segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Não se pode dizer que já não há piedade, não, deuses do céu,
nós não cessámos de falar nela. Simplesmente, já não se
absolve ninguém. Sobre a inocência morta pululam os juízes,
os juízes de todas as raças, os de Cristo e os do Anticristo,
que são, aliás, os mesmos, reconciliados no "desconforto".
Aquele que adere a uma lei não teme o julgamento que o
reinstala numa ordem em que crê. Mas o maior dos tormentos
humanos é ser julgado sem lei. Nós vivemos, porém, neste
tormento. Uma pessoa das minhas relações dividia os seres
em três categorias: os que preferem não ter nada que esconder
a serem obrigados a mentir, os que preferem mentir a não ter
nada que esconder e, finalmente, os que amam ao mesmo tempo
a mentira e o segredo. Deixo à sua escolha o compartimento
que me convém. Que importa, no fim de contas? As mentiras
não conduzem finalmente à via da verdade? E as minhas
histórias, verdadeiras ou falsas, não tenderão todas para o
mesmo fim, não terão o mesmo sentido? Que importa, então,
que sejam verdadeiras ou falsas se, nos dois casos, são
significativas do que fui e do que sou?



Albert Camus

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