quinta-feira, 31 de julho de 2014


" Os livros são o único lugar do mundo em que dois estranhos
podem se encontrar em termos mais íntimos."


 
 
May Ziade - poetisa e ensaísta libanesa
 

"Aquilo a que chamam amor é bem pequeno, bem restrito, e bem fraco,
comparado à inefável orgia, à santa prostituição da alma que se dá toda inteira,
em poesia e caridade, ao imprevisto que se mostra, ao desconhecido que passa.

É bom ensinar por vezes aos felizes deste mundo, nem que seja só para

os humilhar um instante no seu estúpido orgulho, que há felicidades
superiores às deles, mais vastas e mais delicadas.
Os fundadores das colônias, os pastores de povos, os padres missionários
exilados no fim do mundo, conhecem sem dúvida qualquer coisa destas
misteriosas ebriedades; e, no seio da vasta família que o seu gênio
constituiu, devem rir-se algumas vezes daqueles que os lamentam
pela sina tão revolta e pela vida tão casta."




Charles Baudelaire -  O Spleen de Paris
 


LEVEZA
 
 

Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.

E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.
E o que lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.
E o desejo rápido
desse mais antigo instante,
mais leve.
E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.

  Cecília Meireles

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Paul Gauguin
" A concordância entre pessoas demais sobre coisas demais nunca
é um bom sinal. Significa quase sempre que estamos pensando pouco demais."


Lars Svendsen


“O sol se levanta todas as manhãs. Eu não me levanto todas as manhãs;
mas a variação se deve não à minha atividade, mas à minha inação.
Ora, para expressar o caso numa linguagem popular, poderia ser verdade
que o sol se levanta regularmente por nunca se cansar de levantar-se.
Sua rotina talvez se deva não à ausência de vida, mas a uma vida exuberante.
O que quero dizer pode ser observado, por exemplo, nas crianças,
quando elas descobrem algum jogo ou brincadeira com que se divertem de
modo especial. Uma criança balança as pernas ritmicamente por excesso de vida,
não pela ausência dela. Pelo fato de as crianças terem uma vitalidade abundante,
elas são espiritualmente impetuosas e livres; por isso querem coisas repetidas,
inalteradas. Elas sempre dizem: "Vamos de novo"; e o adulto faz de novo até
quase morrer de cansaço. Pois os adultos não são fortes o suficiente para exultar
na monotonia. Mas talvez Deus seja forte o suficiente para exultar na monotonia.
É possível que Deus todas as manhãs diga ao sol: "Vamos de novo";
e todas as noites à lua: "Vamos de novo".
Talvez não seja uma necessidade automática que torna todas as margaridas
iguais; pode ser que Deus crie todas as margaridas separadamente,
mas nunca se canse de criá-las.
Pode ser que ele tenha um eterno apetite de criança;
pois nós pecamos e ficamos velhos, e nosso Pai é mais jovem do que nós.”

Gilbert Keith Chesterton -   Ortodoxia

Homem livre, o oceano é um espelho fulgente
Que tu sempre hás de amar. No seu dorso agitado,
Como em puro cristal, contemplas, retratado,
Ter íntimo sentir, teu coração ardente.
Gostas de te banhar na tua própria imagem.
Das-lhe beijo até, e, às vezes, teus gemidos
Nem sentes, ao escutar os gritos doloridos,
As queixas que ele diz em mística linguagem.
Vós sois, ambos os dois, discretos tenebrosos;
Homem, ninguém sondou teus negros paroxismos,
O' mar, ninguém conhece os teus fundos abismos;
Os segredos guardais, avaros, receosos!
E há séculos mil, séculos inumeráveis,
Que os dois vos combateis n'uma luta selvagem,
De tal modo gostais numa luta selvagem,
Eternos lutadores ó irmãos implacáveis!
 
 

Charles Baudelaire

terça-feira, 8 de julho de 2014



" A História não é outra coisa que uma constante interrogação dos tempos passados, em nome dos problemas, das curiosidades e também das inquietações e angústias com que nos rodeia e cerca o tempo presente."
 
 
Fernand Braudel


"Todos os seres humanos têm fobias. A minha é bem especial.
Não diz respeito a um animal, nem a um lugar. Nem a uma atividade
ou a uma situação. Diz respeito a um som.

Minha fobia é por um som: o som horrível de um assobio. Sempre que
o ouço, ele me dá calafrios e meu coração dispara. Sempre que o ouço,
mesmo hoje, olho para o horizonte em pânico, para ver de onde a bomba
está vindo. Para ver, principalmente, se ela vai cair na minha cabeça,
ou na cabeça dos meus entes queridos. Simboliza para mim a espera
da morte. A aniquilação do futuro.

E aquele som horrível - por mais injusta que pareça essa declaração
- resume Beirute para mim.
Depois de tantos anos de treino e alienação, eu me acostumei à
sinfonia do combate, e me acostumei ao medo e à morte que a
acompanham.

Acostumei-me a tudo isso, quer dizer, exceto ao assobio."
 
 



EU MATEI SHERAZADE - Joumana Haddad

CONSOLAÇÃO

Nas ruas da cidade caminha o meu amor. Pouco
importa aonde vai no tempo dividido. Já não é
meu amor, todos podem falar-lhe. Ele já não se
recorda. Quem de facto o amou?

Procura o seu igual no voto dos olhares. O espaço
que percorre é a minha fidelidade. Ele desenha a
esperança e ligeiro despede-a. Ele é
preponderante sem tomar parte em nada.

Vivo no seu abismo como um feliz destroço. Sem
que ele saiba, a minha solidão é o seu tesouro.
No grande meridiano onde inscreve o seu curso é
a minha liberdade que o escava.

Nas ruas da cidade caminha o meu amor. Pouco
importa onde vai no tempo dividido. Já não é
meu amor, todos podem falar-lhe. Ele já não se
recorda. Quem de facto o amou e de longe o
ilumina para que não caia?

René Char

quarta-feira, 2 de julho de 2014



" O universo tem, para além de todas as misérias,
um destino de felicidade.
O homem deve reencontrar o Paraíso".




Gaston Bachelard

" Um homem se propõe a tarefa de esboçar o mundo. Ao longo dos anos, 
povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, 
de baías, de naves, de ilhas, de peixes, da habitações,
de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. 
Pouco antes de morrer, 
descobre que esse paciente labirinto de linhas
traça a imagem do seu rosto."


JORGE LUIS BORGES


As palavras se movem, a música se move
Apenas no tempo; mas só o que vive
Pode morrer. As palavras, após a fala, alcançam
o silêncio. Apenas pelo modelo, pela forma,
As palavras ou a música podem alcançar
O repouso, como um vaso chinês que ainda se move
Perpetuamente em seu repouso.
Não o repouso do violino, enquanto a nota perdura,
Não apenas isto, mas a coexistência,
Ou seja, que o fim precede o princípio,
E que o fim e o princípio sempre estiveram lá
Antes do princípio e depois do fim.
E tudo é sempre agora. As palavras se distendem,
estalam e muita vez se quebram, sob a carga,
Sob a tensão, tropeçam, escorregam, perecem,
Apodrecem com a imprecisão, não querem manter-se
[ no lugar,
Não querem ficar quietas. Vozes estridentes,
Irritadas, zombeteiras, ou apenas tagarelas,
Sem cessar as acuam. A Palavra no deserto
É mais atacada pelas vozes da tentação,
A sombra soluçante da funérea dança,
O clamoroso lamento da quimera inconsolada.


T.S.ELIOT