segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Dusanka Petrovic

Sejamos como o pássaro pousado por um instante

no ramo mais frágil, que sente tremer o galho

e no entanto canta, porque sabe que tem asas.

SULLY PRUDHOMME

Caravaggio

O poder físico sempre foi possível einsuficiente. Tinha-se que

dispor de poder sobre o espírito das pessoas a fim de impedi-las

de usarem a mente e o sentimento foi o elemento necessário para

a manutenção dis privilégios da minoria.

No entanto, a "elite" obrigada a controlar os "não escolhidos",

tornou-se prisioneira de suas próprias tendências destrutivas.

O guarda que vigia o prisioneiro torna-se quase tão prisioneiro

quanto este. Assim, o espírito humano, tanto dos dominadores

quanto dos dominados, desvia-s de sua finalidade essencial,

a de pensar e sentir humanamente, utilizar e ampliar as faculdades

de raciocínio e de amor inerentes ao homem e sem cujo

desenvolvimento total, ele se torna incompleto.



MICHEL FOUCAULT

Burne Jones

Deuses, forças, almas de ciência ou fé,
Eh! Tanta explicação que nada explica!
Estou sentado no cais, numa barrica,
E não compreendo mais do que de pé.

Por que o havia de compreender?
Pois sim, mas também por que o não havia?
Águia do rio, correndo suja e fria,
Eu passo como tu, sem mais valer...

Ó universo, novelo emaranhado,
Que paciência de dedos de quem pensa
Em outras cousa te põe separado?

Deixa de ser novelo o que nos fica...
A que brincar? Ao amor?, à indif'rença?
Por mim, só me levanto da barrica.



FERNANDO PESSOA

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Leonor Fini

Uma palavra bem pronunciada pode economizar
não só cem palavras, mas também cem pensamentos.

Jules Henri Poincaré

Max Pechstein

... seus passos ecoando na calçada me fazem pensar nos

caminhos que percorri e que se ramificam como os galhos de

uma árvore. Na obsessão de minha juventude, imaginava a vida

diante de mim como uma árvore.

Chamava-a então de árvore das possibilidades.

É só por um período curto que se vê a vida assim.

Depois, ela aparece como uma estrada imposta de uma vez por

todas, como um túnel do qual não se pode sair.

No entanto, a antiga imagem da árvores permanece em nós

sob a forma de uma indelével nostalgia.


A Identidade - MILAN KUNDERA

Paul Peel

O meu primeiro amor e eu sentávamos numa pedra

Que havia num terreno baldio entre as nossas casas.

Falávamos de coisas bobas,

Isto é, que a gente achava bobas

Como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos.

Crianças…

Parecia que entre um e outro nem havia ainda separação de sexos

A não ser o azul imenso dos olhos dela,

Olhos que eu não encontrava em ninguém mais,

Nem no cachorro e no gato da casa,

Que tinham apenas a mesma fidelidade sem compromisso

E a mesma animal - ou celestial - inocência,

Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu:

Não, não importava as coisas bobas que diséssemos.

Éramos um desejo de estar perto, tão perto

Que não havia ali apenas duas encantadas criaturas

Mas um único amor sentado sobre uma tosca pedra,

Enquanto a gente grande passava, caçoava, ria-se, não sabia

Que eles levariam procurando uma coisa assim por toda a sua vida….



MARIO QUINTANA

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Paul Signac

Aqui, com um filão de pão sob o ramo,
Uma garrafa de vinho,
Um livro de verso - e tu
Ao meu lado cantando no deserto -
E o deserto é agora o paraíso.

Omar Khayyam

William Hart

A vida para mim sempre pareceu uma planta que vive do próprio rizoma.


Sua verdadeira vida é invisível, oculta nele. A parte que aparece acima


do solo só dura um único verão e depois murcha - uma aparição efêmera.


Quando pensamos no crescimento e na decadência infinitos da vida e


da civilização, não podemos deixar de ter a impressão de uma absoluta


nulidade. Contudo, nunca perdi o senso de alguma coisa que vive e


permanece sob o eterno fluxo.


O que vemos é o botão, que se vai. O rizoma permanece.




CARL JUNG

Maurice Utrillo

MURO REMENDADO


Alguma coisa existe que não aprecia o muro,
Que enfia bojos de terra gelada por baixo,
E derrama as pedras superiores ao sol,
E faz buracos onde até dois podem passar abraçados.
O trabalho dos caçadores é outra coisa:
Eu cheguei depois deles e fiz a reparação
Onde não deixaram pedra sobre pedra,
Mas conseguiram pôr a lebre fora do esconderijo,
Para deleitar cães latidores. As brechas, quero dizer,
Ninguém as viu fazer ou as ouviu fazer,
Mas na época primaveril dos arranjos encontramo-as lá,
faço o meu vizinho saber para lá da colina;
E um dia encontramo-nos para percorrer a linha
E assentarmos o muro outra vez entre nós.
Mantemos o muro entre nós enquanto avançamos.
A cada um as pedras que caíram para cada um.
E algumas são formas e outras são tão como bolas
Que temos de usar um feitiço para as equilibrar:
"Fica onde estás até voltarmos as costas!"
Ficamos com os dedos ásperos de as manipular.
Oh, somente outro género de jogo ao ar livre,
Um de cada lado. Mas vai mais longe:
Aí onde se encontra, nós não precisamos de muro:
Ele é todo pinheiros e eu sou um pomar de maçãs.
As minhas macieiras nunca atravessarão
Para comer os cones sob os seus pinheiros, digo-lhe eu.
Ele só me diz, "Boas cercas fazem bons vizinhos."A primavera instiga-me e pergunto-me
Se lhe posso despertar a razão:
"Porque razão fazem bons vizinhos? Isso não é
Onde existem vacas? Mas aqui não há vacas.
Antes de construir um muro eu inquiriria para saber
O que estaria a incluir ou a excluir,
E a quem era suposto ofender.
Alguma coisa existe que não aprecia o muro,
Que o quer no chão”. Poderia dizer-lhe "duendes",
Mas não são duendes exactamente, e eu prefiro
Que ele o diga a si próprio. Vejo-o por ali,
A agarrar uma pedra com firmeza pelo topo
Em cada mão, como um antigo selvagem armado de pedras.
Move-se na escuridão e parece-me,
Não apenas a das florestas e a da sombra das árvores.
Ele não irá atrás do dito de seu pai,
Gosta de ter pensado naquilo tão bem
E diz novamente, "Boas cercas fazem bons vizinhos."


ROBERT FROST

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Adelio Sarro

As palavras nos permitiram elevar-nos acima dos animais;
mas é também pelas palavras que não raro descemos
ao nível de seres demoníacos.
ALDOUS HUXLEY

Richard Lindner

"Em arte não existe progresso. Baudelaire já afirmava isso.
Nessa trama, o sucesso e o fracasso não se molda a lá Capitalismo.
As palavras correm é mesmo na horizontalidade de sentidos.
Nada é vertical. Altura mesmo, só a do canto. E o canto é sem
paredes, não se fecha, abertura. Homero ou Dante, Cervantes
ou Kafka, qual o melhor? Impossível dizer. Talvez em arte tudo
seja colocação de problemas, vertentes, matizes, um olhar longo de
um ângulo ainda não visto. Desbravamento de territórios.
Horizontes. E sentir pela arte é sentir pelo outro, como o outro,
interseção entre almas. Linhas que se penetram. Horizonte que a
cada momento envereda para um continente.Grandes Sertões.
Tempos Perdidos. Cidades Invisíveis. Ulisses. Ondas. Processos.
Ventos Uivantes. Paixões. Ilíadas. Aprendizagens ou Prazeres.
Educações Sentimentais. Ficções. Estrangeiros. Náuseas.
Divinas Comédias. Círculos de Giz. Crimes e Castigos. Homens
sem Qualidades.Quixotes. Inomináveis.
Montanhas Mágicas.Metamorfoses... "

Auguste Renoir

UM VELHO EM VENEZA


Em Veneza, velho e envelhecido, quase mudo,
rodeado de livros, de solidão, de gatos,
o poeta Ezra Pound,
falou, num breve, muito breve encontro, com Grazia Livi.
Comentou-lhe, sem autocompaixão e sem desprezo,
secamente, com voz entrecortada:
«No fim penso que não sei nada.
Não tenho nada para dizer, nada.»
Se depois de tão alto exemplo, de tão clara sentença,
ainda continuo a escrever e risco palavras no fumo,
não é, que a morte me livre,
por bastardo interesse ou absurda vaidade,
mas apenas por uma simples razão,
porque não conheço outro meio, a não ser o suicídio
- desnecessário é um poema como um cadáver -,
para dar testemunho de nada a ninguém,
do mundo que contemplo, desta vida,
do seu horror gasto e quotidiano.
Que o velho Pound, na sua cova,
me perdoe por ligar o seu nome
a estas sórdidas palavras desesperadas.


JUAN LUIS PANERO

Henry Tuke

Literatura é educar para o avesso.

Quando educa para o conhecido, já é sermão.


FABRÍCIO CARPINEJAR

Francis Cadell

A crise contemporânea é filosófica. A filosofia do individualismo

liberal, bem como a redução coletivista das filosofias totalitárias,

têm-se demonstrado incapazes de construir estruturas de vida

que sejam realmente humanas. O fato fundamental da existência

humana não é nem o indivíduo enquanto tal nem a coletividade

enquanto tal. Ambas, consideradas em si mesmas, não passam

de grandes abstrações. O indivíduo é um fato da existência na

medida em que entra em relações vivas com outros indivíduos;

a coletividade é um fato da existência na medida em que se edifica

com unidades vivas de relação. O fato fundamental da existência

humana é O HOMEM COM O HOMEM. E eis que a morte de uma

filosofia individualista, bem como de uma filosofia coletivista,

podem promover o nascimento de um futuro solidário, em que

o homem viva COM o homem.



MARTIN BUBER

As bolas de sabão que esta criança
Se entretém a largar de uma palhinha
São translucidamente uma filosofia toda.
Claras, inúteis e passageiras como a Natureza,
Amigas dos olhos como as cousas,
São aquilo que são
Com uma precisão redondinha e aérea,
E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa,
Pretende que elas são mais do que parecem ser.

Algumas mal se vêem no ar lúcido.
São como a brisa que passa e mal toca nas flores
E que só sabemos que passa
Porque qualquer cousa se aligeira em nós
E aceita tudo mais nitidamente.

ALBERTO CAEIRO

domingo, 22 de novembro de 2009

Angelo Bronzino

Você é absolutamente único.

Assim como todos os demais.


MARGARET MEAD

Stephane Bulan

Estamos vivendo num tempo inimigo da solidão.
Esta é sempre pensada numa lógica negativa.
Pessoa só = pessoa triste ou com problemas. Creio que a solidão
é muito mais que isso. Mas das delícias da solidão somos privados.
A sociedade não permite ao individuo nenhum momento de paz.
Há sempre algo que o convida, que o seduz, que clama por atenção.
Entre propagandas, entre inúmeras informações, entre vastos
entretenimentos, a subjetividade do individuo é solapada para
a alienação de si. Tudo lhe chega, tudo ele absorve.
Mas pouco faz com esse mundo que se tornou grande demais
porque o que falta agora é consciência de si, trabalho de si.
Não há tempo para o nosso encontro.
Vale lembrar o que disse Vergílio Ferreira acerca da solidão:
" A solidão tem que ver conosco, não com os outros ;
e o isolamento é só com os outros que tem que ver.
O isolamento gera-se numa dimensão física; a solidão,
numa dimensão metafísica. Assim, a solidão exprime
apenas a ambiência de uma autenticidade."
A questão é que hoje a contemporaneidade não permite ao
indivíduo nem a possibilidade desta dimensão física do
isolamento para talvez se chegar na dimensão metafísica
da solidão. Uma solidão desejada, onde o indivíduo encontra-se
para extrair de si algo originário. Penso naqueles que não a
procuram e que apenas se consomem na outra solidão, naquela
dogmatizada como uma patologia. Perdem algo muito valioso,
inolvidável e intransferível. Pois, o que pode dizer de substancial
o individuo - e a sociedade que o gera e o representa
- que não sabe nada de si?

Lu

Joaquín Sorolla

Interrogação


Sozinho, sozinho, perdido na bruma.
Há vozes aflitas que sobem, que sobem.
Mas, sob a rajada ainda há barcos com velas
e há faróis que ninguém sabe de que terras são.

- Senhor, são os remos ou são as ondas o
que dirige o meu barco?
Eu tenho as mãos cansadas
e o barco voa dentro da noite.


EMILIO MOURA

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Jean Delville


seu corpo deixarão, não seu cuidado;
serão cinza, mas terá sentido;
pó serão, mas pó apaixonado.



DON FRANCISCO DE QUEVEDO VILLEGAS (1580-1640)

Felix Valloton

"O amor, pelo contrário, nos une às coisas, ainda que
passageiramente. Pergunte-se o leitor que novo caráter
sobrevém a uma coisa quando sobre ela se derrama a
qualidade amada. Que sentimos quando amamos a
mulher, quando amamos a ciência, quando amamos
a pátria? Antes de qualquer outra nota acha­remos
esta: o que dizemos amar se nos apresenta como
algo imprescindível. O amado é, de pronto, o que nos
parece imprescindível. Imprescindível! Quer dizer que
não podemos viver sem ele, que não podemos admitir
uma vida na qual nós existíssemos e o amado não
-que o consideramos parte de nós mesmos-.
Há, por conseguinte, no amor, uma ampliação da
individualidade que absorve outras coisas dentro desta,
que as funde conosco. Tal liame e compenetração nos
levam a internar-nos profundamente nas propriedades
do amado. Vemo-lo inteiros e se nos revela em to­do
seu valor. Então advertimos que o amado é, por sua
vez, parte de outra coisa, que necessita dela e a ela
está ligado. Imprescindível ao amado, também se faz
imprescindível para nós. Deste modo vai ligando o
amor coisa a coisa e tudo conosco, em firme estrutura
essencial. O amor é um divino arquiteto que baixou ao
mundo -segundo Platão,
“ a fim de que todo o universo viva em conexão”.





José Ortega e Gasset - Meditações do Quixote

Vincent Van Gogh

Nunca eu tivera querido
dizer palavra tão louca:
bateu-me o vento na boca,
e depois no teu ouvido.
Levou somente a palavra,
deixou ficar o sentido.
O sentido está guardado
no rosto com que te miro,
neste perdido suspiro
que te segue alucinado,
no meu sorriso suspenso
como um beijo malogrado.
Nunca ninguém viu ninguém
que o amor pusesse tão triste.
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
Só se aquele mesmo vento
fechou teus olhos, também
CECÍLIA MEIRELLES

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Leon Comerre

Há aqueles que não podem imaginar um mundo sem pássaros;
há aqueles que não podem imaginar um mundo sem água;
ao que me refere, sou incapaz de imaginar um mundo sem livros.


Jorge Luis Borges

Joaquín Sorolla

É inútil construir tal modelo de franqueza: a vida só é tolerável

pelo grau de mistificação que se põe nela. Tal modelo seria a

ruína da sociedade, pois a “doçura” de viver em comum reside

na impossibilidade de dar livre curso ao infinito de nossos

pensamentos ocultos. É porque somos todos impostores que nos

suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a

terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao

falso. Não há herói moral que não seja ou pueril, ou ineficaz, ou

inautêntico; pois a verdadeira autenticidade é o aviltamento na

fraude, no decoro da adulação pública e da difamação secreta.

Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões

sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados

para sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de

olhar cara a cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre

nós mesmos, nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se.

A dissimulação arrasta tudo o que vive, desde o troglodita até o

cético. Como só o respeito das aparências nos separa dos cadáveres,

precisar o fundo das coisas e dos seres é perecer; conformemo-nos

a um nada mais agradável: nossa constituição só tolera uma certa

dose de verdade…



EMIL CIORAN - Breviário da Decomposição


Santiago Rusiñol

que tal se um nem de um quem de um vento
põe verdades nos falsos verdes
sangra com folhas zonzas o ar
e arranca estrelas do seu lugar?
Dá nobre ao pobre dá senha ao sem
(dá gente ao ente: dá espaço ao tempo)
- se os céus se enforcam e o mar se afoga
o oco oculto é sempre alguém
que tal se um céu de um véu de um vento
montando montes com neve e nuvem
sufoca vales com cordas de ar
e entala selvas em branco outrora?

Dá mito ao medo; dá ver ao cego
(dá paz à ira e amor à mente)
- almas são montes; raízes - árvores
que vão dizer bom dia à aurora
que tal se um sim de um som de um sonho
corta o universo em dois,
descasca sempres de seus sepulcros
e espalha nens entre mim e vós?

Dá hoje ao nunca e nunca ao dobro
(dá vida ao não: dá morte ao foi)
- o nada é só outro imenso lar;
o mais que morre, o demais que é ser


e. e. cummings

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Alphonse Mucha

O pior mal é aquele ao qual nos acostumamos.


SARTRE

Wilhelm Freddie

Saber desmontar o mecanismo de tudo, já que tudo é um mecanismo,

soma de artificios, de truques, para empregar um termo mais

conveniente, de operações; apoderar-se das molas, se tornar

relojoeiro, ver "dentro", deixar de ser iludido, eis o que importa

a seus olhos. O homem, só vale por sua capacidade de

não-aquiescência,

pelo grau de lucidez que tiver alcançado. Esta exigência de

lucidez faz pensar no grau de despertar que supõe toda

experiência espiritual, e que será determinada pela

resposta que se der à questão capital:

" Até onde você foi na percepção da irrealidade?"



Emil Cioran - Exercícios de Admiração

Louis Valtat

O que eu adoro em ti
Não é sua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste
em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza

O que eu adoro
em ti
Não é a tua inteligência
Mas é o espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é tua ciência
Do coração dos homens e das coisas (...)




(MANUEL BANDEIRA)

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Jiri Borsky

Coerente: o sujeito que nunca teve outra ideia.



MILLÔR FERNANDES

Edward Hughes

Desde sempre a espera o habitou como certeza.

Espera e liberdade juntas e planas no nascer. E depois de nascer,

ter de esperar para nascer de novo, pleno. Quantos foram os

meses em que ficou ali, apenas sentindo o mundo, numa espécie

de bolha? A realidade e o real não poderiam - jamais - ser o mesmo,

o de todos. Sem linguagem, sem contatos, movia-se e chorava.

De um nada ao outro. E o que fazer com aquilo que ia se acumulando

dentro? Porque as coisas se acumulavam, a fome atrás de fome,

um choro atrás de choro, uma sombra cega passando atrás de uma

outra sombra cega, e os afetos - Quais? E o que ultrapassava para

o campo do real-real, de seu corpo franzino e desajeitado, daquela

alma que se fazia como a própria natureza bruta? E a realidade e o

real de hoje - jamais - seriam fundado com a mesma sensibilidade

do senso comum. E aqueles meses na incubadora, prematuro,

vivendo mas não vivendo, sendo de outro jeito, foram fundamentais

para a constituição de seu ser.




(texturaincidental.blogspot.com)

Alexei Savrasov


Nossa sabedoria é a dos rios.
Não temos outra.
Persistir.
Ir com os rios.
Onda a onda.

Os peixes cruzarão nosso rostos vazios
Intactos passaremos sob a correnteza
Feita por nós e nosso desespero.
Passaremos límpidos.

E nos moveremos
rio dentro do rio
corpo dentro do corpo
Como antigos veleiros.



CARLOS NEJAR

quinta-feira, 12 de novembro de 2009


Conclusão é apenas o lugar onde se chega

quando se cansa de pensar.


PETER DRUCKER

Maurice Denis


A sociedade nunca progride. Ela se atrasa por um lado,

tanto quanto ganha por outro. Seu progresso é só

aparente, como se dá com os operários de uma fábrica.

Ela sofre transformações contínuas; é bárbara, civilizada,

cristã, rica, científica; mas esta transformação não é

melhora. Para cada coisa que dá, alguma coisa é tirada.

A sociedade adquire novas artes e perde velhos instintos.

O contraste é gritante entre um americano que lê,

escreve e pensa, e o nativo, cuja pobreza só possui um

bastão, uma lança, uma esteira e, para dormir,

a vigésima parte de uma cabana indivisa.

Mas comparai a saúde dos dois homens e vereis que

força original perdeu o homem civilizado!



RALPH WALDO EMERSON

Toulouse Lautrec


Que fizeste das palavras?

Que contas darás tu dessas vogais
de um azul tão apaziguado?
E das consoantes, que lhes dirás,
ardendo entre o fulgor das laranjas
e o sol dos cavalos?
Que lhes dirás, quando te perguntarem
pelas minúsculas sementes
que te confiaram?


Eugênio de Andrade

Louis Icart


Os sonhos têm luz própria,

uma luz que não vem de

nenhum sol, de nenhuma

lua, de nenhum foco...

Está em toda parte.



QUINTANA

Max Liebermann


A filosofia clássica confiava na iluminação, a filosofia contemporânea

descobre a rapidez do raio. Novo estado de conhecimento - e a

celebridade de uma mensagem vale mais que a lucidez de um

pensamento. O mundo da informação toma o lugar do mundo

observado; as coisas conhecidas porque vistas, dão lugar aos

códigos permutados. Ainda nos prendíamos com amarras, cabos

e ancoragens, às próprias coisas pela observação, pela ideia da

clareza, ou da função da intuição. A teoria, por vontade própria,

foi marcada pelo ato d ever e pela fenomenologia das aparências

entregues à perspectiva do olhar. As amarras agora se soltam,

a mensagem torna-se o próprio objeto. O código significa o dado.

Ou antes: a mensagem volta a ser o dado, como durante o que

denomino de a Antiguidade, onde o coletivo se alimentava de

suas relações e de suas mensagens, no desprezo ou esquecimento

dos objetos. A idade da mensagem mata a era teórica.

As ciências exatas consideram os objetos - observam;

as ciências humanas consideram as relações - vigiam.


MICHEL SERRES

Isaac Levitan


Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,

Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!


OLAVO BILAC

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Winslow Homer


De que vale ter voz se só quando não falo é que me entendem?

De que vale acordar se o que vivo é menos do que o que sonhei?


MIA COUTO

Edward Hopper


A leitura na perspectiva adotada por Sartre é uma reescritura,

por isso para ele "ler" é se comprometer, porque obriga o

leitor a criar aquilo que o autor descreve. O escritor, por ser

autor de sua obra, não se surpreende com ela. Na visão

sartriana, a obra literátia só vai encontrar sua efetivação no

ato da leitura praticado por outro agente; tal agente é o leitor

previsto pelo escritor desde que esse concebeu sua obra em

pensamento. Assim, todas as obras contêm em si a imagem

do leitor para a qual a obra é destinada - o leitor previsto

pelo escritor faz parte da estratégia discursiva deste.

O autor, através de sua obra, "guia" o leitor, mas para

realizar a tarefa de composição da obra para si, o leitor conta

com a sua cultura no sentido estrito e amplo do termo.

O que cria um clássico e o torna a obra eternamente

contemporânea é a "condição humana" partilhada

entre escritor e leitor.


LU

Charles Burchfield


Se quiseres fazer azul, pega num pedaço de céu e
mete-o numa panela grande, que possas levar ao
lume do horizonte; depois mexe o azul com um
resto de vermelho da madrugada, até que ele se
desfaça; despeja tudo numa bacia bem limpa, para
que nada reste das impurezas da tarde. Por fim,
peneira um resto de ouro da areia do meio-dia,
até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores não se desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego
queimado. Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais
de que alguma vez ali o puseste; e nem o negro da
cinza deixará um resto de ocre na superfície dourada.
Podes, então, levantar a cor até à altura dos olhos,
e compará-la com o azul autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.


NUNO JUDICE

sábado, 7 de novembro de 2009


Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente.

Não ousar é perder-se.


Soren Kierkegaard

Samuel Colman


Com o passar dos anos, a filosofia e a ciência parecem envaidecer
aqueles espíritos, os mais arrogantes, dando a impressão que
muitos dos problemas desta vida, são passíveis de resoluções,
basta um olhar objetivo sobre o drama. A palavra de filósofos
e cientistas, para os não iniciados, é como que outro idioma,
em que o excesso de jargões técnicos, expressões habituais,
decodifica os respectivos problemas da realidade. Filósofos e
cientistas falam muito, são do reino humano, aqueles que
mais fazem uso da palavra. Feliz daquele que com pouca
palavra, diz muito, é a tal arte da precisão, do laconismo,
bem mais presente no universo mágico da arte e do
misticismo, portanto, no âmbito do sagrado, que todo o
arranjo disjuntivo do pensamento, que para se fazer entender,
precisa de extensos parágrafos, hipóteses, teorias,
fórmulas, precedidas por tantas outras equações.
Onde o pensamento não consegue mais identificar, nem mesmo

imprimir o reinado de sua lógica, é que se dá o acontecimento
da arte e da poesia, onde a palavra, sacrificada pela
cotidianidade dos chavões científicos e filosóficos, readquire
seu sentido original, com efeito, só as experiências poéticas
dizem da realidade, a realidade propriamente.


Lu

Briton


Serenata


Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.

Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.

Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.


CECILIA MEIRELES

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Titian


A civilização nasce com a ordem, cresce com a

liberdade e morre no caos.


WILL DURANT

Waterhouse


A gente tem que se enganar para sobreviver;

tem que fingir que as coisas têm sentido; tem que

levar as pessoas a acreditarem que sabemos o que

estamos fazendo. Apenas jogamos o jogo, não temos

escolha. Nascemos num determinado meio, estamos

condicionados a ele. Podemos escapar um pouco aqui

e ali, como faríamos numa canoa furada, mas não há

saída completa, não há tempo para ela, a gente precisa

alcançar o porto, ou imagina que precisa.

Nunca o alcançaremos, é claro...

A canoa afundará antes disso.



HENRY MILLER

Wassily Kandinsky


Voar com a asa ferida?
Abram alas quando eu falo.
Que mais foi que fiz na vida?
Fiz, pequeno, quando o tempo
Estava todo ao meu lado
E o que se chama passado,
Passatempo, pesadelo,
só me existia nos livros.
Fiz, depois, dono de mim,
Quando tive que escolher
Entre um abismo, o começo,
E essa história sem fim.
Asa ferida, asa ferida,
Meu espaço, meu herói.
A asa arde. Voar, isso não dói.



Paulo Leminsky

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Joaquín Sorolla


Os olhos dos outros nossas prisões,

seus pensamentos nossas gaiolas.


VIRGINIA WOOLF

René Magritte


"Como é que te chamas?"


Começo por pensar que todas as pessoas são iguais. Talvez por
comodidade, talvez por segurança, começo por supor que todas
as pessoas, na sua infinita variedade de passados, presentes e
futuros, são iguais. É partindo desse pressuposto que digo "nós".
Não o "nós" de apenas eu e tu, não o "nós" de país ou língua,
mas o "nós" meu, teu e deles, de países e línguas, de todos
aqueles que não nos estão a ouvir. E digo: nós temos um mundo
no nosso interior. Digo: é fascinante a história de tudo aquilo que
fomos, que passou e que nunca foi esquecido porque nunca foi
identificado. Sem que nunca tenha sido arquivado de uma forma
consistente, catalogado ou sequer registado, acabamos por
chamar "caos" ou "alma" a esse mundo. Na fila do supermercado
ou numa esplanada, junho, acabamos por chamar-lhe
"pensamento". E mesmo durante o instante em que dizemos
essa palavra, "pen-sa-men-to", somos assaltados por uma
sucessão de frases, sobrepostas às vezes, ou por imagens, ou
por melodias, ou por palavras soltas, ou por tudo isto, sobreposto,
misturado, em luta ou em harmonia.



José Luis Peixoto - escritor português

Não toques nos objetos imediatos.

A harmonia queima.

Por mais leve que seja um bule ou uma chavená,

são loucos todos os objetos.

Uma jarra com um crisântemo transparente

tem um tremor oculto.

É terrível no escuro.


Mesmo o seu nome, só a medo o podes dizer.

A boca fica em chaga.



HERBERTO HELDER

terça-feira, 3 de novembro de 2009


O conceito de gênio como semelhante à loucura tem

sido cuidadosamente alimentado pelo complexo

de inferioridade do público.


EZRA POUND

Mary Cassatt