidade da alma humana superior. FERNANDO PESSOA
ÍTACA
Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrará
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda a espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas. Konstantinos Kaváfis
É importante que eu seja luta, êxito,
fim e contradição dos fins.
Aquele que prevê a minha vontade
prevê também os caminhos tortuosos
que precisa seguir.
(NIETZSCHE)
Como pensar em ecologia sem incluir a preservação
das palavras? E com a ecologia das palavras, quem se
preocupa? E os lençóis subterrâneos da fala que são
contaminados pelo sarcasmo, pelo cinismo e, sobretudo,
pela indiferença, quem cuida de sua prevenção?
Corremos o risco de perder a natureza quando deixamos
que a linguagem fale em nosso lugar e não mais falamos
por ela. Quando somente transferimos a responsabilidade
de dizer e de nomear pelo ato de repetir.
Não é o comportamento que condiciona as palavras.
Mas as palavras formam o comportamento. As palavras
são o comportamento. Somos palavras.
(FABRÍCIO CARPINEJAR)
A vida que não tive
morre em mim até hoje.
Chega, límpida, pura,
sorri, pálida, foge.
A vida que não tive
salta, viva, de tudo.
Se me sorri nos olhos,
com que ilusão me iludo.
A vida que não tive
é o que há de mim em mim,
chama, orvalho, segredo
do nunca de onde vim.
EMILIO MOURA
Não é duvidoso que a fórmula mais próxima à verdade será aquela que num giro mais unitário e harmonioso valha para o maior número de particularidades - e, como num tear, um só golpe tece até mil fios. ORTEGA Y GASSET
Ler corretamente é correr grandes riscos.É tornar vulnerável nossa identidade, nosso autodomínio.Na primeira fase da epilepsia, ocorre um sonho característico (Dostoievski nos fala sobre isso).De algum modo a pessoa se desprende de seu próprio corpo; ao olhar para trás, vê-se a si mesma e sente um súbito medo alucinante; uma outra presença está entrando em seu próprio ser, e não há caminho de volta.Sentindo esse medo, a mente busca um abrupto despertar.Assim deveria ser quando temos nas mãos uma importante obra literária ou filosófica, ficcional ou doutrinária.Pode vir a nos possuir tão completamente que, por um momento, permanecemos com medo de nós mesmos e em estado de imperfeito reconhecimento.Quem leu A Metamorfose de Kafka e consegue se olhar no espelho sem se abalar, talvez seja capaz, do ponto de vista técnico, de ler a palavra impressa, mas é analfabeto no único sentido que importa. George Steiner - Linguagem e Silêncio.
Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.
Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.
O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.
Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.
CECÍLIA MEIRELLES
Há quem gostaria de melhorar os homens e quem estime que isso poderia acontecer melhorando antes as condições de vida. Mas rapidamente se vê que uma coisa não anda sem a outra e não se sabe por onde começar. ANDRÉ GIDE
"Por que será que o amor é imensamente mais rico do que qualquer outra possibilidade humana? Por que se mostra, aos que são tocados por ele, como um doce fardo? Porque nos transformamos naquilo que amamos sem deixarmos de ser nós mesmos. Gostaríamos, então, de agradecer à pessoa amada e não encontramos nada que seja suficiente para tanto. Só podemos agradecer através de nós mesmos. O amor transforma o agradecimento em fidelidade para conosco e em crença incondicional no outro. Dessa forma, o amor intensifica constantemente o seu segredo mais peculiar.
A proximidade implica aqui a maior distância diante do outro. Essa distância não deixa nada desaparecer, mas nos lança ao seio da simples presença de uma revelação transparente, apesar de incompreensível. O coração nunca está em condições de dominar o despontar repentino do outro em nossa vida. Um destino humano entrega- se a um destino humano, e o ofício do amor puro/ casto é manter desperta essa entrega exatamente como no primeiro dia" (Trecho de uma carta de Martin Heidegger a Hannah Arendt)
- De quem gostas mais?, diz lá, estrangeiro.De teu pai, de tua mãe, de tua irmã ou do teu irmão?- Não tenho pai, nem mãe, nem irmãos.- Dos teus amigos?- Eis uma palavra cujo sentido sempre ignorei.- Da tua pátria?- Não sei onde está situada.- Da beleza?- Amá-la-ia de boa vontade se a encontrasse.- Do ouro?- Odeio-o tanto quanto vós a Deus.- Então que amas tu singular estrangeiro?- Amo as nuvens... as nuvens que passam...lá, ao longe...as maravilhosas nuvens!Charles Baudelaire, O Estrangeiro
Sou uma estrangeira e não há no mundo quem
conheça uma única palavra do idioma da minha alma....
Khalil Gibran
Seremos ainda românticos
- e entraremos na densa mata,
em busca de flores de prata,
de aéreos , invisíveis cânticos.
Nas pedras, à sombra, sentados,
respiraremos a frescura
dos verdes reinos encantados
das lianas e das fonte pura.
E tão românticos seremos,
de tão magoado romantismo,
que as folhas dos galhos supremos
que se desprenderem no abismo
pousarão na nossa memória
- secas borboletas caídas -
e choraremos sua história,
- resumo de todas as vidas.
Cecília Meirelles
O mito de Sísifo foi publicado em 1942 e é, possivelmente, a obra mais filosófica de Albert Camus. Agora ele problematizará filosoficamente a vida e refletirá sobre ela. Nesta obra o tema do absurdo aparece em toda sua plenitude. E será o conceito fundamental para compreender a existência humana, do homem comum, que quer ser feliz e se interroga. A lucidez será a atitude essencial deste homem. O livro começa colocando o único problema fundamental e, verdadeiramente, sério: o suicídio, isto é, julgar se a vida merece ou não ser vivida. Para o filósofo, todos os outros problemas vêm depois, como, por exemplo, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias. Primeiro é preciso responder àquela pergunta. E acrescenta, com uma dose de ironia: "nunca vi ninguém morrer por causa do argumento ontológico. Galileu, que sustentava uma verdade científica importante, abjurou dela com a maior tranqüilidade assim que viu sua vida em perigo. Em certo sentido, fez bem. Essa verdade não valia o risco da fogueira. Qual deles, a Terra ou o Sol gira em redor do outro, é-nos profundamente indiferente".
O muro da ignorância que impede tantos
de se verem com clareza só pode ser atravessado
pela comunicação. E a comunicação só funciona
quando compreendemos as formas
que ela pode assumir.
Scott McCloud
Mergulhar no pensamento pode ser como mergulhar em contos infantis, podemos ser uma espécie de Alice deslumbrada. Podemos também encontrar masmorras e prisões perpétuas. Depende daquilo que procurarmos. Mais incrível do que não termos sempre esta consciência de nós próprios é o tão pouco que temos esta mesma consciência em relação aos outros. Está uma mulher sentada à nossa frente no autocarro, está o nosso pai, estás tu, e não somos sempre capazes de imaginar que, depois do rosto, ou sobre o rosto, invisível, está um choque frontal de palavras, está uma intermitência de frases, está uma imagem fixa, melodia, timbre de voz, etc. Apesar de já ter sido usado neste texto, "pensamento" parece-me um termo desadequado porque implica atenção. Estas palavras e imagens e melodias organizam-se em enxame. Mesmo quando oferecemos a atenção ao mundo, elas continuam lá, dentro de nós como se estivessem à nossa volta.José Luis Peixoto - escritor português
A abelha que, voando, freme sobre
A colorida flor, e pousa, quase
Sem diferença dela
À vista que não olha,
Não mudou desde Cecrops.
Só quem vive
Uma vida com ser que se conhece
Envelhece, distinto
Da espécie de que vive.
Ela é a mesma que outra que não ela.
Só nós ó tempo, ó alma, ó vida, ó morte!
Mortalmente compramos
Ter mais vida que a vida. RICARDO REIS
As únicas pessoas normais são aquelas que você não conhece bem. ALFRED ADLER