quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A vida que se vive é um desentendimento fluido, uma média alegre
entre a grandeza que não há e a felicidade que não pode haver.
No baile de máscaras, basta-nos o agrado do traje, que no baile é tudo.
Assim, vestidos de corpo e alma, com os nossos múltiplos trajes tão
pegados a nós como as penas de aves, vivemos felizes ou infelizes,
ou nem até sabendo o que somos, o breve espaço que nos dão os
deuses para os divertirmos, como crianças que brincam com jogos
sérios.
Um ou outro de nós, liberto ou maldito, vê de repente, que tudo quanto
somos é o que não somos, que nos enganamos no que está certo
ou não temos razão no que concluímos justo.
E sempre, desconhecendo-nos a nós mesmos e aos outros, e por isso
entendendo-nos alegremente, passamos nas volutas da dança ou nas
conversas do descanso, humanos, fúteis, a sério, ao som da grande
orquestra dos astros, sob os olhares desdenhosos e alheios dos
organizadores do espetáculo.
Só eles sabem que nós somos presas da ilusão que nos criaram....
FERNANDO PESSOA






Sais pelo sonho como de um casulo e voas.
Com tal leveza podes percorrer o mapa e ir
e vir ao acaso, ar e nome:
como borboletas.
Não és tu, mas a tua memória com asas.
E abrem-se os palácios,
e percorres os tesouros guardados,
e és sorriso e silêncio
e já nem precisa mais de asas.
Na noite encontras o dia, claro e durável.
Voas sobre séculos e horóscopos.
Ouves dizer que te amam
como ninguém jamais o poderia confessar.
Não tens idade nem trigo,
nem rosto nem profissão.
Podes fazer o que quiseres com palavras,
harpas,
almas...
E quando voltas ao teu casulo
já não tens medo nenhum da morte.
E em teu pensamento há néctar e pólen.


Cecília Meireles

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Diogo Dayer

" Não se pode pedir ao crítico mais do que consegue ver."


GEORGES BRAQUE