terça-feira, 27 de maio de 2014

Enterrem meu corpo em qualquer lugar.
Que não seja, porém, um cemitério.
De preferência, mata;
Na Gávea, na Tijuca, em Jacarepaguá.
Na tumba, em letras fundas,
Que o tempo não destrua,
Meu nome gravado claramente.
De modo que, um dia,
Um casal desgarrado
Em busca de sossego
Ou de saciedade solitária,
Me descubra entre folhas,
Detritos vegetais,
Cheiros de bichos mortos
(Como eu).
E como uma longa árvore desgalhada
Levantou um pouco a laje do meu túmulo
Com a raiz poderosa
haja a vaga impressão
De que não estou na morada.
Não sairei, prometo.
Estarei fenecendo normalmente
Em meu canteiro final.
E o casal repetirá meu nome
Sem saber quem eu fui,
E se irá embora
Preso à angustia infinita
Do ser e do não ser.
Ficarei entre ratos, lagartos,
Sol e chuvas ocasionais,
Estes sim, imortais
Até que um dia, de mim caia a semente
De onde há de brotar a flor
Que eu peço que se chame
Papáverum Millôr.


Millôr Fernandes

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