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... pois que é o belo senão o grau do terrível que só a custo suportamosE admiramos apenas porque ele tranqüilamente desdenha destruir-nos? Rainer Maria Rilke
Então se dissiparam as trevas noturnas, e a meus olhos foi dada a capacidade de discernir novamente a luz. Quando os céus estão prontos a adensar-se sob a ação dos ventos carregados de nuvens chuvosas, o sol se esconde e não mais se vêem as estrelas, e a terra é coberta pela noite: Mas eis que o vento boreal escapa de sua morada na Trácia e devolve ao dia sua luz. E de repente Febo, rodeado de esplendor, desce à terra e atinge com seus raios os olhos ofuscados.
E dessa forma foram dissipadas as nuvens da tristeza; e fui iluminado pela luz celeste e recebi o discernimento para contemplar aquela face.
E, mal dirigi o olhar a ela, reconheci minha antiga nutriz, que desde a adolescência freqüentava a minha mente: era a Filosofia. Boécio - A Consolação da Filosofia.
De repente voltao que nem sei se foisonhado ou vivido. Que apelo me chegadesta voz que emergede tão fundas águas? Alguém esquecidono fundo dos tempos? Meu anjo vencido? Meu duplo secreto? Que apelo indizívelme chama, me gritaque esqueça, que durma,ou me divida em tantosque nenhum seja eu? Nem eu, nem ninguém.
EMILIO MOURA
A Filosofia tem algo muito perigoso: ela te enche de orgulhote torna megalomaníaco. Quando eu lia qualquer um dosgrandes filósofos, tinha a impressão de ser um deus. EMIL CIORAN
Nós não somos mortais ao nascermos, aprendemos a sê-lono decorrer do caminho, em idades diferentes. Nossa infância,que ignora até o que quer dizer fragilidade, é envolta emimortalidade. O tempo a ignora. Nossa adolescência, ávida devida, desejando até envelhecer, encolhe os ombros diante damorte, que é uma questão para velhos, a menos que escolhavez por outra a recusa brutal, o suicídio.Contudo, a imagem do fim, sua presença, sua insistência, àmedida que avançamos pelo caminho, vai se fazendo mais precisa e mais densa. A partir de uma certa idade, a mortese torna uma companhia familiar. LU
O DIA DA IRAAs coisas tristíssimas,o rolomag, o teste de Cooper,a mole carne tremente entre as coxas,vão desaparecer quando soar a trombeta.Levantaremos como deuses,com a beleza das coisas que nunca pecaram,como árvores, como pedras,exatos e dignos de amor.Quando o anjo passar,o furacão ardente do seu vôo vai secar as feridas,as secreções desviadas dos seus vasos e as lágrimas.As cidades restarão silenciosas, sem um veículo:apenas os pés de seus habitantesreunidos na praça, à espera de seus nomes. Adélia Prado
"Nossa maior fraqueza está em que nossos desejos se renovam sem cessar e sem cessar recomeçamos a vida"
Montaigne
Quem sabe respirar o ar forte de meus escritos sabe que é um ar da altitude, um ar forte. É preciso ser feito para ele, senão o perigo de se resfriar não é pequeno. O gelo está perto, a solidão é descomunal — mas com que tranqüilidade estão todas as coisas à luz! Com que liberdade se respira! Quanto se sente abaixo de si! — filosofia, tal como até agora entendi e vivi, é a vida voluntária em gelo e altas montanhas — a procura por tudo o que é estrangeiro e problemático na existência, por tudo aquilo que até agora foi exilado pela moral. De uma longa experiência que me foi dada por andanças pelo proibido, aprendi a considerar as causas pelas quais até agora se moralizou e idealizou, de modo muito diferente do que seria desejável: a história escondida dos filósofos, a psicologia de seus grandes nomes, veio à luz para mim.
NIETZSCHE
A meu favorTenho o verde secreto dos teus olhosAlgumas palavras de ódio algumas palavras de amorO tapete que vai partir para o infinitoEsta noite ou uma noite qualquerA meu favorAs paredes que insultam devagarCerto refúgio acima do murmúrioQue da vida corrente teime em virO barco escondido pela folhagemO jardim onde a aventura recomeça.
ALEXANDRE O'NEILL
Quanto mais você raciocina, menos você cria.
RAYMOND CHANDLER
As coisas mais importantes são as mais difíceis de dizer: são as coisas de que nos envergonhamos, porque as palavras as diminuem – as palavras encolhem as coisas que parecem ilimitadas quando estão na nossa cabeça até ficarem de tamanho real quando são deitadas cá para fora. Mas não é só isto, pois não? As coisas mais importantes encontram-se demasiado perto do local onde está enterrado o nosso coração secreto, como marcos a assinalar um tesouro que os nossos inimigos adorariam roubar. Stephen King
A espantosa realidade das coisas É a minha descoberta de todos os dias. Cada coisa é o que é, E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo.
Tenho escrito bastantes poemas. Hei de escrever muitos mais. Naturalmente.
Cada poema meu diz isto, E todos os meus poemas são diferentes, Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto.
Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra. Não me ponho a pensar se ela sente. Não me perco a chamar-lhe minha irmã. Mas gosto dela por ela ser uma pedra, Gosto dela porque ela não sente nada. Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.
Outras vezes ouço passar o vento, E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto; Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo, Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar; Porque o penso sem pensamentos Porque o digo como as minhas palavras o dizem.
Uma vez chamaram-me poeta materialista, E eu admirei-me, porque não julgava Que se me pudesse chamar qualquer coisa. Eu nem sequer sou poeta: vejo. Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho: O valor está ali, nos meus versos. Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade. ALBERTO CAEIRO
Sempre no mundo há esse maravilhoso equilíbrio de beleza e repulsa, magnificência e ratos. Ralph Waldo Emerson
Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida é responder uma questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, vem depois. Trata-se de jogos; é preciso primeiro responder. E se é verdade, como quer Nietzsche, que um filósofo, para ser estimado, deve pregar com o seu exemplo, percebe-se a importância dessa reposta, porque ela vai anteceder o gesto definitivo. São evidências sensíveis ao coração, mas é preciso ir mais fundo até torná-las claras para o espírito. Se eu me pergunto por que julgo que tal questão é mais premente que tal outra, respondo que é pelas ações a que ela se compromete. Nunca vi ninguém morrer por causa do argumento ontológico. Galileu, que sustentava uma verdade científica importante, abjurou dela com a maior tranqüilidade assim que viu sua vida em perigo. Em certo sentido, fez bem. Essa verdade não valia o risco da fogueira. Qual deles, a Terra ou o Sol gira em redor do outro, é-nos profundamente indiferente. O Mito de Sísifo - Albert Camus
TENZONESerá que as aceitarão ? (i.é., estas canções).como tímida fêmea perseguida por centauros (ou por centuriões),Elas já vão fugindo, urrando de terror.
Ficarão comovidos pelas verossimilitudes ? Sua estupidez é virgem, é inviolável.Eu vos imploro, meus críticos amistosos,Não saiais por aí procurando-me um público.
Deito-me com quem é livre em cima dos penhascos; os recessos ocultosJá têm ouvido o eco de meus calcanhares na frescura da luz e na escuridão. EZRA POUND
Só conta a realidade, que os sonhos, as expectativas, as esperanças apenas permitem definir um homem como sonho malogrado, como esperança abortada, como expectativa inútil. Jean-Paul Sartre
Estou sentindo uma clareza tão grandeque me anula como pessoa atual e comum:é uma lucidez vazia, como explicar?Assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise.Estou por assim dizer vendo claramente o vazio.E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma,e não me alcanço. Além do que:que faço dessa lucidez?Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano- já me aconteceu antes.Pois sei que- em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade -essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias.Ajudai-me a de novo consistirdos modos possíveis.Eu consisto, eu consisto, amém. CLARICE LISPECTOR
Tem coragem, irmão meu? Tem valentia? Não coragem diante de testemunhas, mas valentia de solitário e daquele ao qual nem mesmo um deus faz mais do que ser espectador. As almas frias, cegas, bêbadas, não são para mim corajosas. Tem coração aquele que conhece o medo, mas tem somente controle sobre o medo; aquele que olha para o abismo, mas com orgulho. Que olha para o abismo, mas com olhos de águia — que com garras de águia prende o abismo: isto constitui a coragem.
Nietzsche
Eu sou eu e a minha circunstância, e se não salvo a ela não me salvo a mim. José Ortega y Gasset
Mas vá, contempla os testemunhos do meu discurso anterior, não se dê o caso de nele ter faltado beleza: o Sol, quente ao olhar e todo ele ofuscante; todos os imortais que se banham no calor e nos raios brilhantes; a chuva em tudo sombria e gelada; e as coisas enraizadas e sólidas que brotam da terra. Na Cólera tudo é de diferentes formas e está separado, mas no Amor todas as coisas se unem e se desejam umas às outras. Delas procede tudo o que existiu, existe e existirá no futuro - surgiram as árvores e os homens e as mulheres, as feras e as aves e os peixes que na água se criam, e também os deuses de longa vida, superiores em honrarias. Pois só estes existem, mas, correndo uns através dos outros, tomam formas diversas: de tal modo os altera a sua mistura.
Empédocles de Agrigento
Que o verso seja como uma chaveQue abra mil portas.Uma folha cai; algo passa voando;Quanto fitem os olhos criado seja,E a alma de quem ouve fique tremendo.Inventa mundos novos e cultiva a palavra;O adjetivo, quando não dá vida, mata.Estamos no ciclo dos nervos.O músculo pende,Como lembrança, nos museus;Mas nem por isso temos menos força:O vigor verdadeiroReside na cabeça.Por que cantais a rosa, ó Poetas!Fazei-a florescer no poema.Somente para nósVivem as coisas sob o sol.O Poeta é um pequeno deus. VICENTE HUIDOBRO - poeta chileno
Também ela é uma feiticeira. Mas enquanto Circe
transformava
os homens em porcos,
a arte transforma os animais em pessoas. BALTASAR GRACIÁN
Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento que é fruto dela
e seu avesso ardente.
Do mesmo modo
que da alegria foste ao fundo
e te perdeste nela e te achaste nessa perda
deixa que a dor se exerça agora sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize toda ilusãoque a vida só consome o que alimenta.
FERREIRA GULLAR
O amor nasce, vive e morre pelo poder – delicado – da imagem poética que o amante vê no rosto da amada. O amor prefere a luz das velas. Talvez porque seja isto tudo o que desejamos da pessoa amada: que ela seja uma luz suave que nos ajude a suportar o terror da noite. Rubem Alves - Ostra Feliz não faz Pérola
" Crê-se que seja uma desgraça amar sem ser correspondido.Mas quem for realmente grande compreenderá que o verdadeiro amor não pode ser correspondido." EMERSON
Fujam. Guardem o método ou os métodos reconhecidos como seguros, para caso de doença, miséria, cansaço. Partam novamente para a aventura. Explorem o espaço, mosca que voa, cervo acuado, viandante sempre expulso do caminho natural pelos cães de guarda que rosnam ao redor dos lugares confortáveis. Façam o olho brilhar em todas as direções, improvisem. Com a improvisação, a vista se surpreende.Considerem a inquietação uma ventura, a segurança, uma pobreza. Deixem o equilíbrio, o vazio do trilhado, percorram as baías de onde voam as aves. essa higiene da busca nos distingue das máquinas e nos aproxima do que o corpo sabe fazer. Mais que a mente, o corpo nos afasta do artifício. Se vocês t~em necessidade de vitória, de lugar previsto, de batalhas, bancos de dados ou instituições, sigam o método. A aventura fica para o tempo e a inteligência, a saúde do pensamento, liberdade, paz: criação de lugares imprevistos. Mas percorram os dois caminhos, não condenem nenhum; o amante de paisagens, às vezes precisa da auto-estrada. MICHEL SERRES
Não toques nos objetos imediatos.
A harmonia queima.
Por mais leve que seja um bule ou uma chavená,
são loucos todos os objetos.
Uma jarra com um crisântemo transparente
tem um tremor oculto.
É terrível no escuro.
Mesmo o seu nome, só a medo o podes dizer.
A boca fica em chaga.
HERBERTO HELDER
Os imortais são mortais; os mortais, imortais; vivem reciprocamentesua morte e morrem reciprocamente sua vida. HERÁCLITO
A linguagem disfarça o pensamento. E principalmente de tal forma que, segundo a forma exterior da roupagem, não é possível concluir sobre a forma do pensamento disfarçado; porque a forma exterior da roupagem visa a algo bem diferente do que permite reconhecer a forma do corpo. Os arranjos tácitos para a compreensão da linguagem quotidiana são de uma enorme complicação. Ludwig Wittgenstein - 'Tratado Lógico-Filosófico'
Estou cansado de viver na minha terra natal,Pensativo nas vastidões de trigo negro,A minha cabana vou abandonarE partirei como vagabundo e ladrão.Seguirei o dia de caracóis brancosA procurar miserável abrigo.E o meu melhor amigo afiaráEm mim a navalha tirada da bota.A estrada atravessa o pradoAmarela de sol e Primavera,E aquela de quem guardo o nomeEm mim, correr-me-á da sua porta.E voltarei então à casa paterna,Com a alegria de outro me consolarei,E com a manga, uma noite verde,Da janela me enforcarei.Os salgueiros cinzentos na cercaInclinarão mais ternamente a cabeça.E enterrar-me-ão sem me lavaremAo som dos cães a ladrar.E a lua há-de vaguear e vaguear,Deixando cair ramos nos lagos,E a Rússia como dantes viveráA dançar e a chorar na cerca. Sergei Yesenin - poeta russo
Uma mente completamente lógica é como uma facasó com a lâmina, faz a mão que a usa sangrar. TAGORE
Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso. A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão. Caio Fernando de Abreu
O olhar desloca-se para as rosas que estãoem primeiro plano, como se tivessem sido acabadasde colher. A mulher, porém, tem outrasflores na mão; e obriga-nos a hesitar entre o potede onde nascem as rosas e o colo em que pousamas flores. Trata-se de uma hesitação breve, porque logo o seu rosto leva-nos a divagar acerca da paisagem. Vemo-la ao fundo, num semicírculo que tem a forma perfeita do seio que o vestido esconde, e se poderiaconfundir com uma visão do paraíso sea mulher nos aparecesse como um anjo. Masnão tem asas; e o seu corpo empurra para longe a transcendência, mesmo que o seu rostos e perca numa vaga tristeza que as flores caídas acentuam. No entanto, se em vez desse mórbido acento me fixar no brilho das primeiras rosas, posso transferir a cor das pétalaspara cada uma das faces, e ela levantar-se-ácom uma pose de anjo, transformandoa paisagem, ao fundo, na imagem do paraíso. Nuno Júdice
E há paz no caos dos meus movimentos, pernas e braços sem equilíbrio, soltos, perdidos, desesperados. E há silêncio no rugido que me envolve, grave, constante, ensurdecedor. Há silêncio nas vozes, nas palmas (...) já não tenho dúvidas. Sou forte e sereno e imortal. Já não tenho dúvidas. José Luís Peixoto - Cemitério de Pianos
A Mentira é a recriação de uma Verdade. O mentiroso cria ou recria.
Ou recreia. A fronteira entre estas duas palavras é tênue e delicada.
Mas as fronteiras entre as palavras são todas tênues e delicadas.
Entre a recriação e o recreio assenta todo o jogo. O que não quer dizer
que o jogo resulta sempre. Resulte seja o que for ou do que for.
A Ambiguidade é a Arte do Suspenso. Tudo o que está suspenso suspende
ou equilibra. Ou instabiliza. Mas tudo é instável ou está suspenso.
Pelo menos ainda.
Ainda é uma questão de tempo. Tudo depende da noção de tempo ou
duração ou extensão. A aceleração do tempo pode traduzir-se pela
imobilidade pois que a imobilidade pode traduzir-se por um máximo de
aceleração ou um mínimo de extensão: aceleração tão grande que já não
se veja o movimento ou o espaço ou a duração.
Tudo está sempre a destruir tudo. Ou qualquer coisa. Ou alguém.
Mas estamos sempre a destruir tudo ou qualquer coisa. Ou alguém.Os construtores demolem. No lugar onde estava o sopro, pomos pedras
ou palavras: sinônimo de construção. Ou destruição. Ou ação.
Ana Hatherly
O que faz abrir a boca é o aborrecimento;
O que faz mudar de posição é o mal-estar;
O que faz não se poder mexer, é o cansaço -
Nenhuma destas coisas é o tédio.
O tédio é, sim, o aborrecimento do mundo,
O mal-estar se estar vivendo, o cansaço
de ter vivido.
O tédio é a sensação física da vacuidade
Prolixa das coisas.
É a vacuidade da própria alma que sente o tédio,
O que dói. O que sente tédio está preso
Numa cela infinita.
Mas os muros da cela infinita não nos podem
Soterrar, porque não existem;
Nem nos podem sequer fazer viver
Pela dor as algemas que ninguém nos pôs.
FERNANDO PESSOA
A razão é um sol severo: ilumina mas cega. ROMAIN ROLAND
Do encontro de singularidades do contato de
universos pessoais, nasce uma gama inesgotável
de interpretações. Para existir, temos que ser
vistos, e somos visos de incontáveis maneiras,
resultantes das nossas interações com pessoas
diversas. É difícil enxergar alguém como um todo
harmonioso; vemos partes incompletas de cada
pessoa, que se mostram em cada situação específica.
Por isso, se quisermos cultivar boas relações, temos
que ter a sensatez de pesar qualidades e defeitos,
para não incidir no erro de avaliar "meia pessoa" e
condená-la por inteiro.
(LU)
As flores riem silenciosamente.
A grama e as plantas e a floresta
inteira, riem silenciosamente.
O céu e as estrelas riem silenciosamente.
Só há ruído de fundo no universo,
e esse riso silencioso, esse ruído
inaudível que é como um eco
longínquo do aparecimento do homem
e da catástrofe do mundo real.
(JEAN BAUDRILLARD)
Uns aprendem a andar. Outros aprendem a cair. Conforme o chão de um é feito para o futuro e o de outro é rabiscado para sobrevivência.MIA COUTO - escritor moçambicano
As sociedades frias são aquelas que reduziram ao extremo a sua parte de história; que mantiveram num equilíbrio constante a sua oposição ao meio ambiente natural e humano, e as suas oposições internas. Se a extrema diversidade das instituições estabelecidas para este fim testemunha a plasticidade da autocriação da natureza humana, este testemunho não parece evidente senão para o observador exterior, para o etnólogo vindo do tempo histórico. O conformismo absoluto das práticas sociais existentes, às quais se encontram para sempre identificadas todas as possibilidades humanas, já não tem outro limite exterior senão o receio de tornar a cair na animalidade sem forma.Aqui, para continuar no humano, os homens devem permanecer os mesmos.Guy Debord - A Sociedade do Espetáculo
A primeira vez que entendi do mundoalguma coisafoi quando na infânciacortei o rabo de uma lagartixae ele continuou mexendo.De lá pra cáfui percebendo que as coisas permanecemvivas e tortasque o amor não acaba assimque é difícil extirpar o mal pela raiz.A segunda vez que entendi do mundoalguma coisafoi quando na adolescência me arrancaramdo lado esquerdo três certezase eu tive que seguir em frente.De lá pra cáaprendi a achar no escuro o rumoe sou capaz de decifrar mensagensseja nas nuvensou no grafite de qualquer muro.Affonso Romano de Sant'Anna
No reino do pensamento, a imprudência constitui um método. Gaston Bachelard
COM OS MORTOSOs que amei, onde estão? idos, dispersos,Arrastados no giro dos tufões,Levados, como em sonho, entre visões,Na fuga, no ruir dos universos...E eu mesmo, com os pés também imersosNa corrente e à mercê dos turbilhões,Só vejo espuma lívida, em cachões,E entre ela, aqui e ali, vultos submersos...Mas se paro um momento, se consigoFechar os olhos, sinto-os a meu ladoDe novo esses que amei: vivem comigo,Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,Juntos no antigo amor, no amor sagrado,Na comunhão ideal do eterno Bem. Antero de Quental
“Texto quer dizer Tecido; mas, enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto, por um véu todo acabado, por trás do qual se mantém, mais ou menos oculto, o sentido (a verdade), nós acentuamos agora, no tecido, a idéia gerativa de que o texto se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido – nesta textura – o sujeito se desfaz nele, qual uma aranha que se dissolve ela mesma nas secreções construtivas de sua teia. Se gostássemos dos neologismos, poderíamos definir a teoria do texto como uma hifologia (hyphos é o tecido e a teia da aranha).” Roland Barthes - O prazer do Texto