quarta-feira, 20 de junho de 2012

NÃO MAIS

Preciso contar um dia como mudei
Minha opinião sobre a poesia e por que
Me considero hoje um dos muitos
Mercadores e artesãos do Império do Japão
Compondo versos sobre a floração da cerejeira,
Sobre crisântemos e a lua cheia.

Se eu pudesse descrever as cortesãs

De Veneza, como incitam com uma vareta o
  pavão no pátio
E desfolhar do tecido sedoso, da cinta nacarina
Os seios pesados, a marca
Avermelhada no ventre onde o vestido se
  abotoa,
Ao menos assim como as viu o dono das
  galeotas
Arribadas àquela manhã carregando ouro;
E se ao mesmo tempo pudesse encerrar seus
  pobres ossos
No cemitério, onde o mar oleoso lambe
  o portão,
Em palavras mais duráveis que o derradeiro
  pente
Que entre carcomas sob a lápide, só, espera
pela luz
Não duvidaria. Da resistência da matéria
O que se retém? Nada, quando muito o belo.
Então devem nos bastar as flores da cerejeira
E os crisântemos e a lua cheia.


CZESLAW MILOSZ

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