sábado, 11 de fevereiro de 2012

UMA FACE NA ESCURIDÃO


A vida ia tomando forma e cor, rompia...
Eu estava tão presa a ti, que não sabia
Onde acabava eu e começava tu.
Mas ela mesma, a vida, a borbulhar selvagem
No uivo dos animais, no viço da folhagem
- Em tudo, no teu corpo e no meu corpo nu -

Ela mesma nos separou. As cordilheiras
Afundaram no oceano. As vozes derradeiras
Dos bichos que no abismo iam todos morrer.
Enchiam-me de assombro... E conheci na treva
A maior dor. A dor da força que me leva
Para longe de ti. Meu ser pelo teu ser

Clamou... Clamou debalde. Em mim subitamente
Tudo descorou, tudo envelheceu. Ao quente
Meu coração de outrora, hoje tarde reflui
Um sangue pobre em que já não palpita nada.
Como a planta sem ar, murchei. Branca e gelada,
Não sou mais do que uma lembrança do que fui.

Embora! Testemunhei eu só, aquela
Que trouxe a vida em si mais luminosa e bela
Do que nunca a sonhaste, a glória deste amor
Terás em mim, aquela que foi tua, ora uma estranha,
A única face que te observa e te acompanha
Da funda escuridão... Cada dia maior...


MANUEL BANDEIRA

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