sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Minha sabedoria é ignorar as minhas originais certezas.


MIA COUTO
Morte, não te orgulhes, embora alguns te provem
Poderosa, temível, pois não és assim,
Pobre morte: não poderás matar-me a mim,
E os que presumes que derrubaste, não morrem.
Se tuas imagens, sono e repouso, nos podem
Dar prazer, quem sabe mais nos darás? Enfim,
Descansar corpos, liberar almas, é ruim?
Por isso, cedo os melhores homens te escolhem.
És escrava do fado, de reis, do suicida;
Com guerras, veneno, doença hás de conviver;
Ópios e mágicas também têm teu poder
De fazer dormir. E te inflas envaidecida?
Após curto sono, acorda eterno o que jaz,
E a morte já não é; morte, tu morrerás.


JOHN DONNE
" O Universo é uma Biblioteca e o homem, o bibliotecário imperfeito, pode ser a

obra do acaso ou de demiurgos malévolos (...) Não me parece inverossímil que em alguma

prateleira de Universo haja o livro total; rogo aos deuses ignorados que um homem - um

só -, ainda que seja há 1000 anos! - o tenha examinado e lido. Se a honra, a sabedoria e

a felicidade não são para mim, que sejam para os outros. Que o céu exista, embora o meu

lugar seja o inferno. Que eu seja ultrajado e aniquilado, mas que num instante, num ser,

Tua enorme Biblioteca se justifique. (...) Ninguém pode articular uma sílaba que não

esteja cheia de ternuras e temores; que não seja em alguma dessas linguagens o nome

poderoso de um deus. Falar é incorrer em tautologias. A certeza de que tudo está

escrito nos anula ou faz de nós fantasmas.

Talvez a velhice e o medo me enganem, mas suspeito que a espécie humana - a única -

está em vias de extinção e que a Biblioteca perdurará, perfeitamente imóvel, armada

de volumes preciosos, inúteis, incorruptíveis, secreta.

Acabo de escrever "infinita". Não introduzi esse adjetivo por um hábito retórico; digo

que não é ilógico pensar que o mundo é infinito. Os que o julgam limitado postulam

que em lugares remotos " a configuração do Universo" pode cessar - o que é absurdo.

Os que o imaginam sem limites esquecem que não é ilimitado o número possível de

livros. Eu me atrevo a insinuar esta solução do antigo problema: " A Biblioteca é

ilimitada e periódica". Se um viajante eterno a atravesasse em qualquer direção,

comprovaria ao cabo do séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma

desordem ( que, repetida, seria uma ordem : a Ordem).

Minha solidão se alegra com essa elegante esperança."



FICÇÕES - JORGE LUIS BORGES




terça-feira, 27 de setembro de 2011

Mariano Carbo

" A ninguém ocorre a ideia de exigir de um indivíduo que seja "feliz" - mas, se alguém se casa, todos ficam muito espantados por ele "não" ser feliz!"


RAINER MARIA RILKE

Fiodor Asilyev

"A noção de 'Deus' foi inventada como antítese da vida - nela se resume, numa unidade aterradora, tudo o que é nocivo, venenoso, caluniador, todo o ódio da vida. A noção de 'além', de 'mundo verdadeiro' só foi inventada para depreciar o único mundo que há - a fim de não mais conservar para nossa realidade terrestre nenhum objetivo, nenhuma razão, nenhuma tarefa! A noção de 'alma', de 'espírito' e, no fim das contas, mesmo de 'alma imortal', foi inventada para desprezar o corpo, para torná-lo doente - 'sagrado' - para conferir a todas as coisas que merecem seriedade na vida - as questões de alimentação, de moradia, de regime intelectual, os cuidados aos doentes, a limpeza, o clima - a mais aterradora indiferença! Em vez da saúde, a 'salvação da alma' - isto é, uma loucura circular que vai das convulsões da penitência à histeria da redenção! A noção de 'pecado' foi inventad ao mesmo tempo que o instrumento de tortura que a completa; a noção de 'livre-arbítrio', para confundir os instintos, para fazer da desconfiança com relação aos instintos uma segunda natureza."



NIETZSCHE, Ecce homo. Por que sou um destino, Parágrafo 8.

Juan Miró

Definição de poesia



Um risco maduro de assobio.
O trincar do gelo comprimido.
A noite, a folha sob o granizo.
Rouxinóis num dueto desafio.
Um doce ervilhal abandonado
A dor do universo numa fava.
Fígaro: das estantes e flautas -
Geada no canteiro, tombado.
Tudo o que para a noite releva
Nas funduras da casa de banho,
Trazer para o jardim uma estrela
Nas palmas úmidas, tiritando.
Mormaço: como pranchas na água,
Mais raso. Céu de bétulas, turvo.
Se dirá que as estrelas gargalham,
E no entanto o universo está surdo.




Bóris Pasternak

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

" Desde Auschwitz nós sabemos do que o ser humano é capaz.

E desde Hiroshima nós sabemos o que está em jogo."


Viktor Frankl

" Pensa-se geralmente no Terror em termos políticos e abstratos, ou então à maneira idealizada dos pintores que representam mártires e santos, mas não se pensa em termos de carne viva. Fala-se nobremente de coragem e fé mas ignora-se o desespero da carne. Adora-se um herói abstrato que desafia a tortura e a morte e não se tem ideia nenhuma da condição do homem , da tragédia íntima do esforço para conservar o controle de seus músculos, de seus nervos e de suas entranhas. Porém, os que fizeram do Terror uma ciência, conheciam tudo isso. Conheciam os detalhes dos tormentos e contavam com o seu efeito, com a humilhação moral de homens reduzidos a um estado de infância impotente que mina o orgulho e a vontade de resistir.
Porque a carne é astuta; quer sobreviver, com uma vontade que lhe é própria, e numa crise, não pode sobreviver senão voltando-se contra o espírito, zombando dele e ridicularizando-o, para provar que sua resistência é vã. Os torturadores sabem que seu verdadeiro aliado não está no espírito, mas na carne das vítimas."


ARTHUR KOESTLER

Chaim Goldberg

Retrato do artista quando coisa: borboletas
Já trocam as árvores por mim.
Insetos me desempenham.
Já posso amar as moscas como a mim mesmo.
Os silêncios me praticam.
De tarde um dom de latas velhas se atraca
em meu olho
Mas eu tenho predomínio por lírios.
Plantas desejam a minha boca para crescer
por de cima.
Sou livre para o desfrute das aves.
Dou meiguice aos urubus.
Sapos desejam ser-me.
Quero cristianizar as águas.
Já enxergo o cheiro do sol.

Manoel de Barros

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Nicolai Fechin

" A prosperidade da raça repousa sobre os que pagam dívidas imaginárias.
Arranquem-se as raízes de sua culpabilidade e não restará mais do que as areias do deserto."


ARTHUR KOESTLER

Jacob Lawrence

" Toda atividade do espírito que tem seu fim em si mesma
leva a que se chegue ao mesmo tempo a uma impessoalidade,
na qual desaparece o eu do pesquisador ou escritor,
e ao nascimento de um eu sem qualidades,
sem atributos, sem rosto, que não é nem imortal nem eterno
(nesses momentos não se pensa quase em si mesmo),
mas estrangeiro do tempo.
Durante todo o tempo em que estamos absorvidos pelo trabalho,
esquecemos a morte real:
não somos eternos nem certamente inesquecíveis
e imortais, mas somos despersonalizados,
reificados num texto anônimo."



PAUL VEYNE

George Seurat

Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu…





António Gedeão

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Dê palavras ao sofrimento;
a dor da perda não fala.
Murmura dentro do coração dolorido
e o faz partir-se.


SHAKESPEARE
" Não procure o sucesso. Quanto mais o procurar e o transformar
num alvo, mais você vai errar.
Porque o sucesso, como a felicidade, não pode ser perseguido,
ele deve acontecer, e só tem lugar como efeito colateral de
uma dedicação pessoal a uma causa maior do que a pessoa.
A felicidade deve acontecer naturalmente,
e o mesmo ocorre com o sucesso.
Escute a voz da consciência quando ela diz o que deve ser
feito e aja da melhor maneira possível,
e a longo prazo o sucesso vai acontecer,
precisamnete porque se esqueceu de pensar nela."


VIKTOR FRANKL
Solidão




A solidão é como uma chuva.
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.

Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:

então, a solidão vai com os rios...

RAINER MARIA RILKE

sábado, 10 de setembro de 2011

Jacek Yerka

" Conceitos são pássaros engaiolados. Imagens são pássaros em pleno voo."

RUBEM ALVES
Pensamentos, como cabelos, também acordam despenteados.
Naquela faixa-zumbi que vai em slow motion, desde sair da cama,
abrir as janelas, avaliar o tempo e calçar os chinelos até
o primeiro jato da torneira – feito fios fora de lugar
emaranhando-se, encrespam-se, tomam direções inesperadas.
Com água, mão, pente, você disciplina cabelos.
E pensamentos? Que nem são exatamente pensamentos,
mas memórias, farrapos de sonho, um rosto, premonições,
fantasias, um nome. E às vezes também não há água, mão,
pente, gel ou xampu capazes de domá-los.


CAIO FERNANDO DE ABREU

Louis Janmot

Aparências

Não sou mais tolo não tenho mais queixas:
enganasse-me mais desenganasse-me mais
mais rápida mais tempo mais voraz e arrebatadora
mais volúvel mais volátil
mais aparecesse para mim e desaparecesse
mais velasse mais desvelasse mais revelasse mais re-
velasse mais
eu viveria tantas mortes
morreria tantas vidas
jamais me queixaria
jamais.


ANTONIO CÍCERO

domingo, 4 de setembro de 2011



O olho, ele não pode escolher o que vê;
Nós não podemos escolher o que ouvimos.
Nossos corpos sentem, onde quer que estejam.
Contra ou a favor de nossa vontade.





WILLIAM WORDSWORTH




O ceticismo é a incredulidade em matéria de causas e de efeitos.
O homem não vê que pensa segundo o que come;
que conforme o modo pelo qual age, assim parece;
não vê que seu filho é filho de seus pensamentos e de seus atos;
que os acontecimentos não são exceções, mas produtos;
que as relações e concessões não existem somente em
alguma parte e às vezes, mas em toda parte e sempre;
que não há confusão, isenções, anomalias
- porém, um método e um encadeamento regular,
e que o que surge no exterior é o que fora deposto no interior.
Segundo o que somos, agimos; e segundo nossa maneira de agir,
agem conosco; somos os artesãos de nossa fortuna;
a hipocrisia, a mentira, as tentativas para assegurar-nos
um bem que não nos pertence,
são frustradas de uma vez por todas, e inúteis.

EMERSON

George Luks



E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...
Que triste não saber florir!

Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.

Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira,
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem sei eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao solo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos
E não termos sonhos no nosso sono.

ALBERTO CAEIRO