segunda-feira, 26 de novembro de 2012


" Estamos sempre colados à terra - é tão raro nos elevarmos!

Creio que poderíamos nos colocar num nível um pouco superior...

Poderíamos ao menos subir numa árvore..."


Henry Thoreau


Por termos aprendido, sabemos. O saber estende-se em 3 direções:
em uma direção cognitiva ( eu sei tal teorema); em uma segunda
direção, coletiva (faço parte do grupo daqueles que sabem e que,
por vezes se prevalecem disso). Em uma terceira direção, sinuosa,
conhecimento que pode ser esquecido ou rejeitado
( eu sei, mas não conheço). Por um processo que pode ser
comparado à digestão, faço o meu teorema. Para isto o tempo
é indeterminado: é preciso uma fração de segundos ou uma
dezena de anos. Então começa-se a vislumbrar a compreensão
verdadeira do que antes era apenas saber. Caminho através do
que agora compreendo e conheço, reconstruo, reinvento.
Deixei de sabê-lo, agora eu o sinto, vivo e conheço.
Só compreendemos aquilo que incorporamos e só
inventamos se houver externalização.


MICHEL SERRES
Caras Ionut

Feliz aquele a quem a vida grata
Concedeu que dos deuses se lembrasse
E visse como eles
Estas terrenas coisas onde mora
Um reflexo mortal da imortal vida.
Feliz, que quando a hora tributária
Transpor seu átrio por que a
Parca corte
O fio fiado até ao fim,
Gozar poderá o alto prêmio
De errar no Averno grato abrigo
Da convivência.
Mas aquele que quer
Cristo antepor
Aos mais antigos
Deuses que no Olimpo
Seguiram a Saturno
O seu blasfemo ser abandonado
Na fria expiação até que os Deuses
De quem se esqueceu deles se recordem
Erra, sombra inquieta, incertamente,
Nem a viúva lhe põe na boca
O óbolo a Caronte grato,
E sobre o seu corpo insepulto
Não deita terra o viandante. 

 

 


RICARDO REIS

sexta-feira, 16 de novembro de 2012


 " Tudo o que o homem empreende volta-se contra ele.
Toda ação é fonte de infelicidade, pois agir contraria o
equilíbrio do mundo; é estabelecer um objetivo e projetar-se no devir.
O menor movimento é nefasto.
Detonam-se forças que podem ser esmagadoras.
Viver realmente é viver sem objetivos."
 
 
EMIL CIORAN
Egon Schiele
 " E um homem já estará num paraíso nada desprezível se,
na hora do crepúsculo, qual melodia harmoniosa,
sobre ele puder descer uma boa esperança de que a Terra
ainda será justa, a felicidade de cada criatura senciente ainda
terá um aumento constante e cada boa causa ainda
encontrará defensores dignos, muito tempo depois de a
lembrança de seu pobre nome e sua personalidade
ter sido para sempre apagada da breve recordação dos homens."
 
 
 
John Morley
Paul Cèzanne
Paul Cézanne, Natureza Morta


Não toques nos objectos imediatos.
A harmonia queima.
Por mais leve que seja um bule ou uma chavená,
são loucos todos os objetos.
Uma jarra com um crisântemo transparente
tem um tremor oculto.
É terrível no escuro.
Mesmo o seu nome, só a medo o podes dizer.
A boca fica em chaga.



Herberto Helder

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Ronald Capanoca
" Não ter convicções a respeito dos homens e de si mesmo:
tal é o elevado ensinamento da prostituição - academia
ambulante de lucidez.
Tudo que sei aprendi na escola das putas."
 
 
Emil Cioran
Dariusz Klimczak
 " Tentar provar a não existência de Deus pode ser uma atividade divertida para ateus,
que encontram grande satisfação no desnudamento da idiotia de crentes.
Embora esse exercício tenha suas recompensas, a real questão não é se Deus existe ou não,
mas para onde levar a discussão ao se concluir que ele evidentemente não existe.
 
Deve ser possível manter-se como um ateu resoluto e, no entanto, esporadicamente
considerar as religiões úteis, interessantes e reconfortantes.
É possível ser ateu e, ainda assim, interessar-se pelas maneiras como as religiões
fazem sermões, promovem a moralidade, engendram um espírito de comunidade,
utilizam a arte e a arquitetura, inspiram viagens e estimulam a gratidão pela beleza da Natureza.
 
Num mundo ameaçado por fundamentalistas religiosos ou seculares, deve ser possível
equilibrar uma rejeição da fé e uma reverência seletiva por rituais e conceitos religiosos.
É quando paramos de acreditar que as religiões foram outorgadas do alto ou que são
totalmente insanas, que as coisas ficam mais interessantes.
Podemos então reconhecer que inventamos as religiões para servirem a duas necessidades
centrais: a de vivermos juntos em comunidade e a necessidade de lidar
com aterrorizantes graus de dor.
 
Deus pode estar morto, mas as questões urgentes que nos levaram a inventá-lo
ainda nos sensiblizam e exigem resoluções."
 
 
 
 
Alain de Botton - Religião para Ateus
Ernest Kirchner

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.





Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Robert Hagan

" (...) os maus hábitos podem muito e o tempo das revoluções acabou.
E que não acabasse...
Alguém é capaz de imaginar aquela que seria a maior das revoluções,
a revolução de dizer simplesmente a verdade?"
 
 
Saramago - Diário de Lanzarote III
Fotografia de Igor Laptev
 " Para mim, filosoficamente, o presente não existe. Só o tempo passado
é que é tempo "reconhecível" - o tempo que "vem", porque "vai",
não se detém, não fica presente. Portanto, para o escritor que eu sou,
não se trata de "recuperar" o passado, e muito menos de querer fazer
dele lição do presente. O tempo vivido ( e apenas ele, do ponto de vista
humano, é tempo de fato) apresenta-se unificado ao nosso entendimento,
simultaneamente completo e em crescimento contínuo.
Desse tempo que assim se vai acumulando é que somos
o produto infalível, não de um inapreensível presente."
 
 
José Saramago
Fotografia de Steve McCurry
Há uma solidão neste mundo tão grande
que você pode ver em câmera lenta,
nas mãos de um relógio
Pessoas tão cansadas, mutiladas por amor,
ou pelo não amor.
As pessoas não são boas com as outras
Os ricos não são bons com outros ricos
E os pobres não são bons com outros pobres
Nós estamos com medo.
Nosso sistema educacional nos mostra que todos
nós podemos ser malditos vencedores.
Não nos foi dito sobre os
marginais ou os suicidas
Ou o terror de uma pessoa
que agoniza sozinha.
Mais odiadores que amantes
As pessoas não são boas umas com as outras
Talvez se elas fossem, nossas
mortes não seriam tão tristes
Deve haver um jeito que
nós ainda não pensamos
Quem colocou esse cérebro em mim?
Ele chora, exige
Diz que há chance
Se nega a dizer não




Charles Bukowski

segunda-feira, 5 de novembro de 2012


" A queda de uma árvore faz mais barulho
 que o crescimento de toda uma floresta."
 
 
 
( provérbio árabe)
 
Alexander Goudie
" A Paris, antes da primeira Guerra Mundial, foi o lugar com a mais variada e rica concentração de pintores. Eles vinham de todas as partes, repletos de expectativas. Pintar era-lhes tão importante que não faziam outra coisa. Estímulos não faltavam, com a cidade enchendo-se de pintores, com a presença atuante de influências africanas e orientais e o contraponto que com estas compunham as tradições locais, da arte medieval ou clássica. Com tantos jovens pintores tentando o novo, jamais houvera tanto pra se ver.
 
Contudo, era necessário força para suportar viver na pobreza, mas talvez uma outra força fosse ainda mais premente: a de não ceder demasiado facilmente a tantos e tão diversos estímulos, absorvendo apenas aqueles compatíveis com o próprio caráter e deixando o restante de lado, para outros.
 
Uma nova nação surgiu, então em Paris: a dos pintores. Hoje, ao passarmos em revista os nomes daqueles cujas obras firmaram essa época, espantamo-nos diante da multiplicidade de suas origens: cada país tinha os seus jovens em Paris, como se a cidade, ela própria, como instância superior, os tivesse convocado para prestar um serviço à pintura.
 
A despeito das privações, que assumiram sem receio, foram atraídos pela perspectiva de estarem entre seus pares, entre aqueles para os quais a luta não era menos dura, mas que, como eles próprios, estavam imbuídos da fervorosa esperança de ali - na capital mundial dos pintores - conquistarem a fama."
 
 
 
ELIAS CANETTI - O JOGO DOS OLHOS
Eugene de Blaas
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.




Paulo Leminski