sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

 " Uma das hipóteses mais defendidas pela cultura moderna é que, quando uma tecnologia nova surge, automaticamente, torna obsoletas as antigas que faziam basicamente a mesma coisa. Um caso clássico é a charrete. Quando se trocou carruagens por automóveis, no começo do século XX, praticamente deixou de haver necessidade de charretes, e elas desapareceream. Contudo, nem sempre é assim. Tecnologias mais antigas costumam sobreviver à introdução das mais novas, quando ainda são capazes de ter função de um modo que os novos aparelhos não podem fazer. O melhor exemplo disso é a porta com dobradiças. Veja um filme de ficção científica e preste atenção. Vai perceber que casas, escritórios e naves espaciais do "futuro" quase sempre têm portas de correr. Os cineastas sempre acreditaram que no futuro não haverá mais portas com dobradiças; porque dobradiças são algo careta e desconfortável, cheia de rangidos, enquanto portas de correr economizam espaço, são mais elegantes e mais futuristas. Dessa forma, no pensamento popular as dobradiças estão sempre à beira da extinção.
 
Mas por que então as portas de dobradiças continuam conosco? Porque, embora as portas de correr sejam esteticamente atraentes, na verdade elas apenas deslizam para lá e para cá, enquanto que as portas com dobradiças são mais interessantes exatamente por causa da forma como ocupam espaço, e se movimentam nele. É possível sair detrás de uma porta dessas e surpreender alguém. É possível bater muito alto uma porta com dobradiças para extravasar a raiva ou fechá-la com muito cuidado para não acordar alguém. Uma porta com dobradiças é uma ferramente expressiva. Ela responde ao nosso corpo de uma forma que as portas de correr não respondem."
 
 
 
 
 
 
WILLIAM POWERS - O BLACK BERRY DE HAMLET

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