segunda-feira, 5 de novembro de 2012

" A Paris, antes da primeira Guerra Mundial, foi o lugar com a mais variada e rica concentração de pintores. Eles vinham de todas as partes, repletos de expectativas. Pintar era-lhes tão importante que não faziam outra coisa. Estímulos não faltavam, com a cidade enchendo-se de pintores, com a presença atuante de influências africanas e orientais e o contraponto que com estas compunham as tradições locais, da arte medieval ou clássica. Com tantos jovens pintores tentando o novo, jamais houvera tanto pra se ver.
 
Contudo, era necessário força para suportar viver na pobreza, mas talvez uma outra força fosse ainda mais premente: a de não ceder demasiado facilmente a tantos e tão diversos estímulos, absorvendo apenas aqueles compatíveis com o próprio caráter e deixando o restante de lado, para outros.
 
Uma nova nação surgiu, então em Paris: a dos pintores. Hoje, ao passarmos em revista os nomes daqueles cujas obras firmaram essa época, espantamo-nos diante da multiplicidade de suas origens: cada país tinha os seus jovens em Paris, como se a cidade, ela própria, como instância superior, os tivesse convocado para prestar um serviço à pintura.
 
A despeito das privações, que assumiram sem receio, foram atraídos pela perspectiva de estarem entre seus pares, entre aqueles para os quais a luta não era menos dura, mas que, como eles próprios, estavam imbuídos da fervorosa esperança de ali - na capital mundial dos pintores - conquistarem a fama."
 
 
 
ELIAS CANETTI - O JOGO DOS OLHOS

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