sábado, 4 de outubro de 2014


"O amor não rende juros. É verdade «que um baixo amor os fortes enfraquece»
mas também o grande amor torna ridículos os grandes, pois o amor é,
em energia material sobre o mundo, um roubo — apesar de, em sensações,
ser magnífico. 0 amor será útil internamente, mas externamente não carrega
um tijolo. Disso nunca tive dúvidas. A vida, é certo, não será um sítio excepcional
para as paixões. Nos países humanos, o amor mistura-se muito com palavras equívocas.
O fogo que existe numa lareira, por exemplo, é um fogo servil, cultural, educado.
Uma coisa vermelha, mas mansa, que nos obedece. Só é natureza, o fogo na lareira,
quando, vingando-se, provoca um incêndio. E o amor assim funciona.
Mas é preferível o contrário.  É desarranjo de estratégias e planos, surpresa ritmada,
uma ilegalidade exaltante que não prejudica os vizinhos. Mas atenção, de novo:
o amor não faz bem aos países, não desenvolve as suas indústrias, nem a economia.
Disso nunca tive dúvidas. E por isso é preferível não.
No entanto, qual é o país que pode impedir que o amor entre? Não é mercadoria
traficada em caixas, que as caixas são objectos que se abrem ao meio
— e é possivel, com uma lanterna, olhar lá para dentro.  0 amor não se vê como se
fosse uma presença. É demasiado completo para ter uma forma.
E como jamais se conseguiram obter juros de uma coisa que não ocupa espaço,
é preferível não, parece-me."
 
 
Gonçalo M. Tavares - "Uma Viagem à Índia"

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