terça-feira, 31 de julho de 2012


Conselho
Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.


Eugênio de Andrade

John William Godward
"No encontro, maravilha-me o fato de ter achado alguém que, com pinceladas sucessivas,
sem falhas, conclui o quadro da minha fantasia; sou como um jogador cuja sorte
não se desmente e faz com que ele ponha a mão na pequena peça que vem,
já na primeira tentativa, completar o quebra-cabeça de seu desejo.
É uma descoberta progressiva (e como que uma verificação) das afinidades,
cumplicidades e intimidades que poderei manter eternamente (no meu modo de ver)
com um outro, em via de tornar-se, assim, 'meu outro':
estou inteiramente voltado para essa descoberta (e com ela estremeço)
(...). A cada instante do encontro, descubro no outro um outro eu mesmo:
Você gosta disso? Puxa, eu também! Você não gosta daquilo? Eu também não!

(...) O Encontro faz com que o sujeito amoroso (já seduzido) experimente
o atordoamento de um acaso sobrenatural:
o amor pertence à ordem (dionisíaca) do lance de dados".



Roland Barthes - "Encontro", em:
Fragmentos de um Discurso Amoroso
Vladimir Kush
Pretendo que a poesia tenha
a virtude de, em meio ao sofrimento
e o desamparo,
acender uma luz qualquer,
uma luz que não nos é dada,
não desce dos céus,
mas que nasce das mãos
e do espírito dos homens.



Ferreira Gullar

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Erika Hopper

" As emoções são gloriosas quando permanecem nas profundezas,

mas não quando vêm à luz e pretendem tornar-se essência e governar."




Demócrito

Normalmente, pensa-se que o eu é uma pessoa debruçada para fora
dos seus próprios olhos como se estivesse no parapeito de uma janela
e que observa o mundo que se estende em toda a sua vastidão, ali,
diante de si. Portanto: há uma janela que dá para o mundo.
Do lado de lá está o mundo; e do lado de cá? Sempre o mundo:
que outra coisa queriam que estivesse? E então, fora da janela,
o que é que fica? Ainda e sempre o mundo, que nesta ocasião se
desdobrou em mundo que olha e mundo que é olhado. (…)
Ou então, dado que há mundo do lado de cá e mundo do lado de lá
da janela talvez o eu não seja mais do que a janela através
da qual o mundo olha o mundo.


Ítalo CalvinoPalomar


Os jardins imaginários que de longe vislumbramos
pertencem

aos distraídos insensíveis entes

com que os povoamos


Sempre ficamos

do lado de cá de suas grades

desejosos-receosos de as passarmos


Sentimos o perfume

das rosas que inventamos

vemos o esplendor

dos frutos que sonhamos


Contemplamos

na inventada montra dos prazeres

as sublimes doçuras que sonhamos

sentindo sempre

que não

que não somos dignos

de fruir tais gozos


Nos proibidos jardins

que inventamos

nós

sombras-fantasmas

dum desejo que nos impele em vão

nós

jamais perturbamos

a serenidade

de seu eterno impassível Verão.


Ana Hatherly





segunda-feira, 23 de julho de 2012

Nicole Etienne
"Nada é mais raro no mundo que uma pessoa habitualmente suportável."


GIACOMO LEOPARDI
Pascale Pratte
"(...) Mas se a ordem é necessária às coisas, é também necessária a variedade:
sem ela a alma esmorece, porque as coisas semelhantes lhe parecem as mesmas
e, se uma parte de um quadro se assemelhasse a outra que tivéssemos visto,
esse objecto seria novo sem o parecer e não proporcionaria qualquer prazer.
E, como a beleza das obras de arte, tal como a da natureza, consiste no
prazer que nos proporciona, é necessário torná-la o mais possível apta a
variar esses prazeres; é necessário fazer a alma ver coisas que nunca viu (...)».


Montesquieu

Considerando a frio, imparcialmente,
que o homem é triste, tosse e, sem embargo,
se alegra em seu peito colorido;
que a única coisa que faz é compor-se
de dias;
que é lôbrego mamífero e se penteia...

Considerando

que o homem procede suavemente do trabalho
e ressoa chefe e soa subordinado;
que o diagrama do tempo
é constante diorama em suas medalhas
e, semi-abertos, seus olhos estudaram,
desde distantes tempos,
sua fórmula famélica de massa...

Compreendo sem esforço

que o homem fica, às vezes, pensando,
como querendo chorar,
e, sujeito a estender-se como objeto,
se torna bom carpinteiro, sua, mata
e depois canta, almoça, se abotoa...

Examinando, enfim,

suas contraditórias peças, sua latrina,
seu desespero, ao terminar o dia atroz, apagando-o...

Considerando também

que o homem é na verdade um animal
e, não obstante, ao voltear, me dá com sua tristeza na cabeça...

Compreendendo

que ele sabe que o quero,
que o odeio com afeto e me é, em suma, indiferente...

Considerando seus documentos gerais

e examinando com lentes aquele certificado
que prova que nasceu muito pequenino...

faço-lhe um sinal,

vem,
e lhe dou um abraço, emocionado.
Tanto faz! Emocionado... Emocionado...


CESAR VALLEJO


Tradução de Ferreira Gullar


terça-feira, 17 de julho de 2012

Terry Border
«Quando um homem é injustamente preso, o dever de qualquer outro homem é estar na prisão.»

HENRY THOREAU


Ninguém sabe andar na rua como as crianças. Para elas é sempre uma novidade,
é uma constante festa transpor umbrais. Sair à rua é para elas muito mais do que
sair à rua. Vão com o vento. Não vão a nenhum sítio determinado, não se
defendem dos olhares das outras ‑pessoas e nem sequer, em dias escuros, a
tempestade se reduz, como para a gente crescida, a um obstáculo que se opõe
ao guarda‑chuva. Abrem‑se à aragem. Não projectam sobre as pedras, sobre
as árvores, sobre as outras pessoas que passam, cuidados que não têm.
Vão com a mãe à loja, mas apesar disso vão sempre muito mais longe.
E nem sequer sabem que são a alegria de quem as vê passar e desaparecer.



Ruy Belo - Imagens Vindas dos Dias



ARTE FINAL





Não basta um grande amor
para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
que o amor da gente.
O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.
Uma coisa é a letra,
e outra o ato,
- quem toma uma por outra
confunde e mente. 




AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA

sexta-feira, 13 de julho de 2012


As crianças não têm ideias religiosas, mas têm experiências místicas.
Experiência mística não é ver seres de outro mundo.
É ver este mundo iluminado pela beleza.

Rubens Alves
Jean Claude Campana
A mente que se habituou à liberdade e à imparcialidade da contemplação filosófica

conservará alguma desta liberdade e imparcialidade no mundo da ação e da emoção.

Encarará os seus propósitos e os seus desejos como partes do todo e com a falta

de persistência que resulta de os ver como fragmentos minúsculos num mundo no

qual nada mais é afetado por qualquer ação humana. A imparcialidade que na

contemplação é o desejo puro da verdade, é a mesma qualidade da mente que na

ação é a justiça e na emoção é o amor universal que pode ser dado a tudo e não

apenas aos que consideramos úteis ou dignos de admiração. Por conseguinte, a

contemplação alarga não apenas os objetos dos nossos pensamentos, mas também

os objetos das nossas ações e das nossas afecções; faz-nos cidadãos do universo e

não apenas de uma cidade murada em guerra com tudo o resto.

A verdadeira liberdade humana e a sua libertação da sujeição a esperanças e

temores mesquinhos consiste nesta cidadania do universo.




BERTRAND RUSSELL

O que deve ser dito

“Porque guardo silêncio há demasiado tempo
sobre o que é manifesto
e se utilizava em jogos de guerra
em que no fim, nós sobreviventes,
acabamos como meras notas de rodapé.

É o suposto direito a um ataque preventivo,
que poderá exterminar o povo iraniano,
conduzido ao júbilo
e organizado por um fanfarrão,
porque na sua jurisdição se suspeita
do fabrico de uma bomba atômica.

Mas por que me proibiram de falar
sobre esse outro país [Israel], onde há anos
- ainda que mantido em segredo –
se dispõe de um crescente potencial nuclear,
que não está sujeito a nenhum controle,
pois é inacessível a inspeções?

O silêncio geral sobre esse fato,
a que se sujeitou o meu próprio silêncio,
sinto-o como uma gravosa mentira
e coação que ameaça castigar
quando não é respeitada:
“antissemitismo” se chama a condenação.

Agora, contudo, porque o meu país,
acusado uma e outra vez, rotineiramente,
de crimes muito próprios,
sem quaisquer precedentes,
vai entregar a Israel outro submarino
cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras
para onde não ficou provada
a existência de uma única bomba,
se bem que se queira instituir o medo como prova… digo o que deve ser dito.

Por que me calei até agora?

Porque acreditava que a minha origem,
marcada por um estigma inapagável,
me impedia de atribuir esse fato, como evidente,
ao país de Israel, ao qual estou unido
e quero continuar a estar.

Por que motivo só agora digo,
já velho e com a minha última tinta,
que Israel, potência nuclear, coloca em perigo
uma paz mundial já de si frágil?

Porque deve ser dito
aquilo que amanhã poderá ser demasiado tarde [a dizer],
e porque – já suficientemente incriminados como alemães –
poderíamos ser cúmplices de um crime
que é previsível,
pelo que a nossa cota-parte de culpa
não poderia extinguir-se
com nenhuma das desculpas habituais.

Admito-o: não vou continuar a calar-me
porque estou farto
da hipocrisia do Ocidente;
é de esperar, além disso,
que muitos se libertem do silêncio,
exijam ao causador desse perigo visível
que renuncie ao uso da força
e insistam também para que os governos
de ambos os países permitam
o controle permanente e sem entraves,
por parte de uma instância internacional,
do potencial nuclear israelense
e das instalações nucleares iranianas.

Só assim poderemos ajudar todos,
israelenses e palestinos,
mas também todos os seres humanos
que nessa região ocupada pela demência
vivem em conflito lado a lado,
odiando-se mutuamente,
e decididamente ajudar-nos também.”

Günter Grass

terça-feira, 10 de julho de 2012

Scott Prior
" Há duas maneiras de escrever sobre o futuro: a científica e a utópica.
A maneira científica procura descobrir o que é provável;
a utópica revela o que o autor gostaria."



Bertrand Russell
Marina Grigoryan
" No passado, a vida era séria por causa do perigo e interessante por ser séria.
Sem perigo, se a natureza humana continua a mesma, os homens recorrerão a

todo gênero de vícios decadentes na esperança de um pouco de novidade.
Porém, pode-se escapar a esse dilema, pois a natureza humana não é imutável.

O que passa por "natureza humana" é no máximo um décimo de natureza,
sendo o restante, cultivo. O que se chama natureza humana pode ser quase

completamente modificada por alterações na educação.
E essas alterações poderiam consistir em conservar
na vida suficiente seriedade, sem o tempero do perigo."


Bertrand Russell
Martha Walter
Às Vezes

Às vezes fazemos coisas
Que não queremos fazer,
Talvez por existir
Um pingo de esperança
Esperança essa que nem sempre
Nos faz bem
Nos leva para o caminho certo
Às vezes amamos intensamente
Às vezes sonhamos os mais belos sonhos
Às vezes até odiamos
com a mesma intensidade que amamos
Mais o certo é que,
Nem sempre
“Às vezes” dura um só momento
Às vezes os “Às vezes” podem
Durar eternamente!!!
Nem sempre.




FREDERICO GARCIA LORCA

terça-feira, 3 de julho de 2012


" Nós todos somos agnósticos até descobrirmos que o agnosticismo não vai funcionar."


G.K.Chesterton
Michael Gorban
Ela era um Espírito da alegria
Quando a vi no primeiro dia;
Bela Aparição brilhante
Enviada ao encanto do instante;
Seus olhos, como o Crepúsculo sereno;
Como o Crepúsculo, seu cabelo moreno;
E tudo mais que a envolvia
À Aurora e à Primavera pertencia;
Forma dançante, imagem a alegrar?
A surpreender, assolar e assombrar.
Olhei-a de perto, lá estava ela,
Um Espírito, mas também uma Donzela!
Seu movimento leve, solto e frugal,
E passos da liberdade virginal;
No semblante se encontraram as nuanças
Das doces promessas e doces lembranças;
Criatura nem brilhante ou boa demais
Para os afazeres cotidianos e normais,
Ou a sofrer passageiro e simples desejos,
Louvor, culpa, amor, lágrimas, sorrisos e beijos.
Com os olhos tranquilos posso contemplar
Desta máquina o verdadeiro pulsar;
Um ser que, pensativo, respira forte;
Um Viajante, em meio à vida e à morte;
A razão firme, a vontade temperada,
Uma perfeita Mulher soberbamente forjada;
Paciência, visão, habilidade e poder,
Para alertar, confortar e reger;
E ainda um Espírito com fulgor magistral,
Com algo da luz angelical.


William Wordsworth


Tradução de Alberto Marsicano e John Milton

Charlet Frantz
"Como espécie, o sapiens ama e detesta sua própria vida e as de outras espécies,
ele as erradica e as pesquisa.
Uma força grandiosa transbordante de crime e deleite...
Vivemos, logo amamos; vivemos, logo odiamos.
Eu amo e odeio a vida, logo existo. Transformamo-nos lentamente, com variações
individuais, num gênero pacífico e arrogante, inventivo e exterminador,
amoroso e tanatocrático, de Stalin a São Francisco de Assis, do caçador
impiedoso a São Júlio, o Hospitaleiro, do parasita ao simbionte, da loucura
dos que adoram o poder ao surpreendente punhado
de santos que dedicam seu poder ao amor."


Michel Serres