quarta-feira, 18 de novembro de 2009

É inútil construir tal modelo de franqueza: a vida só é tolerável

pelo grau de mistificação que se põe nela. Tal modelo seria a

ruína da sociedade, pois a “doçura” de viver em comum reside

na impossibilidade de dar livre curso ao infinito de nossos

pensamentos ocultos. É porque somos todos impostores que nos

suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a

terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao

falso. Não há herói moral que não seja ou pueril, ou ineficaz, ou

inautêntico; pois a verdadeira autenticidade é o aviltamento na

fraude, no decoro da adulação pública e da difamação secreta.

Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões

sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados

para sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de

olhar cara a cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre

nós mesmos, nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se.

A dissimulação arrasta tudo o que vive, desde o troglodita até o

cético. Como só o respeito das aparências nos separa dos cadáveres,

precisar o fundo das coisas e dos seres é perecer; conformemo-nos

a um nada mais agradável: nossa constituição só tolera uma certa

dose de verdade…



EMIL CIORAN - Breviário da Decomposição


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