terça-feira, 22 de setembro de 2009

É inútil construir tal modelo de franqueza: a vida só é tolerável pelo
grau de mistificação que se põe nela. Tal modelo seria a ruína da
sociedade, pois a “doçura” de viver em comum reside na
impossibilidade de dar livre curso ao infinito de nossos pensamentos
ocultos. É porque somos todos impostores que nos suportamos uns
aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a terra fugir sob seus pés:
estamos biologicamente obrigados ao falso. Não há herói moral que não
seja ou pueril, ou ineficaz, ou inautêntico; pois a verdadeira autenticidade
é o aviltamento na fraude, no decoro da adulação pública e da difamação
secreta. Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões
sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados para
sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de olhar cara a
cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre nós mesmos,
nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se.
A dissimulação arrasta tudo o que vive, desde o troglodita até o cético.
Como só o respeito das aparências nos separa dos cadáveres, precisar
o fundo das coisas e dos seres é perecer; conformemo-nos a um nada
mais agradável: nossa constituição só tolera uma certa dose de verdade…


Emil Cioran - Breviário da Decomposição

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