terça-feira, 29 de setembro de 2009


O sentido do mundo emerge fora do mundo.
No mundo, tudo é como é e acontece como acontece.

Wittgenstein

Rembrandt


Somos morte. Estamos dormindo, e esta vida é um

sonho, não num sentido metafórico ou poético, mas num

sentido verdadeiro. Que é o ideal senão a confissão de que

a vida não serve?O próprio viver é morrer, porque não

temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos,

nisso, um dia a menos nela.Povoamos sonhos, somos

sombras errando através de florestas

impossíveis, em que as árvores são casas,

costumes, ideias, ideais e filosofias.



GOETHE

Não haverá uma só coisa que não seja
uma nuvem. São nuvens as catedrais
de vasta pedra e bíblicos cristais
que o tempo aplanará. São nuvens a Odisséia
que muda como o mar.
Algo há distinto
cada vez que a abrimos. O reflexo
de tua cara já é outro no espelho
e o dia é um duvidoso labirinto.
Somos os que se vão. A numerosa
nuvem que se desfaz no poente
é nossa imagem. Incessantemente
a rosa se converte noutra rosa.
És nuvem, és mar, és olvido.
És também aquilo que perdeste.


Jorge Luis Borges

domingo, 27 de setembro de 2009

Paul Delvaux


Somos feitos assim de espaçadas costelas, entremeadas
de vãos e entrânciaspara que o coração seja exposto e ferível.


MIA COUTO - escritor moçambicano

Gustav Klimt


Qual é o valor, para sobrevivência, da contração
involuntária e simultânea de quinze músculos
faciais associados a certos ruídos frequentemente
irreprimíveis?
O riso é um reflexo, porém único porque não serve

a nenhum propósito biológico manifesto;
poderíamos chamá-lo um reflexo de luxo.
Sua únca função utilitária, pelo que se pode
perceber, é proporcionar alívio temporário para
as pressões utilitaristas. Na esfera evolucionista
onde o riso emerge, um quê de frivolidade parece
invadir sorrateiramente um universo sem
humor governado pelas leis da termodinâmica
ou pela sobrevivência dos mais aptos.


Arthur Koestler - O Ato de Criação

Emil Nolde


Levarás contigo meu último sopro
de poesia; depois uma nuvem carregada
de presságios funestos escurecerá
a luz que nos foi concedida.
Não foste um simples fulgor,
chegaste inesperada, voz de salvação.
Um som límpido os cristais
emitem quando o vento
os afloram, claridade
fá-los esplender como incandescentes
arco-íris, que iluminam em derredor.
Ao redor o mundo descolora.

*** Vale a pena ler o original :
Porterai com te l'ultima ventata
di poesia; poi una nube gonfia
di presagi funesti oscurerà
la luce che ci fu concessa.
Non fosti un semplice bagliore
,giungesti inaspettata, voce di salvazione.
Un suono limpido emettono
i cristalli quando il vento
li sfiora, il chiarore li fa splendere
come incandescenti arcobaleni
che illuminano d'attorno.
Intorno il mondo scolora.


*** Eugenio Montale, poema nº 65

Trad. de Ivo Barroso(1896-1981)

Prémio Nobel de Literatura de 1975

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

James Tissot


Se o amor é apenas razoável, não é mais amor.


EDGAR MORIN

Não posso estar em erro acerca de 12x12 ser 144.

E não se pode opor a certeza matemática à relativa incerteza

das proposições empíricas. Porque a proposição matemática

foi obtida por uma série de ações que não são de modo algum

diferentes das ações da restante vida e são no mesmo grau

afetadas por esquecimentos, lapsos e confusões.

“(...) Se a proposição 12x12=144 está fora de dúvida, então

também as proposições não–matemáticas têm de estar” .



WITTGENSTEIN

Bouguereau


SONETO DE AGOSTO


Tu me levaste, eu fui... Na treva, ousados

Amamos, vagamente surpeendidos

Pelo ardor com que estávamos unidos

Nós que andávamos sempre separados.

Espantei-me, confesso-te, dos brados

Com que enchi teus patéticos ouvidos

E achei rude o calor dos teus gemidos

Eu que sempre os julgara desolados.

Só assim arrancara a linha inútil

Da tua eterna túnica insonsútil...

E para glória do teu ser mais fraco

Quisera que te vissem, como eu via

Depois, à luz da lâmpada macia

O púbis negro sobre o corpo branco.




VINÍCIUS DE MORAES

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Winslow Homer


O mais sábio dos homens seria o mais rico em contradições

(e teria) de vez em quando momentos de grandiosa harmonia.


NIETZSCHE

Evelyn De Morgan


A crise contemporânea é filosófica. A filosofia do individualismo
liberal, bem como a redução coletivista das filosofias totalitárias,
têm-se demonstrado incapazes de construir estruturas de
vida que sejam realmente humanas.
O fato fundamental da existência humana não é nem o indivíduo
enquanto tal nem a coletividade enquanto tal.
Ambas, consideradas em si mesmas, não passam de grandes
abstrações. O indivíduo é um fato da existência na medida em
que entra em relações vivas com outros indivíduos; a coletividade
é um fato da existência na medida em que se edifica com
unidades vivas de relação. O fato fundamental da existência
humana é O HOMEM COM O HOMEM.
E eis que a morte de uma filosofia individualista, bem como de
uma filosofia coletivista, podem promover o nascimento de um
futuro solidário, em que o homem viva COM o homem.


MARTIN BUBER

David Doubilet


Uma após uma as ondas apressadas
Enrolam o seu verde movimento
E chiam a alva espuma
No moreno das praias.
Uma após uma as nuvens vagarosas
Rasgam o seu redondo movimento
E o sol aquece o espaço
Do ar entre as nuvens escassas.
Indiferente a mim e eu a ela,
A natureza deste dia calmo
Furta pouco ao meu senso
De se esvair o tempo.
Só uma vaga pena inconsequente
Pára um momento à porta da minha alma
E após fitar-me um pouco
Passa, a sorrir de nada.


RICARDO REIS

terça-feira, 22 de setembro de 2009

John Jude


Procura a simplicidade e, depois, desconfia dela.


ALBERT WHITEHEAD

Vincent Van Gogh


É inútil construir tal modelo de franqueza: a vida só é tolerável pelo
grau de mistificação que se põe nela. Tal modelo seria a ruína da
sociedade, pois a “doçura” de viver em comum reside na
impossibilidade de dar livre curso ao infinito de nossos pensamentos
ocultos. É porque somos todos impostores que nos suportamos uns
aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a terra fugir sob seus pés:
estamos biologicamente obrigados ao falso. Não há herói moral que não
seja ou pueril, ou ineficaz, ou inautêntico; pois a verdadeira autenticidade
é o aviltamento na fraude, no decoro da adulação pública e da difamação
secreta. Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões
sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados para
sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de olhar cara a
cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre nós mesmos,
nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se.
A dissimulação arrasta tudo o que vive, desde o troglodita até o cético.
Como só o respeito das aparências nos separa dos cadáveres, precisar
o fundo das coisas e dos seres é perecer; conformemo-nos a um nada
mais agradável: nossa constituição só tolera uma certa dose de verdade…


Emil Cioran - Breviário da Decomposição

Eugene Boudin


O que nós vemos das cousas são as cousas.
Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir?
O essencial é saber ver,

Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),

Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
E uma seqüestração na liberdade daquele convento
De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
E as flores as penitentes convictas de um só dia,
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
Nem as flores senão flores.
Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.


ALBERTO CAEIRO

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Edwin Weeks


Creio não ter um único inimigo ou, se os tive,
nunca fui informado disso.
A verdade é que ninguém pode ferir-nos, salvo
aqueles que amamos.


Jorge Luis Borges - Elogio da Sombra

Edouard Manet


Dizer o que pensamos é uma forma de liberdade; mas

para exercer essa liberdade certas regras se impõem.

Apesar de Camus ter afirmado que " liberdade é o

direito de não mentir", não somos livres a ponto de

sairmos por aí declarando "nossas verdades"

destemida e impunemente. Temos que levar em

consideração certas noções de hora e lugar, de

finalidade, além da vulnerabilidade dos ouvidos que

irão receber nossas "livres palavras". Gosto de uma

afirmação sobre a liberdade de expressão que diz:

" os que defendem a liberdade de expressão são

geralmente aqueles que querem abusar dele." E

"despejar" verdades ostensivamente é um grande

abuso.


(LU)

Bouguereau


Se o poeta falar num gato, numa flor,
Num vento que anda por descampados e desvios
E nunca chegou à cidade...
Se falar
Numa esquina mal e mal iluminada...
Numa antiga sacada... num jogo de dominó...
Se falar naqueles obedientes soldadinhos
De chumbo que morriam de verdade...
Se falar na mão decepada no meio
De uma escada de caracol...
Se não falar em nada
E disser simplesmente tralalá...
Que importa?
Todos os poemas são de amor!



MARIO QUINTANA

sábado, 19 de setembro de 2009


É preciso ter uma mente muito fora do comum,

para analisar o óbvio.


Albert Whitehead

Vladimir Kush


Para Bergson há o tempo real: a duração; tempo que é mudança
essencial e contínua; tempo que passa incessantemente modificando
tudo e que constitui a própria essência da realidade psíquica.
Porém, não é assim que percebemos a realidade; presos aos
hábitos da inteligência e visando a nossa ação no mundo,
percebemos a realidade como estática e passível de ser
fragmentadas em partes que facilitam nosso agir no mundo.
Temos, assim, uma concepção espacial da realidade, que olha
o mundo do ponto de vista da extensão. A esta visão espacial
da realidade, escapa o tempo real, que flui incessantemente
em seu contínuo movimento, porque pensa o tempo nos moldes
do espaço e, assim, concebe um tempo ilusório: o tempo
"espacializado", originado da confusão que inadvertidamente se
faz entre tempo e espaço. E a consciência, imbuída de
representações espaciais, olha para si mesma e não se reconhece
como duração pura, enxerga estados que se sucedem sem se
penetrarem, não vê o eu no seu conjunto inter-relacionado,
esquece o passado num lugar escondido sem relação com o
presente, torna as sensações e os sentimentos unidades
estanques sem movimento, concebe a imobilidade como
substrato da realidade.


(Lu)

Vladimir Kush


Passado, Presente, Futuro


Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.

Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.


José Saramago - Os Poemas Possíveis

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Tom Thomson


Sentado à janela, contemplo com os sentidos

esta coisa nenhuma da vida universal que está lá fora.


Fernando Pessoa

Arthur Rackham


No mito, a história dirige-se para o seu ponto de partida,

para o passado. Nós, modernos, educados na ideia do

progresso, só admitimos o movimento em direção a

um ponto ideal situado no futuro, enquanto que para

o mito o devir não é significativo.

O mito é uma forma de história para aqueles que

sentem o passado como atual, de algum modo

paralelo ao momento em que vivem.



EMIL CIORAN

Edvard Munch


terça-feira, 15 de setembro de 2009

Jean Raffaelli


Ou os homens estão sós, diante da natureza,
sem grupo ou sociedade, ou eles passam a viver
na política e, então, não há mais mundo.


Michel Serres - filósofo francês

Di Cavalcanti


Pensou: 'Muito barulho à toa, por nada. Por nada'.
Essa vida era–lhe dada à toa, ele não era nada e, no
entanto, não mudaria mais. Estava formado.
Tirou os sapatos e ficou imóvel, sentado no braço da
poltrona, um sapato na mão. Sentia ainda no fundo da
garganta o calor adocicado do rum. Bocejou.
O dia estava acabado e acabava sua mocidade.
Morais comprovadas já lhe ofereciam seus serviços.
O epicurismo desabusado, a indulgência sorridente, a
resignação, a seriedade de espírito, o estoicismo, tudo
isso que permite apreciar, minuto por minuto, como
bom conhecedor, uma vida malograda. Tirou o paletó,
pôs–se a desfazer o nó da gravata. Repetia bocejando:
– Não tem dúvida, não tem dúvida, estou na idade da razão.



JEAN PAUL SARTRE - Filósofo existencialista

Leon Comerre


Como se uma estrela hidráulica arrebatada das poças,
Tu sim deslumbras, Por coroação: por regiões ativas
de levantamento: por azougue da cabeça,
Brilhas pela testa acima,Ceptro: potência
– ah sempre que o chão crepitados charcos de ouro,
E no corpo trancado a veias e nervos: o sangue que
se afunda e faz tremer tudo, Tocas
com um arrepio de unha a unha
o mundo, Pontada que te abre e aumenta
ou- onde se um troço dessa massa intestina:
e como respirada: às queimaduras primitivas
– Boca: sexo: vivezadas tripas: uma glândula que te
move ao centro,
Amadureces como um ovo,
Na traça carnal: todo com um golpe
com muita força para dentro


Herberto Helder - Portugal

segunda-feira, 14 de setembro de 2009


A ciência é um enigma que renasce, uma solução que cria um problema.

GASTON BACHELARD

Não se pode dizer que já não há piedade, não, deuses do céu,
nós não cessámos de falar nela. Simplesmente, já não se
absolve ninguém. Sobre a inocência morta pululam os juízes,
os juízes de todas as raças, os de Cristo e os do Anticristo,
que são, aliás, os mesmos, reconciliados no "desconforto".
Aquele que adere a uma lei não teme o julgamento que o
reinstala numa ordem em que crê. Mas o maior dos tormentos
humanos é ser julgado sem lei. Nós vivemos, porém, neste
tormento. Uma pessoa das minhas relações dividia os seres
em três categorias: os que preferem não ter nada que esconder
a serem obrigados a mentir, os que preferem mentir a não ter
nada que esconder e, finalmente, os que amam ao mesmo tempo
a mentira e o segredo. Deixo à sua escolha o compartimento
que me convém. Que importa, no fim de contas? As mentiras
não conduzem finalmente à via da verdade? E as minhas
histórias, verdadeiras ou falsas, não tenderão todas para o
mesmo fim, não terão o mesmo sentido? Que importa, então,
que sejam verdadeiras ou falsas se, nos dois casos, são
significativas do que fui e do que sou?



Albert Camus

Jean Leon Gerôme


O que de nós mais dura: só esqueleto
que nos fez ósseos mais do que moluscos.
O resto acaba tudo: quanto foi sentidos,
vontade, amor, inteligência, carne,
e sobretudo sexo, o sexo acaba
e se desfaz na mesma pasta informe
e fim de tudo que não é só ossos,
apenas os detritos da armação mecânica
de que se pendurou por algum tempo,
em sangue e carne, o porque somos vida.
E aquilo com que a vida se gozou
ou por acaso vidas foram feitas,
acaba como o mais – e os ossos ficam,
dos deuses esburgados. Porque os deuses temem
que sobreviva o sexo em de que morrem
na liberdade de existir-se nele.


Jorge de Sena - Portugal

domingo, 13 de setembro de 2009

Andrew Wyeth


Somos filhos e órfãos do cosmos, pois dele nos

distanciamos pela cultura e pela consciência.


EDGAR MORIN

Fernando Botero


A beleza de um corpo nu só a sentem as raças vestidas.

O pudor vale sobretudo para a sensualidade como obstáculo

para a energia. A artificialidade é a maneira de gozar a naturalidade.

O que gozei destes campos vastos, gozei-o porque aqui não vivo.

Não sente a liberdade quem nuncaviveu constrangido.

A civilização é uma educação de natureza.

O artificial é o caminho para uma apreciação do natural.

O que é preciso, porém, é que nunca tomemos o artificial

por natural. É na harmonia entre o natural e o artificial que

consiste a naturalidade da alma humana superior.


FERNANDO PESSOA

Alfred Bricher


ÍTACA


Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrará
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda a espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.

Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.



Konstantinos Kaváfis

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Santiago Rusiñol


É importante que eu seja luta, êxito,

fim e contradição dos fins.

Aquele que prevê a minha vontade

prevê também os caminhos tortuosos

que precisa seguir.


(NIETZSCHE)

Antonio Ruiz


Como pensar em ecologia sem incluir a preservação
das palavras? E com a ecologia das palavras, quem se
preocupa? E os lençóis subterrâneos da fala que são
contaminados pelo sarcasmo, pelo cinismo e, sobretudo,
pela indiferença, quem cuida de sua prevenção?
Corremos o risco de perder a natureza quando deixamos
que a linguagem fale em nosso lugar e não mais falamos
por ela. Quando somente transferimos a responsabilidade
de dizer e de nomear pelo ato de repetir.
Não é o comportamento que condiciona as palavras.
Mas as palavras formam o comportamento. As palavras
são o comportamento. Somos palavras.


(FABRÍCIO CARPINEJAR)

William Chase


A vida que não tive

morre em mim até hoje.

Chega, límpida, pura,

sorri, pálida, foge.

A vida que não tive

salta, viva, de tudo.

Se me sorri nos olhos,

com que ilusão me iludo.

A vida que não tive

é o que há de mim em mim,

chama, orvalho, segredo

do nunca de onde vim.


EMILIO MOURA

Vladimir Kush


Não é duvidoso que a fórmula mais próxima à verdade

será aquela que num giro mais unitário e harmonioso

valha para o maior número de particularidades - e,

como num tear, um só golpe tece até mil fios.


ORTEGA Y GASSET

William Glackens


Ler corretamente é correr grandes riscos.
É tornar vulnerável nossa identidade, nosso autodomínio.
Na primeira fase da epilepsia, ocorre um sonho característico
(Dostoievski nos fala sobre isso).
De algum modo a pessoa se desprende de seu próprio corpo;
ao olhar para trás, vê-se a si mesma e sente um súbito
medo alucinante; uma outra presença está entrando em
seu próprio ser, e não há caminho de volta.
Sentindo esse medo, a mente busca um abrupto despertar.
Assim deveria ser quando temos nas mãos uma importante
obra literária ou filosófica, ficcional ou doutrinária.
Pode vir a nos possuir tão completamente que, por um
momento, permanecemos com medo de nós mesmos e
em estado de imperfeito reconhecimento.
Quem leu A Metamorfose de Kafka e consegue se olhar no
espelho sem se abalar, talvez seja capaz, do ponto de vista
técnico, de ler a palavra impressa, mas é analfabeto no
único sentido que importa.


George Steiner - Linguagem e Silêncio.

Marc Chagall


Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.
Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.
O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.
Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.


CECÍLIA MEIRELLES

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Vincent Van Gogh


Há quem gostaria de melhorar os homens e quem

estime que isso poderia acontecer melhorando antes as

condições de vida. Mas rapidamente se vê que uma coisa

não anda sem a outra e não se sabe por onde começar.


ANDRÉ GIDE

Tintoretto


"Por que será que o amor é imensamente mais rico do que qualquer
outra possibilidade humana? Por que se mostra, aos que são tocados
por ele, como um doce fardo? Porque nos transformamos naquilo que
amamos sem deixarmos de ser nós mesmos. Gostaríamos, então, de
agradecer à pessoa amada e não encontramos nada que seja suficiente
para tanto. Só podemos agradecer através de nós mesmos.
O amor transforma o agradecimento em fidelidade para conosco e em
crença incondicional no outro. Dessa forma, o amor intensifica
constantemente o seu segredo mais peculiar.
A proximidade implica aqui a maior distância diante do outro. Essa

distância não deixa nada desaparecer, mas nos lança ao seio da simples
presença de uma revelação transparente, apesar de incompreensível.
O coração nunca está em condições de dominar o despontar repentino
do outro em nossa vida. Um destino humano entrega- se a um destino
humano, e o ofício do amor puro/ casto é manter
desperta essa entrega exatamente como no primeiro dia"


(Trecho de uma carta de Martin Heidegger a Hannah Arendt)

Samuel Colman


- De quem gostas mais?, diz lá, estrangeiro.

De teu pai, de tua mãe, de tua irmã ou do teu irmão?

- Não tenho pai, nem mãe, nem irmãos.

- Dos teus amigos?

- Eis uma palavra cujo sentido sempre ignorei.

- Da tua pátria?

- Não sei onde está situada.

- Da beleza?

- Amá-la-ia de boa vontade se a encontrasse.

- Do ouro?

- Odeio-o tanto quanto vós a Deus.

- Então que amas tu singular estrangeiro?

- Amo as nuvens... as nuvens que passam...lá,

ao longe...as maravilhosas nuvens!


Charles Baudelaire, O Estrangeiro

Ramon Casas


Sou uma estrangeira e não há no mundo quem

conheça uma única palavra do idioma da minha alma....


Khalil Gibran

Claude Monet


Seremos ainda românticos
- e entraremos na densa mata,
em busca de flores de prata,
de aéreos , invisíveis cânticos.
Nas pedras, à sombra, sentados,
respiraremos a frescura
dos verdes reinos encantados
das lianas e das fonte pura.
E tão românticos seremos,
de tão magoado romantismo,
que as folhas dos galhos supremos
que se desprenderem no abismo
pousarão na nossa memória
- secas borboletas caídas -
e choraremos sua história,
- resumo de todas as vidas.


Cecília Meirelles

Edvard Munch


O mito de Sísifo foi publicado em 1942 e é, possivelmente, a obra mais

filosófica de Albert Camus. Agora ele problematizará filosoficamente a

vida e refletirá sobre ela. Nesta obra o tema do absurdo aparece em

toda sua plenitude. E será o conceito fundamental para compreender

a existência humana, do homem comum, que quer ser feliz e se interroga.

A lucidez será a atitude essencial deste homem. O livro começa colocando

o único problema fundamental e, verdadeiramente, sério: o suicídio, isto

é, julgar se a vida merece ou não ser vivida. Para o filósofo, todos os

outros problemas vêm depois, como, por exemplo, se o mundo tem três

dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias. Primeiro é preciso

responder àquela pergunta. E acrescenta, com uma dose de ironia:

"nunca vi ninguém morrer por causa do argumento ontológico.

Galileu, que sustentava uma verdade científica importante, abjurou

dela com a maior tranqüilidade assim que viu sua vida em perigo.

Em certo sentido, fez bem. Essa verdade não valia o risco da fogueira.

Qual deles, a Terra ou o Sol gira em redor do outro,

é-nos profundamente indiferente".

Henri Lebasque


O muro da ignorância que impede tantos
de se verem com clareza só pode ser atravessado
pela comunicação. E a comunicação só funciona
quando compreendemos as formas
que ela pode assumir.



Scott McCloud

Gustav Klimt


Mergulhar no pensamento pode ser como mergulhar em contos

infantis, podemos ser uma espécie de Alice deslumbrada.

Podemos também encontrar masmorras e prisões perpétuas.

Depende daquilo que procurarmos. Mais incrível do que não

termos sempre esta consciência de nós próprios é o tão pouco

que temos esta mesma consciência em relação aos outros.

Está uma mulher sentada à nossa frente no autocarro, está o

nosso pai, estás tu, e não somos sempre capazes de imaginar

que, depois do rosto, ou sobre o rosto, invisível, está um choque

frontal de palavras, está uma intermitência de frases, está uma

imagem fixa, melodia, timbre de voz, etc. Apesar de já ter sido

usado neste texto, "pensamento" parece-me um termo desadequado

porque implica atenção. Estas palavras e imagens e melodias

organizam-se em enxame. Mesmo quando oferecemos a atenção ao

mundo, elas continuam lá, dentro de nós como se estivessem

à nossa volta.


José Luis Peixoto - escritor português

Jules Dahlager


A abelha que, voando, freme sobre
A colorida flor, e pousa, quase
Sem diferença dela
À vista que não olha,
Não mudou desde Cecrops.
Só quem vive
Uma vida com ser que se conhece
Envelhece, distinto
Da espécie de que vive.
Ela é a mesma que outra que não ela.
Só nós ó tempo, ó alma, ó vida, ó morte!
Mortalmente compramos
Ter mais vida que a vida.



RICARDO REIS

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Max Pechstein


As únicas pessoas normais são aquelas que você não conhece bem.

ALFRED ADLER

Merlin Flu