segunda-feira, 22 de julho de 2013


" O homem pensa, logo eu existo - diz o Universo."
 
 
Paul Valéry
 
 

" Hoje a atração exercida pela fraseologia revolucionária dissipou-se.
A desafeição pelas odisseias ideológicas são menos o produto de uma
tomada de consciência coletiva do inferno do Gulag e do totalitarismo
da revolução comunista e mais das mudanças ocorridas no próprio contexto
do mundo ocidental.
 
Foi o estilo de vida lúdico-estético-hedonista-psicologista-midiático que
minou a utopia revolucionária, que desqualificou os discursos louvando a sociedade
sem classes e o futuro reconciliado.
 
O sistema atual estimula o culto da salvação individual e da vida imediata,
sacraliza a felicidade privada; rompe as solidariedades e consciências de
classes em prol das reivindicações e preocupações explicitamente individualistas.
 
O império da sedução foi o coveiro eufórico das grandes ideologias que,
não levando em conta o indivíduo singular nem a exigência de vida livre,
viram-se no contrário exato das aspirações individualistas contemporâneas."
 
 
 
 
 

Gilles Lipovetsky - O Império do Efêmero

É mineral o papel
onde escrever
o verso; o verso
que é possível não fazer.

São minerais
as flores e as plantas,
as frutas, os bichos
quando em estado de palavra.

É mineral
a linha do horizonte,
nossos nomes, essas coisas
feitas de palavras.

É mineral, por fim,
qualquer livro:
que é mineral a palavra
escrita, a fria natureza
 
JOÃO CABRAL DE MELO NETO

quarta-feira, 17 de julho de 2013


"O tema da inveja é muito espanhol. Os espanhóis sempre estão pensando na
inveja. Para dizer que algo é bom dizem: 'É invejável'."

 
 Jorge Luis Borges 

"O amor cortês caracteriza-se pela sublimação do impulso sexual, pelo culto "desinteressado"
do amor, acompanhado da superestima e da celebração lírica da mulher amada;
submissão e obediência do amante à amada.
 
Desde o fundo das eras, os guerreiros ganharam o amor das mulheres realizando
proezas e façanhas  em sua honra; o amor é merecido pelas virtudes viris, a temeridade
e o devotamento heroico. Essa concepção cavalheiresca do amor prossegiu durante séculos,
mas a partir de 1100 não cessou de sofrer a influência civilizadora do amor cortês.
 
Foi assim que a um heroísmo guerreiro sucedeu um heroísmo lírico e sentimental;
no novo código amoroso, o senhor, por "jogo" vive ajoelhado  diante  da mulher amada e
cerca-a de atenções, mostra-se submisso a seus caprichos, é obrigado a celebrar
a sua beleza e sua virtude em poemas lisonjeiros.
 
Começa a fase da "poetização do cortejar", excluindo a linguagem vulgar, libertinagens
e obscenidades em favor da discrição, da humildade respeitosa do amante,
do enobrecimento da linguagem e da exaltação galante. Daí pra frente, a sedução
requer atenção e delicadeza em relação à mulher,
a poética do verbo e do comportamento."
 
 
Gilles Lipovetsky - O Império do Efêmero

Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatroz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os caminhos caminha.

Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.

Que sem graça é o viajor alado sem seu ninho!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico em cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!

O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flexa no ar,
Exilado no chão, em meio à corja impura,
A asa de gigante impedem-no de andar.
 
BAUDELAIRE
 

quinta-feira, 11 de julho de 2013


" O homem que se apoia na muleta da Espera domina melhor a marcha
dos acontecimentos do que o impaciente que se arma com a clava de Hércules".


Baltasar Gracián



" Todos viemos do pó
E a ele retornaremos..."

(Eclesiastes)


" Os humanos têm uma pequena diferença de inteligência que não lhes oferece nenhum privilégio quanto à finitude: em relação aos animais, têm a desvantagem de, por terem consciência da morte, sofrerem mais.
Há algo de ridículo nos humanos que querem tudo compreender e tudo explicar. Entre seu nascimento e sua morte, sua existência oscila em uma série de contingências, que são somente uma sequência de sensações, às vezes agradáveis, outras vezes dolorosas, das quais só podem constatar o absurdo e a ele se resignar. Nada mais inútil do que se dedicar a encontrar um "porque" para os eventos que se produzem inelutavelmente e que escapam a qualquer finalidade. Deveriam admitir que o exercício de seu pensamento será sempre a experiência da ruminação."


FRÉDÉRIC SCHIFFTER



Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis coqueiros.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.
Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 2 de julho de 2013

Fine art with books


Harold Bloom

 " Toda grande literatura é secular e toda poesia forte é sagrada.
Poesia e crença vagueiam, juntas e separadas, num vazio
cosmológico marcado pelos limites da verdade e do sentido."
 
 

Ruínas de Poseidon


Martin Heidegger

 " Sócrates não fez outra coisa durante toda sua vida,
inclusive na sua morte, senão se expor aos ventos desse
movimento (do pensamento) e aí se manter.
Por isso ele é o mais puro pensador do Ocidente.
Por isso não escreveu nada. Pois quem, partindo
do pensamento, começa a escrever, assemelha-se
inevitavelmente aos homens que, diante do vento
demasiadamente forte, fogem para um abrigo."
 
 
 
 
 

Landscape


Poema


Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras
Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs a sua alma confiada

De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor e a água
E tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez o trigo e com a terra

Sophia de Mello Breyner Andresen