segunda-feira, 30 de novembro de 2009
dispor de poder sobre o espírito das pessoas a fim de impedi-las
de usarem a mente e o sentimento foi o elemento necessário para
a manutenção dis privilégios da minoria.
No entanto, a "elite" obrigada a controlar os "não escolhidos",
tornou-se prisioneira de suas próprias tendências destrutivas.
O guarda que vigia o prisioneiro torna-se quase tão prisioneiro
quanto este. Assim, o espírito humano, tanto dos dominadores
quanto dos dominados, desvia-s de sua finalidade essencial,
a de pensar e sentir humanamente, utilizar e ampliar as faculdades
de raciocínio e de amor inerentes ao homem e sem cujo
desenvolvimento total, ele se torna incompleto.
MICHEL FOUCAULT
Eh! Tanta explicação que nada explica!
Estou sentado no cais, numa barrica,
E não compreendo mais do que de pé.
Por que o havia de compreender?
Pois sim, mas também por que o não havia?
Águia do rio, correndo suja e fria,
Eu passo como tu, sem mais valer...
Ó universo, novelo emaranhado,
Que paciência de dedos de quem pensa
Em outras cousa te põe separado?
Deixa de ser novelo o que nos fica...
A que brincar? Ao amor?, à indif'rença?
Por mim, só me levanto da barrica.
FERNANDO PESSOA
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
caminhos que percorri e que se ramificam como os galhos de
uma árvore. Na obsessão de minha juventude, imaginava a vida
diante de mim como uma árvore.
Chamava-a então de árvore das possibilidades.
É só por um período curto que se vê a vida assim.
Depois, ela aparece como uma estrada imposta de uma vez por
todas, como um túnel do qual não se pode sair.
No entanto, a antiga imagem da árvores permanece em nós
sob a forma de uma indelével nostalgia.
A Identidade - MILAN KUNDERA
O meu primeiro amor e eu sentávamos numa pedra
Que havia num terreno baldio entre as nossas casas.
Falávamos de coisas bobas,
Isto é, que a gente achava bobas
Como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos.
Crianças
Parecia que entre um e outro nem havia ainda separação de sexos
A não ser o azul imenso dos olhos dela,
Olhos que eu não encontrava em ninguém mais,
Nem no cachorro e no gato da casa,
Que tinham apenas a mesma fidelidade sem compromisso
E a mesma animal - ou celestial - inocência,
Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu:
Não, não importava as coisas bobas que diséssemos.
Éramos um desejo de estar perto, tão perto
Que não havia ali apenas duas encantadas criaturas
Mas um único amor sentado sobre uma tosca pedra,
Enquanto a gente grande passava, caçoava, ria-se, não sabia
Que eles levariam procurando uma coisa assim por toda a sua vida .
MARIO QUINTANA
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Sua verdadeira vida é invisível, oculta nele. A parte que aparece acima
do solo só dura um único verão e depois murcha - uma aparição efêmera.
Quando pensamos no crescimento e na decadência infinitos da vida e
da civilização, não podemos deixar de ter a impressão de uma absoluta
nulidade. Contudo, nunca perdi o senso de alguma coisa que vive e
permanece sob o eterno fluxo.
O que vemos é o botão, que se vai. O rizoma permanece.
CARL JUNG
Alguma coisa existe que não aprecia o muro,
Que enfia bojos de terra gelada por baixo,
E derrama as pedras superiores ao sol,
E faz buracos onde até dois podem passar abraçados.
O trabalho dos caçadores é outra coisa:
Eu cheguei depois deles e fiz a reparação
Onde não deixaram pedra sobre pedra,
Mas conseguiram pôr a lebre fora do esconderijo,
Para deleitar cães latidores. As brechas, quero dizer,
Ninguém as viu fazer ou as ouviu fazer,
Mas na época primaveril dos arranjos encontramo-as lá,
faço o meu vizinho saber para lá da colina;
E um dia encontramo-nos para percorrer a linha
E assentarmos o muro outra vez entre nós.
Mantemos o muro entre nós enquanto avançamos.
A cada um as pedras que caíram para cada um.
E algumas são formas e outras são tão como bolas
Que temos de usar um feitiço para as equilibrar:
"Fica onde estás até voltarmos as costas!"
Ficamos com os dedos ásperos de as manipular.
Oh, somente outro género de jogo ao ar livre,
Um de cada lado. Mas vai mais longe:
Aí onde se encontra, nós não precisamos de muro:
Ele é todo pinheiros e eu sou um pomar de maçãs.
As minhas macieiras nunca atravessarão
Para comer os cones sob os seus pinheiros, digo-lhe eu.
Ele só me diz, "Boas cercas fazem bons vizinhos."A primavera instiga-me e pergunto-me
Se lhe posso despertar a razão:
"Porque razão fazem bons vizinhos? Isso não é
Onde existem vacas? Mas aqui não há vacas.
Antes de construir um muro eu inquiriria para saber
O que estaria a incluir ou a excluir,
E a quem era suposto ofender.
Alguma coisa existe que não aprecia o muro,
Que o quer no chão”. Poderia dizer-lhe "duendes",
Mas não são duendes exactamente, e eu prefiro
Que ele o diga a si próprio. Vejo-o por ali,
A agarrar uma pedra com firmeza pelo topo
Em cada mão, como um antigo selvagem armado de pedras.
Move-se na escuridão e parece-me,
Não apenas a das florestas e a da sombra das árvores.
Ele não irá atrás do dito de seu pai,
Gosta de ter pensado naquilo tão bem
E diz novamente, "Boas cercas fazem bons vizinhos."
ROBERT FROST
terça-feira, 24 de novembro de 2009
Nessa trama, o sucesso e o fracasso não se molda a lá Capitalismo.
As palavras correm é mesmo na horizontalidade de sentidos.
Nada é vertical. Altura mesmo, só a do canto. E o canto é sem
paredes, não se fecha, abertura. Homero ou Dante, Cervantes
ou Kafka, qual o melhor? Impossível dizer. Talvez em arte tudo
seja colocação de problemas, vertentes, matizes, um olhar longo de
um ângulo ainda não visto. Desbravamento de territórios.
Horizontes. E sentir pela arte é sentir pelo outro, como o outro,
interseção entre almas. Linhas que se penetram. Horizonte que a
cada momento envereda para um continente.Grandes Sertões.
Tempos Perdidos. Cidades Invisíveis. Ulisses. Ondas. Processos.
Ventos Uivantes. Paixões. Ilíadas. Aprendizagens ou Prazeres.
Educações Sentimentais. Ficções. Estrangeiros. Náuseas.
Divinas Comédias. Círculos de Giz. Crimes e Castigos. Homens
sem Qualidades.Quixotes. Inomináveis.
Montanhas Mágicas.Metamorfoses... "
Em Veneza, velho e envelhecido, quase mudo,
rodeado de livros, de solidão, de gatos,
o poeta Ezra Pound,
falou, num breve, muito breve encontro, com Grazia Livi.
Comentou-lhe, sem autocompaixão e sem desprezo,
secamente, com voz entrecortada:
«No fim penso que não sei nada.
Não tenho nada para dizer, nada.»
Se depois de tão alto exemplo, de tão clara sentença,
ainda continuo a escrever e risco palavras no fumo,
não é, que a morte me livre,
por bastardo interesse ou absurda vaidade,
mas apenas por uma simples razão,
porque não conheço outro meio, a não ser o suicídio
- desnecessário é um poema como um cadáver -,
para dar testemunho de nada a ninguém,
do mundo que contemplo, desta vida,
do seu horror gasto e quotidiano.
Que o velho Pound, na sua cova,
me perdoe por ligar o seu nome
a estas sórdidas palavras desesperadas.
JUAN LUIS PANERO
liberal, bem como a redução coletivista das filosofias totalitárias,
têm-se demonstrado incapazes de construir estruturas de vida
que sejam realmente humanas. O fato fundamental da existência
humana não é nem o indivíduo enquanto tal nem a coletividade
enquanto tal. Ambas, consideradas em si mesmas, não passam
de grandes abstrações. O indivíduo é um fato da existência na
medida em que entra em relações vivas com outros indivíduos;
a coletividade é um fato da existência na medida em que se edifica
com unidades vivas de relação. O fato fundamental da existência
humana é O HOMEM COM O HOMEM. E eis que a morte de uma
filosofia individualista, bem como de uma filosofia coletivista,
podem promover o nascimento de um futuro solidário, em que
o homem viva COM o homem.
MARTIN BUBER
As bolas de sabão que esta criança
Se entretém a largar de uma palhinha
São translucidamente uma filosofia toda.
Claras, inúteis e passageiras como a Natureza,
Amigas dos olhos como as cousas,
São aquilo que são
Com uma precisão redondinha e aérea,
E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa,
Pretende que elas são mais do que parecem ser.
Algumas mal se vêem no ar lúcido.
São como a brisa que passa e mal toca nas flores
E que só sabemos que passa
Porque qualquer cousa se aligeira em nós
E aceita tudo mais nitidamente.
ALBERTO CAEIRO
domingo, 22 de novembro de 2009
Esta é sempre pensada numa lógica negativa.
Pessoa só = pessoa triste ou com problemas. Creio que a solidão
é muito mais que isso. Mas das delícias da solidão somos privados.
A sociedade não permite ao individuo nenhum momento de paz.
Há sempre algo que o convida, que o seduz, que clama por atenção.
Entre propagandas, entre inúmeras informações, entre vastos
entretenimentos, a subjetividade do individuo é solapada para
a alienação de si. Tudo lhe chega, tudo ele absorve.
Mas pouco faz com esse mundo que se tornou grande demais
porque o que falta agora é consciência de si, trabalho de si.
Não há tempo para o nosso encontro.
Vale lembrar o que disse Vergílio Ferreira acerca da solidão:
" A solidão tem que ver conosco, não com os outros ;
e o isolamento é só com os outros que tem que ver.
O isolamento gera-se numa dimensão física; a solidão,
numa dimensão metafísica. Assim, a solidão exprime
apenas a ambiência de uma autenticidade."
A questão é que hoje a contemporaneidade não permite ao
indivíduo nem a possibilidade desta dimensão física do
isolamento para talvez se chegar na dimensão metafísica
da solidão. Uma solidão desejada, onde o indivíduo encontra-se
para extrair de si algo originário. Penso naqueles que não a
procuram e que apenas se consomem na outra solidão, naquela
dogmatizada como uma patologia. Perdem algo muito valioso,
inolvidável e intransferível. Pois, o que pode dizer de substancial
o individuo - e a sociedade que o gera e o representa
- que não sabe nada de si?
Lu
Interrogação
Sozinho, sozinho, perdido na bruma.
Há vozes aflitas que sobem, que sobem.
Mas, sob a rajada ainda há barcos com velas
e há faróis que ninguém sabe de que terras são.
- Senhor, são os remos ou são as ondas o
que dirige o meu barco?
Eu tenho as mãos cansadas
e o barco voa dentro da noite.
EMILIO MOURA
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
passageiramente. Pergunte-se o leitor que novo caráter
sobrevém a uma coisa quando sobre ela se derrama a
qualidade amada. Que sentimos quando amamos a
mulher, quando amamos a ciência, quando amamos
a pátria? Antes de qualquer outra nota acharemos
esta: o que dizemos amar se nos apresenta como
algo imprescindível. O amado é, de pronto, o que nos
parece imprescindível. Imprescindível! Quer dizer que
não podemos viver sem ele, que não podemos admitir
uma vida na qual nós existíssemos e o amado não
-que o consideramos parte de nós mesmos-.
Há, por conseguinte, no amor, uma ampliação da
individualidade que absorve outras coisas dentro desta,
que as funde conosco. Tal liame e compenetração nos
levam a internar-nos profundamente nas propriedades
do amado. Vemo-lo inteiros e se nos revela em todo
seu valor. Então advertimos que o amado é, por sua
vez, parte de outra coisa, que necessita dela e a ela
está ligado. Imprescindível ao amado, também se faz
imprescindível para nós. Deste modo vai ligando o
amor coisa a coisa e tudo conosco, em firme estrutura
essencial. O amor é um divino arquiteto que baixou ao
mundo -segundo Platão,
“ a fim de que todo o universo viva em conexão”.
José Ortega e Gasset - Meditações do Quixote
dizer palavra tão louca:
bateu-me o vento na boca,
e depois no teu ouvido.
Levou somente a palavra,
deixou ficar o sentido.
O sentido está guardado
no rosto com que te miro,
neste perdido suspiro
que te segue alucinado,
no meu sorriso suspenso
como um beijo malogrado.
Nunca ninguém viu ninguém
que o amor pusesse tão triste.
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
Só se aquele mesmo vento
fechou teus olhos, também
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
pelo grau de mistificação que se põe nela. Tal modelo seria a
ruína da sociedade, pois a “doçura” de viver em comum reside
na impossibilidade de dar livre curso ao infinito de nossos
pensamentos ocultos. É porque somos todos impostores que nos
suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a
terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao
falso. Não há herói moral que não seja ou pueril, ou ineficaz, ou
inautêntico; pois a verdadeira autenticidade é o aviltamento na
fraude, no decoro da adulação pública e da difamação secreta.
Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões
sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados
para sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de
olhar cara a cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre
nós mesmos, nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se.
A dissimulação arrasta tudo o que vive, desde o troglodita até o
cético. Como só o respeito das aparências nos separa dos cadáveres,
precisar o fundo das coisas e dos seres é perecer; conformemo-nos
a um nada mais agradável: nossa constituição só tolera uma certa
dose de verdade…
EMIL CIORAN - Breviário da Decomposição
põe verdades nos falsos verdes
sangra com folhas zonzas o ar
e arranca estrelas do seu lugar?
Dá nobre ao pobre dá senha ao sem
(dá gente ao ente: dá espaço ao tempo)
- se os céus se enforcam e o mar se afoga
o oco oculto é sempre alguém
que tal se um céu de um véu de um vento
montando montes com neve e nuvem
sufoca vales com cordas de ar
e entala selvas em branco outrora?
Dá mito ao medo; dá ver ao cego
(dá paz à ira e amor à mente)
- almas são montes; raízes - árvores
que vão dizer bom dia à aurora
que tal se um sim de um som de um sonho
corta o universo em dois,
descasca sempres de seus sepulcros
e espalha nens entre mim e vós?
Dá hoje ao nunca e nunca ao dobro
(dá vida ao não: dá morte ao foi)
- o nada é só outro imenso lar;
o mais que morre, o demais que é ser
e. e. cummings
terça-feira, 17 de novembro de 2009
soma de artificios, de truques, para empregar um termo mais
conveniente, de operações; apoderar-se das molas, se tornar
relojoeiro, ver "dentro", deixar de ser iludido, eis o que importa
a seus olhos. O homem, só vale por sua capacidade de
não-aquiescência,
pelo grau de lucidez que tiver alcançado. Esta exigência de
lucidez faz pensar no grau de despertar que supõe toda
experiência espiritual, e que será determinada pela
resposta que se der à questão capital:
" Até onde você foi na percepção da irrealidade?"
Emil Cioran - Exercícios de Admiração
Não é sua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza
O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Mas é o espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é tua ciência
Do coração dos homens e das coisas (...)
(MANUEL BANDEIRA)
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Desde sempre a espera o habitou como certeza.
Espera e liberdade juntas e planas no nascer. E depois de nascer,
ter de esperar para nascer de novo, pleno. Quantos foram os
meses em que ficou ali, apenas sentindo o mundo, numa espécie
de bolha? A realidade e o real não poderiam - jamais - ser o mesmo,
o de todos. Sem linguagem, sem contatos, movia-se e chorava.
De um nada ao outro. E o que fazer com aquilo que ia se acumulando
dentro? Porque as coisas se acumulavam, a fome atrás de fome,
um choro atrás de choro, uma sombra cega passando atrás de uma
outra sombra cega, e os afetos - Quais? E o que ultrapassava para
o campo do real-real, de seu corpo franzino e desajeitado, daquela
alma que se fazia como a própria natureza bruta? E a realidade e o
real de hoje - jamais - seriam fundado com a mesma sensibilidade
do senso comum. E aqueles meses na incubadora, prematuro,
vivendo mas não vivendo, sendo de outro jeito, foram fundamentais
para a constituição de seu ser.
(texturaincidental.blogspot.com)
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
tanto quanto ganha por outro. Seu progresso é só
aparente, como se dá com os operários de uma fábrica.
Ela sofre transformações contínuas; é bárbara, civilizada,
cristã, rica, científica; mas esta transformação não é
melhora. Para cada coisa que dá, alguma coisa é tirada.
A sociedade adquire novas artes e perde velhos instintos.
O contraste é gritante entre um americano que lê,
escreve e pensa, e o nativo, cuja pobreza só possui um
bastão, uma lança, uma esteira e, para dormir,
a vigésima parte de uma cabana indivisa.
Mas comparai a saúde dos dois homens e vereis que
força original perdeu o homem civilizado!
RALPH WALDO EMERSON
descobre a rapidez do raio. Novo estado de conhecimento - e a
celebridade de uma mensagem vale mais que a lucidez de um
pensamento. O mundo da informação toma o lugar do mundo
observado; as coisas conhecidas porque vistas, dão lugar aos
códigos permutados. Ainda nos prendíamos com amarras, cabos
e ancoragens, às próprias coisas pela observação, pela ideia da
clareza, ou da função da intuição. A teoria, por vontade própria,
foi marcada pelo ato d ever e pela fenomenologia das aparências
entregues à perspectiva do olhar. As amarras agora se soltam,
a mensagem torna-se o próprio objeto. O código significa o dado.
Ou antes: a mensagem volta a ser o dado, como durante o que
denomino de a Antiguidade, onde o coletivo se alimentava de
suas relações e de suas mensagens, no desprezo ou esquecimento
dos objetos. A idade da mensagem mata a era teórica.
As ciências exatas consideram os objetos - observam;
as ciências humanas consideram as relações - vigiam.
MICHEL SERRES
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,
Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
OLAVO BILAC
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
por isso para ele "ler" é se comprometer, porque obriga o
leitor a criar aquilo que o autor descreve. O escritor, por ser
autor de sua obra, não se surpreende com ela. Na visão
sartriana, a obra literátia só vai encontrar sua efetivação no
ato da leitura praticado por outro agente; tal agente é o leitor
previsto pelo escritor desde que esse concebeu sua obra em
pensamento. Assim, todas as obras contêm em si a imagem
do leitor para a qual a obra é destinada - o leitor previsto
pelo escritor faz parte da estratégia discursiva deste.
O autor, através de sua obra, "guia" o leitor, mas para
realizar a tarefa de composição da obra para si, o leitor conta
com a sua cultura no sentido estrito e amplo do termo.
O que cria um clássico e o torna a obra eternamente
contemporânea é a "condição humana" partilhada
entre escritor e leitor.
LU
mete-o numa panela grande, que possas levar ao
lume do horizonte; depois mexe o azul com um
resto de vermelho da madrugada, até que ele se
desfaça; despeja tudo numa bacia bem limpa, para
que nada reste das impurezas da tarde. Por fim,
peneira um resto de ouro da areia do meio-dia,
até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores não se desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego
queimado. Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais
de que alguma vez ali o puseste; e nem o negro da
cinza deixará um resto de ocre na superfície dourada.
Podes, então, levantar a cor até à altura dos olhos,
e compará-la com o azul autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
NUNO JUDICE
sábado, 7 de novembro de 2009
aqueles espíritos, os mais arrogantes, dando a impressão que
muitos dos problemas desta vida, são passíveis de resoluções,
basta um olhar objetivo sobre o drama. A palavra de filósofos
e cientistas, para os não iniciados, é como que outro idioma,
em que o excesso de jargões técnicos, expressões habituais,
decodifica os respectivos problemas da realidade. Filósofos e
cientistas falam muito, são do reino humano, aqueles que
mais fazem uso da palavra. Feliz daquele que com pouca
palavra, diz muito, é a tal arte da precisão, do laconismo,
bem mais presente no universo mágico da arte e do
misticismo, portanto, no âmbito do sagrado, que todo o
arranjo disjuntivo do pensamento, que para se fazer entender,
precisa de extensos parágrafos, hipóteses, teorias,
fórmulas, precedidas por tantas outras equações.
Onde o pensamento não consegue mais identificar, nem mesmo
imprimir o reinado de sua lógica, é que se dá o acontecimento
da arte e da poesia, onde a palavra, sacrificada pela
cotidianidade dos chavões científicos e filosóficos, readquire
seu sentido original, com efeito, só as experiências poéticas
dizem da realidade, a realidade propriamente.
Lu
Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.
Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.
CECILIA MEIRELES
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
tem que fingir que as coisas têm sentido; tem que
levar as pessoas a acreditarem que sabemos o que
estamos fazendo. Apenas jogamos o jogo, não temos
escolha. Nascemos num determinado meio, estamos
condicionados a ele. Podemos escapar um pouco aqui
e ali, como faríamos numa canoa furada, mas não há
saída completa, não há tempo para ela, a gente precisa
alcançar o porto, ou imagina que precisa.
Nunca o alcançaremos, é claro...
A canoa afundará antes disso.
HENRY MILLER
Abram alas quando eu falo.
Que mais foi que fiz na vida?
Fiz, pequeno, quando o tempo
Estava todo ao meu lado
E o que se chama passado,
Passatempo, pesadelo,
só me existia nos livros.
Fiz, depois, dono de mim,
Quando tive que escolher
Entre um abismo, o começo,
E essa história sem fim.
Asa ferida, asa ferida,
Meu espaço, meu herói.
A asa arde. Voar, isso não dói.
Paulo Leminsky
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Começo por pensar que todas as pessoas são iguais. Talvez por
comodidade, talvez por segurança, começo por supor que todas
as pessoas, na sua infinita variedade de passados, presentes e
futuros, são iguais. É partindo desse pressuposto que digo "nós".
Não o "nós" de apenas eu e tu, não o "nós" de país ou língua,
mas o "nós" meu, teu e deles, de países e línguas, de todos
aqueles que não nos estão a ouvir. E digo: nós temos um mundo
no nosso interior. Digo: é fascinante a história de tudo aquilo que
fomos, que passou e que nunca foi esquecido porque nunca foi
identificado. Sem que nunca tenha sido arquivado de uma forma
consistente, catalogado ou sequer registado, acabamos por
chamar "caos" ou "alma" a esse mundo. Na fila do supermercado
ou numa esplanada, junho, acabamos por chamar-lhe
"pensamento". E mesmo durante o instante em que dizemos
essa palavra, "pen-sa-men-to", somos assaltados por uma
sucessão de frases, sobrepostas às vezes, ou por imagens, ou
por melodias, ou por palavras soltas, ou por tudo isto, sobreposto,
misturado, em luta ou em harmonia.
José Luis Peixoto - escritor português