quarta-feira, 26 de maio de 2010

Uma ideia é um pensamento que ficou de pé.




HENRI BERGSON

Van Gogh

Que é viajar, e para que serve viajar?

Qualquer poente é o poente... porque

se a libertação não está em mim, não está,

para mim, em parte alguma. Nunca desembarcamos

de nós. " Por mais alto que subamos e mais baixo

que desçamos, nunca saímos das nossas sensações",

segundo Condillac. As verdadeiras paisagens são as

que nós mesmos criamos, porque assim, sendo

deuses delas, as vemos como elas verdadeiramente

são, que é como foram criadas. Quem cruzou todos

os mares, cruzou somente a monotonia de si mesmo.

Já cruzei mais mares do que todos. Passei já por

cidades mais que as existentes, e os grandes rios de

nenhuns mundos fluíram, absolutos, sob os meus


olhos contemplativos. Se viajasse, encontraria a

cópia débil do que já vira sem viajar.




FERNANDO PESSOA

William Glackens

E se depois de tantas palavras,
não sobrevive a palavra!
Se depois das asas dos pássaros,
não sobrevive o pássaro parado!
Mais valeria, na verdade,
que coma tudo e acabemos!

Ter nascido para viver na nossa morte!
Levantar-se do céu rumo à terra
por seus próprios desastres
e espiar o momento de apagar com a sua sombra as suas trevas!
Mas valeria, francamente,
que comam tudo e tanto faz!…

E se depois de tanta história, sucumbirmos,
não já na eternidade,
mas dessas coisas simples, como estar
em casa ou pôr-se a matutar!
E se em seguida descobrirmos,
subitamente, que vivemos,
a avaliar pela altura dos astros,
pelo pente e as nódoas do lenço!
Mais valeria, na verdade,
que comam tudo, sem dúvida!

Dir-se-á que temos
num dos olhos muita pena
e também no outro muita pena
e nos dois, quando olham, muita pena…
Então… Claro!… Então… nem uma só palavra!


César Vallejo

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Claude Lorrain

A literatura tem essa magia de nos tornar contemporâneos de quem quisermos.

INÊS PEDROSA

Paul Cézanne

(...) dessas seguranças acerca dos mais extremos horizontes, nós nem sequer "precisamos" para viver uma humanidade plena e competente: assim como a formiga não precisa delas para ser uma boa formiga (...) nos domínios mais extremos em cuja direção se obstina ainda o olho, sem penetrar neles, introduziram sorrateiramente conceitos tais como culpa e castigo (...) Desde antiguidades fantasiou-se com temeridade, ali onde se podia estabelecer nada, e persuadiu-se a posteridade a tomar essas fantasias a sério e como verdade, recorrendo por último ao abominável trunfo: crer tem mais valor do que saber (...)

Tão pouco quanto essas questões dos religiosos importam-nos as questões dos filósofos dogmáticos, quer sejam idealistas ou materialistas ou realistas. Todas elas visam a constranger-nos a uma decisão em domínios onde crença nem saber são necessários; é útil que ao redor de tudo que é sondável e acessível à razão se estenda um enevoado e traiçoeiro cinturão pantanoso, uma faixa de impenetrável, de eternamente fluido e de indeterminável (...) Temos de tornar-nos outra vez "bins vizinhos das coisas mais próximas" e não, como até agora, olhar tão desdenhosamente por sobre elas em direção a nuvens e demônios noturnos.

NIETZSCHE

Bouguereau

Assim eu quereria o meu último poema

Que fosse terno dizendo as coisas

Mais simples e menos intencionais

Que fosse ardente como

Um soluço sem lágrimas

Que tivesse a beleza das flores

Quase sem perfume

A pureza da chama em que

Se consomem os diamantes

Mais límpidos

A paixão dos suicidas que

Se matam sem explicação.



MANUEL BANDEIRA

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Henri Lebasque

Se podemos nos deparar com um pensamento que

transcreva perfeitamente o nosso, o prazer dessa cumplicidade

que vem de fora é dobrado.

A originalidade não passa de um prêmio secundário

do prazer do pensamento.



JEAN BAUDRILLARD

Alma Tadema

" ...o mais infalível veneno é o tempo.

Essa taça, que a natureza nos põe nos lábios, possui

uma propriedade maravilhosa que supera qualquer outra bebida.

Ela abre os sentidos, adiciona poder e povoa-nos de sonhos

exaltados, a que chamamos esperança, amor, ambição, ciência.

Em particular, ela desperta o desejo por maiores doses de si.

Mas aqueles que tomam as maiores doses ficam embriagados,

perdem estatura, força, beleza e sentidos, e terminam em

fantasia e delírio. Nós adiamos o nosso trabalho literário até

que tenhamos maturidade e técnica para escrever, mas um

dia descobrimos que o nosso talento literário não passava de

uma efervescência juvenil que perdemos. "



Ralph Waldo Emerson

Jean Leon Gerome

Porias o universo em teu bordel,
mulher impura! O tédio que te faz cruel.
Para treinares os dentes neste jogo singular,
Terás a cada dia um coração a devorar,
Teus olhos a girar assim como farândolas,
De festas de fulgor a imitar as girândolas,
Exibem com insolência uma vã nobreza,
Sem conhecer jamais a lei de sua beleza!

Máquina cega e surda e de um cruel fecundo!
Instrumento a beber todo o sangue do mundo,
Já perdeste o pudor e ao espelho não viste
Tua beleza cada vez mais murcha e triste?
A grandeza de um mal que crês saber tanto
Nunca pôde fazer-te retroceder de espanto,
Na hora em que a natureza em desígnios velados,
De ti se serve, mulher, ó deusa dos pecados,
- A ti, vil animal – para um gênio formar?

Ó grandeza da lama! Ó ignomínia exemplar!

Charles Baudelaire

segunda-feira, 10 de maio de 2010

John Millais

Uma verdade que é contada com má intenção

supera todas as mentiras que se possam inventar.

WILLIAM BLAKE

Jean Beraud

Penso agora em flores, sorrisos, desejo de mulher, e

compreendo que todo o meu horror de morrer está

contido em meu ciúme de vida. Sinto ciúme daqueles

que virão e para os quais as flores e o desejo de mulher

terão todo o seu sentido de carne e de sangue.

Sou invejoso porque amo demais a vida para não

ser egoísta... Quero suportar minha lucidez até o fim e

contemplar minha morte com toda a exuberância de

meu ciúme e de meu horror.




ALBERT CAMUS

... outrora escutei os anjos

as sonatas, os poemas,

as confissões patéticas.

Nunca escutei voz de gente.

Outrora viajei

mundos imaginários,

fáceis de habitar.



DRUMMOND

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Patrick Cornée

" Existem momentos na vida em que a questão de
saber se se pode pensar diferentemente do que se
pensa, e perceber diferentemente do que se vê,
é indispensável para continuar a olhar ou a refletir."




Michel Foucault

Luigi Loir

"A linguagem tomou o lugar do sujeito desde nossa própria aurora, desde o alvorecer da Filosofia e o início das religiões. Levamos milênios para compreender a aparição da linguagem no meio de nós e em nós. Ainda levamos muito tempo para compreender o que quer dizer compreender. Levamos muito tempo para digerir a linguagem. O sujeito se define pela sua linguagem sem memória, quer seu estado de cultura seja considerado baixo ou elevado, qualquer que seja o momento da história em que ele vive. Quase sempre esquecemos que falamos. Viramos sujeitos da linguegem desde que somos homens. Falar consiste em esquecer que se fala, exige que nos atiremos nus no sentido ou no objeto ou no raciocínio, no esquecimento total que passamos pela língua. A cultura se reduz a esse esquecimento: aprendam as maneiras para nuca mais aprendê-las."



Michel Serres

John Singer Sargent

Quando desperto mansamente agora
é todo um sonho azul minha janela
e nela ficam presos esses olhos
amando-te no céu que faz lá fora.

Tu me sorris em tudo, misteriosa…
e a rua que – tal como outrora – desço,
a velha rua, eu mal a reconheço
em sua graça de menina-moça…

Riso na boca e vento no cabelo,
delas vem vindo em bando…E ao vê-lo
por um acaso olha-me a mais bela.

Sabes eu amo-te a perder de vista…
E bebo então, com uma saudade louca,
teu grande olhar azul nos olhos dela!

Mario Quintana

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Remedios Varo

" O maior problema do viver-junto é saber regular a distância, para além

a para aquém da qual se produz uma crise. O que é desejado é uma

distância que não quebre o afeto. Alacançaríamos aquele valor que

defino com o nome de "delicadeza" - distância e cuidado, ausência

de peso na relação, e, entretanto, calor intenso dessa relação."



ROLAND BARTHES



Ury Lesser

Gosto de ampulhetas, de mapas, de etimologias, do sabor do

café e da prosa de Stevenson...

Vivo, continuo a viver, para que Borges possa realizar

a sua literatura; e essa literatura me

justifica. Anos atrás, tentei me livrar dele,

e fui de mitologias dos subúrbios da cidade a jogos

com o tempo e a infinidade, mas agora esses jogos

pertencem a Borges, e terei de inventar outra coisa.

Assim, minha vida é uma fuga, e perco tudo,

e tudo pertence ao passado ou a ele.

Não sei qual de nós dois está escrevendo esta página.




JORGE LUIS BORGES

Jean Bailly

a carne cobre os ossos
e colocam uma mente
ali dentro e
algumas vezes uma alma,
e as mulheres quebram
vasos contra as paredes
e os homem bebem
demais
e ninguém encontra o
par ideal
mas seguem na
procura
rastejando para dentro e para fora
dos leitos.
a carne cobre
os ossos e a
carne busca
muito mais do que mera
carne.

de fato, não há qualquer
chance:
estamos todos presos
a um destino
singular.

ninguém nunca encontra
o par ideal.

as lixeiras da cidade se completam
os ferros-velhos se completam
os hospícios se completam
as sepulturas se completam

nada mais
se completa.



Charles Bukowski