domingo, 29 de agosto de 2010

Adam Burton

Quando retornamos mais uma vez àquela meditação

sobre o homem ser um mundo, concluímos:

deixa-o ser um mundo e ele mesmo

será a terra e o pesar dos mares.


SHAKESPEARE

Adam Burton

O verdadeiro rosto da história afasta-se veloz.

Só podemos reter o passado como uma imagem que

no instante em que se deixa reconhecer lança um clarão

que não voltará a ver-se.

Irrecuperável é, com efeito, toda a imagem do passado

que corre o risco de desaparecer com cada instante

presente que nela não se reconheceu.

A feliz notícia trazida pelo ofegante historiógrafo do passado

sai de uma boca que, talvez no próprio instante em

que se abre, fala já no vazio.



Walter Benjamin - 'Teses Sobre a Filosofia da História'

Damian Elwes

Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
Aquele que agradece que haja música na terra.
Aquele que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um xadrez silencioso.
O tipógrafo que compõe tão bem esta página que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
Aquele que agradece a presença na terra de Stevenson.
Aquele que prefere que sejam os outros a ter razão.
Essas pessoas, que se ignoram, vão salvando o mundo.



Jorge Luís Borges

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Jean Beraud

" O verdadeiro amor é excepcional, dois ou três em cada século,

mais ou menos.

No resto do tempo, há vaidade ou o tédio."





ALBERT CAMUS

Alfred Maurer

" A recompensa é o que amadurece um homem... e aquele

que não conhece os períodos de sua vida,

que não pode vivê-los, perde o fruto

que pode produzir: do mesmop modo que a

natureza não pode ser modificada,

o poder e a grandiosidade não podem

ter suas estações alteradas.


JOHN DONNE

John Lavery

No tempo dos deuses tudo era simples

como eles

e natureza e humano reinavam no mundo.

Mas veio um deus ususrpador e único

e tornou o mundo incompreensível

porque o seu reino não era deste mundo.

E até hoje ninguém soube

por que então ele expulsou os outros deuses

e ficou reinando sozinho

e fez todos os homens pecarem

- coisa que eles jamais haviam feito antes -

Porque pecar com inocência não é pecar...

E os homens conheceram o terror maravilhoso do pecado

E assim o novo deus lhes trouxe

uma volúpia nova.


MARIO QUINTANA

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Isaac Israels

" Um dia de chuva é bom para a gente comprar livros de poemas...

Quem perguntar por que, de nada lhe adianta

comprar um livro de poemas."



Quintana

Edmund Tarbell

Nenhuma mulher vai ao encontro de um desejo

voluntariamente contido por respeito a ela.

Ela fica feliz em mantê-lo em suspenso em sua

imaginação, mas com isso aumenta a obsessão

naquele que a deseja, de modo que é no final possuída

por um homem obcecado por seu próprio desejo.

E é então que a mulher se torna verdadeiramente

objeto: quando é desejada apenas por um homem ansioso

do próprio desejo. Mas enfim isso também resolve o

problema da mulher, que prefere gozar por interposição

de um desejo eternamente insatisfeito.




JEAN BAUDRILLARD

Eric Slayton

A EDUCAÇÃO PELA PEDRA


Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.

João Cabral de Melo Neto

terça-feira, 10 de agosto de 2010

" Os homens temem a morte como as crianças temem o escuro."

Pascal

Edvard Munch

Um sentimento é profundo porque consideramos profundo

o pensamento que o acompanha. Mas o pensamento

profundo pode estar muito longe da verdade.

Se retirarmos do sentimento profundo os elementos

intelectuais a ele misturados, resta o sentimento forte,

e este não é capaz de garantir, para o conhecimento,

nada além de si mesmo, tal como a crença forte prova

apenas a sua força, não a verdade daquilo em que se crê.


NIETZSCHE


Patrick Cornée

OCEANO



Junto do mar, que erguia gravemente
À trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente...

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...



ANTERO DE QUENTAL

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Martha Walters

Cortesia é a aristocracia do coração.

OCTAVIO PAZ

Karl Briullov

Na fé e na dúvida, o tédio nos visita

como o sono; no instante em que a vontade

afrouxa sua tensão.

Mas quando a fé e a dúvida se deixam descobrir

na sua ingênua, profunda relação,

e sobrevém o assombro frente

à maravilhosa indiferença de Deus,

a gente recupera a calma para

sempre, e a calma para sempre é o tédio.

MARIO BENEDETTI

José Canelas

BALADA DOS ENFORCADOS


Irmãos humanos que depois de nós viveis.
Não tenhais duro contra nós o coração.
Porquanto se de nós, pobres, vos condoeis.
Deus vos concederá mais cedo o seu perdão.
Aqui nos vedes pendurados, cinco, seis:
Quanto à carne, por nós demais alimentada.
Temo-la há muito apodrecida e devorada,
E nós, os ossos, cinza e pó vamos virar.
De nossa desventura ninguém dê risada:
Rogai a Deus que a todos queira nos salvar!

Chamamo-vos irmãos : disso não desdenheis.
Apesar de a justiça a nossa execução
Ter ordenado. Vós, contudo, conheceis
Que nem todos possuem juízo firme e são.
Exculpai-nos – que mortos, mortos, nos sabeis -
Com o filho de Maria, a nunca profanada;
A sua graça, para nós, não finde em nada,
No inferno não nos venha o raio despenhar.
Ninguém nos atormente, a vida já acabada.
Rogai a Deus que a todos queira nos salvar!

A chuva nos lavou, limpou-nos, percebeis;
O sol nos ressequiu até à negridão;
Pegas, corvos cavaram nossos olhos – eis! -,
Tiraram-nos a barba, a bico e repuxão.
Em tempo algum tranqüilos nos contempiareis:
Para cá, para lá, o vento de virada
A seu talante leva-nos , sem dar pousada;
Mais que a dedal, picam-nos pássaros no ar.
Não queirais pertencer a esta nossa enfiada.
Rogai a Deus que a todos queira nos salvar!

Príncipe bom Jesus, de universal mandar,
Guardai-nos, ou o infemo nos arrecada:
Lá nada temos a fazer, nada a pagar.
Homens, aqui a zombaria é inadequada:
Rogai a Deus que a todos queira nos salvar!

François Villon

(tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos)