sexta-feira, 4 de maio de 2012

Mas, tratando-se da natureza em seu conjunto, o irracional maravilhoso
sempre estará presente, pois o infinito excede a razão. No seio da
enormidade do tempo e do espaço, num ponto da natureza infinita,
ou talvez infinitamente infinita, como quer Espinosa, o homem tem
o sentimento do Englobante e do sem limites como de um mistério
insondável, diante do qual a razão se detém.

Decerto a filosofia é obra da razão, do “bom senso”, como diz Descartes.
Mas ao contrário da razão científica que passa ao lado do maravilhoso
e do mistério sem o ver, a razão filosófica reconhece, identifica o
irracional, o maravilhoso, o mistério. Seu fracasso, sua impotência em
apreender os arcanos das coisas lhe revelam mistérios impossíveis de
desvendar: o mistério da natureza insondável e infinita, o mistério da
morte e do sentido, ou do não-sentido, do homem. Não há, aqui, "problemas"
que o filósofo poderia resolver. A filosofia não resolve nenhum problema.
Não existe, a bem da verdade, problema filosófico. O papel da filosofia é,
para além do racional nos fazer tomar consciência do demônico que age
na natureza, do mistério que envolve todas as coisas, e revelar o homem
a si mesmo como enigma: enigma do qual resulta a liberdade radical da
escolha filosófica. Pois a filosofia repousa não numa "revelação" qualquer,
ou em alguma necessidade demonstrativa, mas na liberdade.

Abstração feita da experiência religiosa que, dizem, revela-lhe o sagrado e
o coloca em relação com o Tu absoluto, o homem está sozinho.
Não há ninguém para escutar suas questões e sua queixa, A "luz natural"
serve principalmente para acentuar, de todos os lados, as sombras.
Resta-lhe, tendo abandonado o sagrado no caminho, assumir sua solidão.
Filosofar é isso.

Marcel Conche

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